terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

Despertar da Alma: 2a edição: SONHO

 E, Tomei um copo de leite. Mas não sabia qual pão escolher. Centeio? Milho ou careca? Aquele dia estava estranho. Geralmente quem fazia o café era mamãe e não papai. E por que ele estava com o pijama ao contrário? Era sempre tão certinho quando se tratava de roupa. Marcela entrou pela janela com um miado agudo de fome. Fui até a despensa, peguei um pouco da ração, quando encontrei um rato enorme saindo do ralo. Eu não era medrosa. Peguei a vassoura pendurada a porta e taquei nele, mas ele conseguiu se safar e ainda mordeu meu dedo anelar esquerdo. Que dor! Fui avisar papai, mas ele não estava mais lá. Percebi que ele acabara de sair com seu velho fusca, provavelmente iria trabalhar. Mas no calendário em cima da bancada da cozinha marcava domingo. Onde será que ele fora com tanta pressa? Bom, mas isso não importava agora. Lavai com detergente o machucado, enrolei uma faixa, peguei minha mochila e fui para catequese.
Ao fechar o portão enferrujado de casa, encarei nosso sobrado de uma maneira nunca feito antes. Ele parecia assombrado, não, parecia que iria me devorar. Dava para confundir nitidamente suas janelas como olhos. O ninho do João de barro como nariz e a porta da sala como a boca que rangia feroz pela velhice. Passei pelo barbeiro Ricardo, mas ele que sempre cumprimentava a todos fumava incessantemente na guia da calçada e abaixou o rosto fingindo limpar uma cinza inexistente quando passei. Começou a garoar. Corri até o ponto de ônibus. Uma velha controlava o refluxo. Mas quando cheguei, ela me olhou com uma maneira estranha. Suas pupilas se dilataram. Nervos apareceram em seus olhos. Ela começou a babar e tirou de dentro sua língua peluda. Nesse momento o ônibus chegou, eu dei sinal correndo, corri até o sinal para entrar. O motorista parecia ter anorexia. Com sua pele negra manchada de vitiligo, ele resmungou pelo meu atraso. A cobradora não parava de se deliciar com um x-tudo. Lambuzava os lábios e deixou cair os picles na roleta.
 Quis mata-la pela minha mão lambuzada. Sentei próxima a porta. Alguém me cutucou eu me virei e aquela idosa do ponto mexia a papa caída numa maneira pavorosa. Como ela entrou no veículo sem eu ver? Dei sinal e resolvi ir a pé. A chuva agora aumentava. Pular as poças era extremamente gelado. Passou pelo enorme jardim que ladeava a igreja. Era Thalles? Ela parou um instante. O garoto dos seus sonhos cortava e acariciava as rosas como se fossem da família. Chamou-o, mas ele ao virar-se para mim transformou-se em um belo coelho e saiu a disparar por aquele labirinto. Larguei a mochila. Corri até seus... Sua toca? Ele havia desaparecido por um buraco ao pé de um carvalho. Uma freira percebeu que fazia de todas as maneiras para entrar no orifício e veio me chamar de porcalhona pelo vestido e por uma portinha lateral de mosaico me levou para dentro. Estava atrasada para a catequese. Tentei pegar minha mochila, mas ela não me deixou. Uma árvore de natal imensa despencou assim que ela passou pelo santíssimo. Ela começou a chamuscar.
Pegar fogo, até que virou um horrível corvo azulado, piando para mim, tentou me beliscar com o bico, mas dei um chute e piando desesperada quebrou a janela do teto pela qual agora entrava um feixe de luz ensolarado insuportável. Um grunhido. Minha nossa!!! Um dinossauro acabara de quebrar o ferro da janela e entrara com sua pata imensa para esmaga-la. Ela começou a correr para tudo quanto é quanto, gritando por socorro. Chegou a sua sala e percebeu estava vazia, exceto pela tampa da privada no banheiro dos fundos que abri a fechava ferozmente. Rolo de papel higiênico era desenrolado bruscamente por algo do além. Tentou se esconder no armário de madeira, mas acabou percebendo que ele não tinha chão. Começou a cair por aquele buraco, desesperada começou a gritar. Até que caiu de cara num riacho azulado de cristal. Percebeu que agora ela não estava mais dentro dela. Conseguia vê-la. Ela não era mais ela. A alma dela não estava mais lá. Ouviu um piano distante, calmo manso. Seu reflexo não aparecia mais naquela água que caia pitorescamente por entre as rochas. Seguiu a canção. Um homem de smoke preto tocava sem se cansar, observou-o depois de se adentrar por mais naquela gruta. Ele tocava tão graciosamente. Sentia como se tocasse sua alma com os dedos tão finos e compridos. Era um choro de esperança. De repente sentiu conhece-lo por muitos anos. Ele parou a música. Chamou-me. Fabiana. Novamente eu me vi dentro de mim. Não era mais a terceira pessoa, era a primeira da minha vida.
Ele se transformou no Thalles. Era o amor da minha vida. Toquei-o. Era real. Chorei. Lágrimas salgadas temperaram o canto dos meus lábios. Desejei estar ali para sempre. Meu príncipe perfeito. No entanto, um lustre de velas despejou-se do teto. Não deu tempo de gritar. Apagou-se tudo.
Era neve. Levantou-se. Era sim no vidro daquela janela pelo lado de fora, caiam flocos delicados. Sentiu um perfume doce de café. Era o café de sua mãe. Olhou em volta. Percebeu que estava numa imensa biblioteca. Já estivera ali, quando criança. Espere um minuto. Ela estava se enxergando novamente. Esta fora dela. Mas o que significa aquilo? Uma velhinha passou com arrumando o xale próximo. Sua voz. Vovó? Mas como era possível. Ela morrera quando tinha cinco anos. Mas não importava. Era ela sim. Que bom que estava de volta. Saiu disparada passando a mão nas instantes, gritando seu nome. Mas ela parecia não me ouvir. Não vi a escada. Sai rolando, rolando, até cair de bunda no tapete do térreo. Ela caminhava em direção à porta. Mas que sobra era aquela lá fora. Não me diga que era o Dinos...NÃOOOOO. Um caminhão em alta velocidade a atropelara e atirara para longe. Berrou. A voz ecoou pelo salão. As pessoas a encararam, mas pareciam não ver o acidente. Estavam indiferentes. Por que ela só via? Seus pés caíram num roller e saiu deslizando pela porta de entrada até a varanda? Estava num imenso prédio de cinquenta andares. Avistou a rua lá em baixo. Sentiu medo, berrou. Mãos apertaram-lhe o ombro. Era seu pai ele ria coringamente. Empurrou-me. Eu cai... cai...Eu ia morrer, Nãooooooooo...
Acordei. Árvores tampavam minha visão. Ao me dobrar, percebi que estavam num enterro. Tia Elisabeth. Carlota. Henrique, até você Thalles? Todos pararam um instante, alguém notara minha presença. Ela está viva! Todos aplaudiram. Recebi abraços calorosos, menos dele que fugia. Pegue ele, eu gritei. Agora tudo fazia sentido. Fora ele que me jogara do prédio. Ele havia causado o meu acidente. Mamãe comentara que eu ficara em coma, mas não importava tinham que pegá-lo. Meus tios correram até ele, mas antes que fizessem alguma coisa, um ônibus o atropelou. Ele caiu morto no asfalto. Mas não era qualquer ônibus. A zoom foi aumentando como enxadadas fatais. Aquela velha de língua peluda piscou para mim do vidro. Veio buscá-lo. Se chamava : 


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