sexta-feira, 11 de março de 2016

Capítulo 04: Em Nome do Filho



Capítulo 02

Cena 01. Capela Mortuária/ Sala de Velório/ Interior/ Dia.

Continuação do capítulo anterior. Miguel abraça Eva com ternura, os dois se olham por um bom tempo. (Música “I’ll Try” – Allan Jackson)

Eva e Miguel se beijam com doçura. (Fad out trilha “I’ll Try” – Allan Jackson).

Eva (se afastando) – Eu não posso, não dá!

Miguel – Por quê? Você é comprometida?

Eva – Não, mas.../

Miguel (corta) – Já entendi tudo. Não gostou de mim, ou pior, não gostou do meu beijo.

Eva – Por favor, não é nada disso Miguel. Mas é que eu não quero me aproveitar da situação. Olha onde estamos, com que objetivo estamos aqui. É uma falta de respeito com a memória do seu pai. Por favor, esqueça isso.

Miguel – Mas a gente vai voltar a se encontrar?

Eva – Essa cidade é um ovo, bucólica demais. Com certeza voltaremos a nos ver.

Miguel – Sabe que não falo disso. Falo de te ver em outro lugar, numa outra circunstância.

Eva fixa seu olhar, apaixonado, em Miguel, que chega mais perto dela.
Miguel e Eva se olham fixamente, com muita suavidade e carinho.

Miguel (lento) – Posso te ver de novo?

Eva então o olha mais um instante e sai correndo.

Miguel (pra si) – Eu quero essa mulher pra mim.

Close no olhar admirado de Miguel.

Corta para:

Cena 02. Mansão Trajano/ Quarto de Meg/ Interior/ Dia.

Meg está se penteando, enquanto Álvaro está deitado na cama de sunga.

Meg – Pra morrer basta estar vivo mesmo né?

Álvaro – Eu nunca imaginei que o magnata das farmácias fosse morrer. Pra mim o Ângelo ficaria pra semente, ou ao menos, morreria com seus cento e tantos anos.

Meg vira-se para Álvaro.

Meg (gritando) – Ainda não se arrumou Álvaro? Meu Jesus amado quero chegar cedo a capela.

Álvaro – Rilex meu bem. Tudo tem que ser com calma.

Meg – Anda Álvaro, se arruma meu querido. Quero chegar antes de todo mundo.

Álvaro se levanta e começa a colocar sua roupa.

Meg – Só quero ver como a Vitória estará.

Álvaro – Como ela sempre esteve no casamento: fingindo sentir algo que nunca teve.

Meg – Vou decretar luto na cidade.

Álvaro – Para de viajar Meg Trajano. Daqui a pouco as pessoas vão começar a achar o que eu já tenho certeza.

Meg – E o que é?

Álvaro – Que você é uma louca varrida e não sabe nem o que faz naquela prefeitura.

Meg – Engano seu meu querido. Eu sei muito bem tudo que faço.

Álvaro (sínico) – Uhum.

Meg volta a pentear seu cabelo.

Corta para:

Cena 03. Casa de Edu/ Sala/ Interior/ Dia.

Lucído está sentado no sofá, com o notebook em suas mãos, digitando algo. Edu está deitado no outro sofá assistindo TV.

Lucído (lendo) – Olá, eu sou Helena Ávila. Prazer.

Lucído volta a digitar.

Lucído (lendo) – Nunca conheci meu pai. Acho que faleceu antes de eu nascer.

Lucído volta a digitar.

Edu – Que porra é essa vô?

Lucído – Você vai cair duro quando souber.

Edu – Então diga.

Lucído – Acho que eu encontrei a minha Helena. É ela, tenho certeza.

Edu – Vô, para! Quantas Helenas você já não achou? Quantas delas o senhor não disse: “É essa a minha Helena”? Por favor, esquece essa história.

Lucído – Não dá. A Helena faz parte da minha vida, do meu caminho. É importante que eu a ache.

Edu – Quem é essa Helena? O que ela é ou foi na sua vida? É uma namorada? Amante?

Lucído (emocionado) – Deixa Edu, deixa! Você nunca iria entender as minhas razões e nem eu quero que entenda.

Lucído deixa o notebook de lada, se levanta e fica olhando o horizonte pela janela. Edu se levanta e abraça o avô.

Lucído – A Helena é algo inexplicável pra mim, sabe?

Edu - É chato perceber, depois que já houve um grande apego emocional, que só você tá ligando, escrevendo, se importando. Você precisa se valorizar.

Lucído se vira para Edu, o beija e sai pela porta de entrada.

Corta para:


Cena 04. Capela Mortuária/ Entrada/ Exterior/ Dia.

Um carro preto estaciona bem em frente à capela. Descem dele: Antero (banco do motorista), Vitória, com sua muleta, (carona da frente) e Milena (carona de trás).

Milena – O corpo já está aqui

Vitória – Vai desovar esse traste hoje mesmo?

Milena (brava) – Estúpida você. Desovar. Quem desova é bandido. Mas acho que você é muito mais que isso né?

Antero (corta) – Vão começar a brigar aqui? As pessoas vão reparar.

Vitória – Deixa Antero. O que vem de baixo não me atinge.

Milena – Ah é? Senta no formigueiro pelada pra você ver.

Antero começa a rir, mas para após o olhar mortal de Vitória.

CAM focaliza Miguel ao fundo, na porta da capela.

Miguel – Vão entrar, ou vão ficar aí brigando? Daqui eu ouvi sua voz Milena.

Milena – Sua mãe me tira do sério.

Vitória (sínica) – Eu tô abaladíssima com a morte do seu papai. Tive que tomar floral, chá de ervas, calmante. Quase nem vinha. Tô dopada filhinho.

Miguel caminha em direção a eles.

Miguel – Deixa que eu te ajudo mãe. 

Miguel pega o braço direito de Vitória e começa a leva-la para o interior da capela. Antero e Milena ficam parados.

Milena (indignada) – Como pode ser tão falsa?

Antero – Muitos anos de escola. Vá se acostumando minha querida.

Vitória olha pra trás e pisca o olho.

Milena – É muita urubuzada pra uma carniceira só.

CAM dá close no rosto de Milena, com ar de indignação, sendo iluminado pelo sol da tarde.

Corta para:

Cena 05. Casa de Edu/ Sala de Atendimento/ Interior/ Dia.

Julieta está sentada a mesa com seu baralho em mãos.

Julieta (pra si) – Chegou a minha vez de saber tudo.

Julieta começa a colocar as cartas sobre a mesa e então começa a ficar surpresa.

Com muito ritmo, as cartas vão sendo colocadas à mesa. CLOSE em uma carta: a DAMA.

Julieta (desesperada) – Mais uma vez não. Não acredito que tem outra mulher na vida do César. Não pode ser.

Julieta então se levanta e num acesso de raiva vira a mesa no chão.

Julieta (gritando) – Eu vou destruir quem quer que seja essa mulherzinha ordinária.

CAM focaliza na carta da DAMA no chão.

Corta para:

Cena 06. Cidade Flores/ Pontos Turísticos/ Exterior/ Dia – Noite.

Transposição do dia para noite com um clipe:

(Música “Uma história de Amor” – Fanzine.) Vista aérea, plano aberto. CAM aérea faz um clipe dos principais pontos turísticos da fictícia cidade de Flores. Clipe com suaves emendas das imagens, a fim de mostrar toda a beleza da cidade, na seguinte ordem: 1º: Pórtico de entrada da cidade, feito de madeira envernizada e coberto por telha colonial portuguesa, com o letreiro “Bem vindo à Flores”. 2º: Praça Central, com um lindo chafariz no meio, cercada por bancos com pessoas e animais domésticos, além de alguns vendedores de pipocas e brinquedos. 3º: Cruzeiro Municipal, localizado no morro mais alto da cidade, com uma cruz imensa branca, feita em concreto e com iluminação interna, cercado por um grande gramado que é delimitado por canteiro de diversas flores campestres.
(Fad out trilha “Uma história de amor” – Fanzine.)

Som de toque desesperado de uma campainha – Que é da cena posterior.

Corta rápido para:

Cena 07. Mansão Amadeu/ Sala de Estar/ Interior/ Noite.

Teresa está caminhando depressa pela sala em direção a porta de entrada. Ela abre e Fabrício entra desesperado.

Fabricio (nervoso) – Cadê o Miguel? Cadê o meu pai? Cadê todo mundo?

Nesse instante Ana Rosa entra bem mais calma. Teresa fecha a porta.

Teresa – Seu pai tá sendo velado na capela.

Fabrício (inquieto) – Eu vou pra lá agora.

Ana Rosa – Calma. Respira, toma uma água. Passamos um dia inteiro de viagem. Você precisa relaxar.

Fabrício – Mas relaxar como? Me explica.

Ana Rosa – Eu sei que você está eufórico, abalado com a morte do seu pai, mas não pode se desesperar agora. Vamos tomar um banho e comer alguma coisa pra poder ter energia.

Teresa – A dona Ana Rosa tem razão. Chegando assim a capela, você só iria piorar as coisas.

Fabrício se senta no sofá.

Teresa – Eu vou preparar algo pra vocês comerem e arrumar toalhas de banho.

Ana Rosa – Obrigada, Teresa. Mas antes eu preciso de um telefone pra ligar pro Miguel e avisar que já chegamos. Meu celular tá com a bateria vazia e o Fabrício esqueceu o dele no Rio.

Teresa – Tá bem. Venha me acompanhe que te mostro onde tem um.

Ana Rosa segue Teresa em direção ao segundo andar da casa. Close em Fabrício, com um olhar triste.

Corta para:

Cena 08.
Flores/ Elevado/ Subúrbio/ Exterior/ Dia - Noite.

(Música “Aceita, paixão” – Péricles).

Tomadas do bairro suburbano Elevado. Ônibus passando pelos pontos, camelôs ambulantes vendendo salgados e quinquilharias, periguetes circulando pelas ruas, em meio a carros antigos e velhos e motoboys.
(Fad out trilha “Aceita, paixão” – Péricles)

Corta para:

Cena 09. Elevado/ Casa de Fernanda/ Quarto de Eva/ Interior/ noite.

Eva está sentada na cama, com um sorriso enorme e os olhos brilhando de felicidade. Pensativa.

*Inserte do Flashback gravado: Capítulo 3: Cena 22. Capela Mortuária/ Sala de Velório/ Interior/ Dia.

(Música “I’ll Try” – Allan Jackson)

Eva e Miguel se beijam com doçura.

*Fim do Inserte de Flashback.

Eva continua igualmente como estava. Malu entra de fininho no quarto e abraça Eva por trás, que leva um susto e volta à realidade.

Eva (assustada/ feliz) – Quer me matar do coração, garota?

Malu – Eu acho que esse seu coraçãozinho já tem um dono, ou melhor, um ladrão. Quem roubou?

Eva sorri e Malu se senta na cama de frente para ela.

Malu – Eu sei que você tá apaixonada. Todo mundo que fica apaixonado tem essa mesma cara de bocó e esse sorriso besta. Eu mesma sou assim quando tô perto do Edu.

Eva – Não dá pra esconder nada de você mesmo.

Malu – Não. Agora me conta quem é o sortudo.

Eva – Ah, Malu. É um rapaz lindo, educado, simpático. Desses de contos de fadas, sabe?

Malu –
Sei. Mas agora eu quero o nome do sujeito.

Eva – Miguel. O nome dele é Miguel. Anjo Miguel.

Malu – Nossa. Mais derretida pelo rapaz que chocolate na praia de Ipanema. Você merece Eva.

Eva – Nós nos beijamos.

Malu (eufórica) – Me conta como foi, onde foi. Quero saber de tudo. Detalhes por detalhes.

Eva - Foi na capela mortuária.

Malu (cara de nojo) – Eca. Meu Deus, que gosto exótico o de vocês.

Eva – Não é questão de gosto, mas sim de sentimento. As coisas foram acontecendo, sabe? O clímax desse desejo foi o beijo. Foi errado, eu sei.

Malu – Errado como? Pra amar não existe hora certa. Tudo bem que não precisava ser numa capela, mas já que foi, pronto. Deixa fluir naturalmente. Pegou o celular dele?

Eva – Não tive tempo pra mim. Não deu pra pegar celular nem nada.

Malu – Minha priminha vai desencalhar. Eba, eba, eba.

Eva sorri com brilho nos olhos.

Corta para:

Cena 10. Capela Mortuária/ Sala de Velório/ Interior/ Noite.

Tudo com muito silêncio. A sala está com umas vinte pessoas, entre elas: Miguel, Milena, Vitória, Antero, Meg e Álvaro.

Miguel e Milena estão de pé, próximos ao caixão. Álvaro e Antero estão perto da porta conversando.

CLOSE em Meg e Vitória, sentadas ao fundo conversando bem baixinho.

Meg – Agora você tirou a sorte grande hein amiga.

Vitória (feliz) – Nem me fala. Mal vejo a hora da leitura desse testamento. Quero fazer uma viagem pelo Leste Europeu.

Meg – Hum, tô gostando de ver. Isso mesmo, aproveita. Como dizia Madame Catalina: “Passear no Brasil é como fazer programa de dia, não dá nem pro café. É mixuruca”.

Vitória – Não pronuncie esse nome aqui, tá maluca? Não quero saber de Madame Catalina. Isso já me faz lembrar que a Dama voltou.

Meg – Não está mais aqui quem falou.

CAM percorre todo o local e foca na conversa de Antero e Álvaro.

Antero – E agora, quem assumirá a presidência da empresa?

Álvaro –
Você só pode estar de deboche Antero. O Miguel é lógico.

Antero – Ah, menos mal. Tenho medo de que o Fabrício assuma.

Álvaro – Aquele lá só quer escrever os livros dele em paz. Não liga pra administração.

Antero – Tomara que eu suba de cargo na empresa.

Álvaro – Vai pular de puxa-saco pra papagaio de pirata? Você não fazia nada, a não ser lamber o chão que o Ângelo pisava.

Antero – Eu só queria me firmar na empresa e no testamento dele. O mundo é dos espertos meu querido. Aprenda isso.

Álvaro olha com desdém para Antero.

Antero (olhando para fora) –
Olha lá quem tá chegando: Fabrício.

Álvaro olha rapidamente.

Close na entrada de Fabrício e Ana Rosa.

Fabrício chega e corre para perto do caixão, onde se ajoelha e começa a chorar.

Ana Rosa vai em direção a Miguel e o abraça. Close em Milena indignada.

Ana Rosa (a Miguel) – Meus sentimentos.

Miguel – Obrigado, Ana. Foi uma perda muito grande.

Ana Rosa –
Muito mesmo. Eu imagino o quanto você deve estar triste.

Milena – Boa noite pra você também Ana Rosa. Chegou toda pomposa e já foi se dando ao desfrute com meu marido.

Ana Rosa –
Eu me recuso a falar qualquer coisa. Pode esbravejar aí, sozinha.

Miguel –
Não liga não, Ana.

Ana Rosa – Com licença Miguel.

Ana Rosa se abaixa ao lado de Fabrício e o consola.

Close em Vitória e Meg, observando tudo.

Vitória – Essa daí é piranha. Já se deitou com mais homens do que a Bruna Surfistinha.

Meg ri, discretamente.

Vitória – Sorte dela é que o otário do Fabrício a aceitou.

Meg – Você não para de destilar veneno.

Vitória – Destilo veneno porque ainda não consegui destilar bomba atômica. Pessoas miseráveis.

Meg – Você é uma graça Vitória.

Vitória – E você é uma chata às vezes. Volta pra garrafinha.

Close em Vitória, séria.

Corta para:

Cena 11. Casa desconhecia/ SALA/ Interior/ Noite.
Dama está sentada no sofá, enquanto Regininha está de pé com um caderno em mãos. Regininha anda de um lado para o outro na frente de Dama.

Dama –
Dá pra parar de ficar fazendo isso? Tô tonta já de ficar te acompanhando.

Regininha – Calma Dama. Tô bolando uma estratégia aqui.

Dama se levanta.

Regininha – Eu arrumei um jeito de amarrar a Vitória a gente.

Dama – Colocando uma corda nela. Mas a família iria sentir falta. Se bem que seria divertido maltratar aquela mulher.

Regininha –
Não é nada disso tia. Amarrar no sentido figurado, conotativo da situação. Eu pretendo amarrar ela, pra que ela não tenha saída. E com isso garantir a nossa segurança.

Dama – Para de rodopiar feito galinha d’angola nervosa e me conta.

Regininha, então, para de andar.

Regininha – Dossiê.

Dama – O quê?

Regininha –
Eu quero montar um dossiê contando toda a vida da Vitória. Dizendo tudo que ela já fez na vida. Incluindo a parte da minha mãe.

Dama (ressabiada) –
Sei lá, eu tenho medo. Vai que ela consegue pegar esse troço e de raiva, acaba com a nossa raça.

Regininha – Não. Só se a gente fosse muito burra de fazer isso. Vamos escrever tudo aqui nesse caderno e amanhã quando você for pra lá, vai entregar tudo nas mãos dela.

Dama –
Mas assim ela vai acabar comigo. Entregar as provas na mão dela?

Regininha – As provas não. Uma cópia desse dossiê. Só assim ela saberá que temos um original muito bem guardado.

Dama – Tô começando a gostar da ideia.

Regininha – Então vamos nos sentar e mãos a obra.

Dama e Regininha se sentam.

Regininha – Agora me conte tudo, desde o início. Eu quero ver aquela mulherzinha no chinelo.

Dama –
Era carnaval e a Vitória...

O áudio é cortado, mas permanece a imagem de Dama falando e Regininha escrevendo tudo.

Corta para:

Cena 12.
Flores/ Elevado/ Subúrbio/ Exterior/ Noite.

(Música “Aceita, paixão” – Péricles).
Tomadas do bairro suburbano Elevado. Ônibus passando pelos pontos, camelôs ambulantes vendendo salgados e quinquilharias, periguetes circulando pelas ruas, em meio a carros antigos e velhos e motoboys. Close na Fachada do Bar Chegaí.
(Fad out trilha “Aceita, paixão” – Péricles).

Corta para:

Cena 13. Elevado/ Bar Chegaí/ Interior/ Noite.

O bar está com pouco movimento. Zé Diogo está limpando o balcão e Ondina vem do interior do bar com uma bandeja de croquetes, a qual coloca na estufa de vidro do balcão.

Ondina – Hoje eu não faço mais nenhum croquete Zé. Tô mais morta que o ricaço lá.

Zé Diogo – Ai ai Ondina. Nem deve sair mais croquete hoje. O movimento tá fraquinho demais.

Ondina – Tomara mesmo. Meus pés doem demais, preciso muito me deitar.

Em Tamara, entrando no bar e indo em direção ao balcão, com dois vasilhames de cerveja, vazios.

Tamara – Zé me dá duas louras aí e uns croquetes.

Ondina – Vai comer aqui?

Tamara – Não. Vou levar pra casa.

Zé Diogo pega os vasilhames e coloca em um engradado, em seguida pega duas cervejas no freezer. Enquanto isso, Ondina separa alguns croquetes.

Tamara – Você bem que poderia sorrir mais vezes Ondina. Vive aí enfurnada atrás dessa cara feia.

Ondina (ríspida) – Vai querer só os croquetes?

Tamara - É.

Zé entrega uma sacola com duas cervejas.

Tamara – Tá uma chuva terrível né Zé. Acho que por isso o Chegaí tá vazio hoje.

Zé Diogo – Justamente Tamara. Vai comemorar alguma coisinha hoje?

Ondina entrega os croquetes.

Tamara – Não. Só pra relaxar mesmo. Pendura na minha conta aí.

Tamara pega suas coisas e vai embora.

Ondina – Garota desaforada. Não gosto dela.

Zé Diogo – A Tamara é gente boa.

Ondina – Ela é ruim. E gente ruim é como dor de dente: quanto mais se presta atenção nela... Como que é o restante mesmo?


Zé Diogo – Quanto mais se presta atenção nela, mais se incomoda.


Ondina – Ah, é isso mesmo.

Zé Diogo volta a limpar o balcão enquanto Ondina volta pra cozinha do bar.

Corta para:

Cena 14. Casa de Edu/ Cozinha/ Interior/ Noite.

Edu e César estão sentados a mesa, enquanto Julieta coloca uma última panela em cima da mesa e se senta também.

César – Tô morto de fome.

Julieta – Cadê seu pai? Chama ele pra jantar César.

Edu (gritando) – Vô vem jantar.

Julieta – Eu tô sem fome.

César – Mas por quê?

Julieta – Nada.

César e Edu começam a arrumar seus pratos.

Julieta (gritando) – Seu Lucído sai desse computador, pelo amor de Jesus Maria José.

Nesse instante Lucído aparece.

Edu – Ô glória, hein, vô? Desgruda desse computador. Desapega.

Lucído se senta.

César – O que tem de tão importante nesse computador? Achou outra Helena?

Lucído – Fiz melhor, achei uma pessoa que sabe por onde anda a minha Helena.

Julieta – Eu queria botar as cartas na mesa pro senhor, mas...

Lucído – Eu não acredito em bruxaria.

César – Não é bruxaria.

Edu – Seja como for, não vamos discutir crença à uma hora dessas né?!

Julieta – Tem razão. Vamos jantar porque eu preciso lavar a louça.

Todos começam a jantar em silêncio.

Corta para:

Cena 15. Capela Mortuária/ Sala de velório/ Interior/ Noite.

O local está com as mesmas pessoas da cena 10. Na conversa entre Fabrício e Miguel. Ambos abalados.

Miguel – Você vai ficar aqui por quanto tempo?

Fabrício – Tô querendo ir embora amanhã após o enterro.

Miguel – Tem certeza?

Fabrício – Não tenho certeza, tenho convicção. Não gosto dessa cidade. Nunca gostei.

Miguel – Mas a empresa do pai é aqui.

Fabrício – Na boa Miguel, o pai morreu agora. O corpo nem esfriou. Eu não estou disposto a ficar discutindo herança. Nunca liguei pra essa coisa mesmo.

Miguel – Só estou tentando resolver a situação.

Fabrício – Deixa que o tempo resolva tudo.

Miguel e Fabrício ficam calados, cabisbaixos.
Close na chegada de Mafalda e Téo. Mafalda vai direto abraçar Miguel e Fabrício.

Na conversa entre Meg e Vitória.

Vitória – Chegou a sua irmã e o gigolô dela. Mafalda não aprende. Vai gastar toda a fortuna sustentando esse pivete.

Meg – Eu já avisei, o Álvaro avisou, mas ela não escuta ninguém. Tá cega por esse homem.

Vitória – Nojo dos homens.

Meg – Mas bem que você gostava.

Vitória – Você me cansa Meg. Deus me livre.

Corta para:

Cena 16. Capela Mortuária/ Pátio lateral/ Exterior/ Noite.

Ana Rosa está sentada em um banco de madeira. A chuva já se foi. O pátio permanece vazio. Nesse instante Milena chega.

Milena – Tá aí admirando a paisagem ou pensando numa estratégia para roubar maridos?

Ana Rosa permanece calada.
Milena se senta no banco, ao seu lado.

Milena – Você é tão sínica né? Mas dessa vez se tentar algo pra cima do Miguel eu acabo com a sua raça.

Ana Rosa – Eu tenho pena de você Milena. Eu só não fiquei com o Miguel naquela época porque não quis.

Milena (brava) – Ele nunca te amou. Ele te usou e descartou. Fez com você o que faria com qualquer garrafa pet.

Ana Rosa – Sabe o que me anima? É saber que existem mulheres com a autoestima tão baixa, que aceitam mentiras, e pior, acreditam nelas. Você é jovem, mas ficou amargurada, reprimida. Tá se retorcendo de medo do Miguel chegar em mim novamente, e sabe por quê? Porque você não se garante. Não tem bala na agulha pra segurar seu macho, é frouxa.

Milena levanta a mão pra dar na cara de Ana Rosa, mas desiste.

Ana Rosa – Esse é seu único recurso né. A violência. Não aguentou escutar a verdade. E olha que eu não disse metade do que deveria.

Milena – Vagabunda.

Ana Rosa – Veio aí bancando a justiceira, vai voltar pra casa engolindo sapos, cachorros e outros bichos. Mexeu com a pessoa errada filhinha. Eu sei ser educada, mas também desço das tamancas quando necessário.

Ana Rosa se levanta.

Ana Rosa – Tenha uma boa noite, querida!

Ana Rosa entra para a capela.
Close no semblante de ódio de Milena.

Corta para:

Cena 17. Cidade Flores/ Exterior/ Noite-Dia.

Transição da noite para o Dia.
Imagens aéreas dos principais pontos turísticos da cidade: começando pela praça central, cruzeiro, pórtico e terminando no portão principal do cemitério.

Corta para:

Cena 18. Cemitério/ Interior/ Dia.

Miguel, Antero, Fabrício e Álvaro carregam o caixão em direção à sepultura. Logo atrás vem um padre, Meg e Vitória juntas, atrás delas vem Mafalda, Téo e Milena e no final de tudo Ana Rosa.
O padre faz a benção final, enquanto Miguel e Fabrício choram muito.
Close na conversa entre Meg e Vitória.

Vitória – Chegou a hora do meu show. Usar do meu lado atriz.

Meg – Como assim?

Vitória – Olha só.

Vitória chega próxima ao caixão, que está lacrado já e começa a fingir choro.

Vitória – Isso não poderia ter acontecido, porque meu Deus, por quê? Não Ângelo, não se vá, nós te amamos demais.

Todos olham espantados para Vitória, que se ajoelha.

Vitória – Leve a mim Deus, mas deixe esse homem santo. Essa doce criatura não deveria sair da Terra, onde deixará muitas saudades em muitas pessoas que o querem bem. Como hei de viver agora? Sua doce presença me acalentava o coração. Oh Jeová, não faça isso comigo, eu te suplico pela alma de todos que amam esse ser único e digno de toda misericórdia.

Mafalda faz cara feia, chega próxima a Vitória e se ajoelha também.

Mafalda (cochichando) – Para com esse seu teatrinho mequetrefe, onde você faz a boa moça, a esposa zelosa. Nós duas sabemos quem você é, uma piranha vulgar, uma chantagista.

Vitória (gritando) – Eu não quero que ele se vá. Por favor, não!

Mafalda (cochichando) – Você deve estar com saudade da minha mão estalando na sua cara. Continua esse show pra ver quantos dentes irão te faltar. Deixa de ser ordinária.

Mafalda se levanta e volta para junto de Téo.
O caixão desce até a cova, Vitória chega até a ponta da cova e olha para baixo.

Vitória – Não tem sentido viver sem ele mais. Me leva com você Ângelo, me leva.

Vitória acaba escorregando e cai dentro da cova.

Vitória (gritando/ nervosa) – Me tira daqui. Socorro! Alguém me ajuda. Me tira daqui pelo amor de Deus.

Mafalda chega perto da cova.

Mafalda – Fique aí pra viver com esse homem santo. Não era isso que você queria?!

Mafalda dá altas risadas. Miguel desce até a cova e socorre a mãe.

Vitória (se limpando) – Que nojo. Ah, que nojo.

Corta para:

Cena 19. Livraria Dom Casmurro/ Fachada/ Exterior/ Dia.

Um ônibus para num ponto, em frente à livraria e Tamara desce.

Tamara (PRA SI) – Odeio ônibus lotado. Quando eu for gerente dessa livraria, o que não vai demorar, prometo que vou alugar uma casa aqui no centro.

Tamara entra para a livraria.

Corta para:

Cena 20. Livraria Dom Casmurro/ Salão Principal/ Interior/ Dia.

Fluxo pequeno de pessoas. Tamara chegando e caminhando em direção ao caixa. Nesse instante CAM dá close em Eva e Lucas conversando entre algumas prateleiras.

Eva – Eu achei que nem fosse dar gente hoje aqui.

Lucas – É, também achei. Mas pelo que vejo tudo está correndo bem.

Eva – Mudando de assunto, eu pensei em fazer umas mudanças aqui.

Lucas – E quais são?

Eva – Utilizar o outro pátio pra fazer o “Momento Leitura”, onde os clientes teriam espaço para lerem seus livros, folhearem nossos catálogos com mais calma, tomarem um café, o que acha?

Lucas – Você é sensacional. Eu acertei na sua escolha como gerente. Faça as mudanças que precisar.

Eva – Pensei também que no dia da estreia, poderíamos trazer um autor famoso, além de representantes das editoras e autoridades locais. Assim a livraria fica mais famosa.

Lucas – Genial. Agora mãos a obra. Esse projeto vai ser pra daqui a quinze dias, você consegue?

Eva – Vamos tentar. Nada é impossível pra gente.

Lucas – Assim que eu gosto de ver. Vou até a minha casa procurar os contatos da Talita Rebouças, Walcyr Carrasco e outros autores de livros.

Eva – ótimo. Enquanto isso eu vou recrutar a Tamara e traçarei o projeto todo.

Lucas – Ok!

Lucas caminha em direção à saída.

Eva (gritando) – Tamara vem aqui rápido, por favor.

Tamara rapidamente chega até Eva.

Tamara – Pois não.

Eva – Pega caneta e papel e vamos até a minha sala. Tive uma ideia que pode dar um up na livraria. Se tudo der certo, e eu tenho fé que dará, isso aqui vai bombar, pode anotar.

Eva sobe as escadas em direção sua sala. Tamara fica parada.

Tamara – Veremos. É nessa goiabada que eu vou fartar, pode apostar.

Corta para:

Cena 21. Floricultura/ Interior/ Dia.

Vendedora – Pronto. Dentro de meia hora entregaremos o buquê.

Miguel – Ah que ótimo. Mas não se esqueça, quero que entreguem em mãos.

Vendedora – Fique tranquila, será em mãos.

Miguel – ótimo. Quero enviar um urso de pelúcia também.

Vendedora – Pode vir aqui escolher.

A vendedora mostra a Miguel inúmeros ursos de pelúcia.

Corta para:

Cena 22. Livraria Dom Casmurro/ Sala de Eva/ Interior/ Dia.

Eva e Tamara estão sentadas conversando.

Eva – Preciso que reúna a equipe da limpeza e peça a eles que limpem aquele pátio a partir de amanhã, tá?

Tamara – Sim Eva. E quando será a inauguração?

Eva – Será daqui quinze dias, eu acho. Mas quero quem em dez dias tudo esteja funcionando já. Nada de sustos ou imprevistos.

Tamara – Pode deixar chefinha. Tudo vai sair como estou pensando. Será um sucesso.

Eva – Deus lhe ouça, minha querida.

Nesse instante alguém bate a porta.

Eva (TOM ALTO) – Pode entrar.

Então um homem, o entregador, entra com um buquê grandioso e lindíssimo cheio de rosas vermelhas e um ursinho todo rosa.

Entregador – Com licença, quem é a Eva?

Eva – Sou eu.

Entregador – Isso aqui é pra senhora.

Eva se levanta pega o buquê e sente um aroma gostoso, em seguida pega o ursinho.

Eva – Quem enviou?

Entregador – Não sei, tem um cartão em meio as flores. Se me dão licença preciso ir.

Eva – Obrigada, querido.

Entregador – Disponha.

O entregador vai embora.

Tamara – Hum, Eva Magalhães arrasando corações. Quem é o admirador secreto?

Eva – Deixo em off.

Tamara (se levantando) – Deixa eu ir cuidar de tudo pra que nosso projeto saia perfeitamente.

Tamara sai da sala.
Eva então fica toda sorridente.
Eva pega o cartão em meio as rosas e começa a lê-lo.

Eva (lendo) – “Você não sai mais da minha cabeça. Seu beijo, seu cheiro, seu toque, tudo muito bom. Espero vê-la novamente, o mais breve possível. Beijos, Miguel”.

Eva sorri apaixonadamente.

(Música “I’ll Try” – Allan Jackson)

Eva começa a girar pela sala com o buquê em mãos.

Corta para:

Cena 23. Mansão Amadeu/ Fachada Frontal/ Exterior/ Dia.

Imagens da mansão.

Corta para:

Cena 24. Mansão Amadeu/ Quarto de Vitória/ Interior/ Dia.

Close em um envelope grande, no centro da cama.

Vitória vem saindo do banheiro só de roupão e sem muleta. Ela percebe o envelope, o pega e abre, onde tem um bloco de folhas.

Vitória dá um grito e joga o bloco no chão.

Close no bloco, uma Xerox manuscrita, com os dizeres: “Vitória Amadeu, eterna Nameless”.
Nesse instante uma pessoa vai surgindo por trás de Vitória, que vira-se rapidamente. É Dama.

Dama (convicta) – Como tem passado Nameless? Gostou do presentinho que lhe dei?

Close em Vitória, assustada.

FIM DO CAPÍTULO

Nenhum comentário:

Postar um comentário