sábado, 22 de agosto de 2015

Capítulo 02: Castelo de Cartas


CENA 01/EXT./PRAIA DE COPACABANA/DIA
    Lucas faz respiração boca-a-boca em Vitória, que vomita a água.
LUCAS – Você tá bem?
VITÓRIA – Mais ou menos. Eu tô com uma dor aqui nas costas. Você é o salva-vidas?
LUCAS – Não. É que eu tava vendo você nadando e uma lancha vinha atrás de você, pilotada por dois vagabundos bêbados. Quando você foi atropelada, eu vim te salvar.
VITÓRIA – Obrigada mesmo...
LUCAS – Lucas. Meu nome é Lucas.
VITÓRIA – Prazer, Vitória. Me ajuda a levantar, por favor.
LUCAS – Eu ajudo sim.
    Lucas abraça Vitória para fazer a moça levantar.
LUCAS – Você quer que eu te dê uma carona, te leve até sua casa?
VITÓRIA – É muita gentileza sua, mas não precisa. Eu tô com o meu carro.
LUCAS – Então tá. Até qualquer dia, Vitória.
    Vitória pega suas roupas e vai para o carro mancando.
KÁTIA FLÁVIA – Até qualquer dia, Vitória. Blábláblá.
LUCAS – Quê que é, Kátia Flávia? Será que eu não posso nem ajudar uma moça atropelada?
KÁTIA FLÁVIA – Ajudar é uma coisa, agora se oferecer pra dar carona é outra. Pode parar de arrastar asa pra qualquer uma que aparece, viu Lucas?
LUCAS – Que mané arrastar asa, Kátia Flávia? Para de ser ciumenta um pouco.
    Kátia Flávia fica emburrada.
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CENA 02/INT./MANSÃO TRINDADE/SALA/DIA
    Maria Fernanda está sentada no sofá da mansão assistindo TV, enquanto uma manicure faz suas unhas.
MARIA FERNANDA – A TV de hoje em dia cai muito na mesmice. Só 180 canais. É um absurdo, você não acha?
MANICURE – Absurdo mesmo é a televisão lá da minha casa. Tem três canais e só dois funcionam.
MARIA FERNANDA – Cala a boca! Eu fiz uma pergunta retórica. Tô te pagando pra fazer minhas unhas, não pra ficar debatendo sobre a sua vida de favelada. E vê se lixa minhas unhas direito!
MANICURE – Sim, senhora. Já não tá mais aqui quem falou.
    Madalena aparece na sala com uma bandeja de chá.
MADALENA – Aceita um chá?
MANICURE – Aceito sim. Eu...
MARIA FERNANDA (interrompe) – Ninguém aceita nada aqui. Ela veio na minha casa pra fazer minhas unhas, nada mais. Some da minha frente, Regina!
MADALENA – Eu sou a Madalena.
MARIA FERNANDA – Ninguém perguntou. Vai embora!
    Madalena volta para a cozinha.
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CENA 03/INT./MANSÃO TRINDADE/COZINHA/DIA
    Madalena volta para a cozinha, onde outra empregada está cortando cebola.
EMPREGADA – Deixa eu adivinhar. Levou uma patada da dona Fernanda, foi isso?
MADALENA – Acertou. Mas eu não quero falar sobre isso. A Maria Fernanda tá muito perversa. Quer tudo aos pés dela, do jeito dela.
EMPREGADA – Você ainda não se acostumou, colega? Dona Fernanda é assim mesmo. Só vai mudar nascendo de novo.
MADALENA – Nascendo de novo...
EMPREGADA – Isso mesmo, nascendo de novo. Aliás, eu acho que nem assim ela muda. Uma vez ordinária, sempre ordinária.
    Madalena corre para a dispensa.
EMPREGADA – Madalena? Ué. Eu corto cebola e quem chora é ela. Vai entender.
    A empregada volta a fazer o seu trabalho.
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CENA 04/INT./CASA DE ROSICLER/SALA/DIA
    Rosicler está sentada no sofá ao lado da filha Nínive.
ROSICLER – Onde o Társis tá mesmo?
NÍNIVE – Eu também não sei. Ele só falou que ia sair com um amigo dele.
ROSICLER – Tomara que ele não demore. O almoço já tá quase saindo.
    Nesse momento, Társis chega em casa, um pouco molhado.
NÍNIVE – Apareceu a margarida. Posso saber onde você tava?
TÁRSIS – Não é da sua conta.
ROSICLER – Posso saber onde você tava?
NÍNIVE – Agora diz pra ela também que não é da conta dela.
TÁRSIS – Para de ser chata, Nínive. Mãe, eu fui na praia com um amigo meu. Eu demorei um pouco porque aconteceu um probleminha lá.
NÍNIVE – Que probleminha?
TÁRSIS – Eu já disse que não é da sua conta, garota! Mas pra você parar de encher o saco, eu digo. O meu amigo bebeu além da conta e acabou atropelando uma moça com a lancha dele.
ROSICLER – Meu Deus do céu! E você deixou ele dirigir bêbado?
TÁRSIS – O que eu podia fazer? A lancha era dele.
NÍNIVE – Nossa, Társis. Você é muito irresponsável.
TÁRSIS – Cala a boca, menina! Não enche!
    Társis sobe as escadas, com raiva.
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CENA 05/INT./CASA DE WALKIRIA/QUARTO/DIA
    Walkiria, uma periguete que tem um caso com Társis, está deitada na cama. O celular dela começa a tocar. É Társis.
WALKIRIA – Oi, amor.
TÁRSIS (cel) – Eu já disse que eu não gosto que você me chame assim, Walkiria.
WALKIRIA – Tá bom, senhor estressado. Eu só tava brincando. Mas e aí, o que você quer?
TÁRSIS (cel) – Você pode vir aqui em casa? Eu tô muito entediado aqui, não tenho nada pra fazer.
WALKIRIA – Claro que eu vou! Deixa só eu tomar um banho e eu já tô indo pra aí. Tchau.
TÁRSIS (cel) – Tchau... sua gostosa!
    Walkiria ri e desliga o celular.
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CENA 06/INT./CASA DE ARTURO/SALA/DIA
    Arturo está recostado em sua poltrona de couro. A campainha toca.
NENÊ – É ela!
    Nenê abre a porta. Sandra, a mulher que cuidará de Arturo, entra.
ARTURO – Eu só posso estar sonhando! Nenê, me belisca! Ou melhor, não me belisca não. Se for um sonho, eu não quero acordar. Ou será que eu morri e tô no Paraíso?
NENÊ – Pai, essa aqui é a Sandra. Ela vai cuidar de você enquanto eu não estiver em casa.
SANDRA – Oi, seu Arturo. Tudo bem com o senhor?
ARTURO – Tá tudo bem, tudo ótimo. Melhor agora!
NENÊ – Sandra, ele tem que trocar de fralda de quatro em quatro horas e não janta, só toma café e almoça. Eu vou na academia e só volto de tardezinha, tudo bem?
SANDRA – Ok, Nenê. Eu prometo que eu vou cuidar do seu pai com o maior carinho.
NENÊ – Tchau pros dois!
    Nenê sai.
ARTURO – Vem aqui conhecer a conga laconga do papai, vem!
    Arturo agarra Sandra pela cintura.
SANDRA – Seu Arturo, pelo amor de Deus! O que é isso?
    Sandra consegue se desenrolar dos braços do homem.
ARTURO – Desculpe, eu confesso que eu me empolguei. Você pode pegar o controle da televisão? Ele caiu no chão e eu não consigo pegar.
SANDRA – Eu pego sim. E não faça mais isso, hein?
    Sandra se abaixa para pegar o controle e Arturo aproveita para olhar a calcinha da moça.
ARTURO – Eu acho que ter uma babá não é de todo mal.
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CENA 07/INT./CASA DE ROSICLER/SALA/DIA
    Rosicler e Nínive continuam sentadas no sofá, vendo televisão. A campainha toca.
NÍNIVE (levanta-se) – Eu atendo.
    Nínive abre a porta. É Walkiria.
NÍNIVE – Ah, é você Walkiria? O Társis tá no quarto dele.
WALKIRIA – Obrigada, cunhadinha. Beijo!
    Walkiria sobe para o quarto do namorado.
NÍNIVE (senta-se) – Não gosto nem um pouco dessa garota.
ROSICLER (interrompe) – Mas por que não, minha filha? Tá certo que a Walkiria é uma periguete, mas o Társis gosta dela e é isso que importa.
NÍNIVE – O Társis pode namorar com quem ele quiser, já eu não tenho direito nem de gostar de alguém.
ROSICLER – Do que você tá falando, Nínive?
NÍNIVE – Nada, mãe. Esquece.
ROSICLER – Nada disso. Agora você vai me falar o que tá acontecendo. É algum problema na faculdade?
NÍNIVE – Mais ou menos. É que eu estudo com um garoto, o Danilo. Depois desses meses estudando com ele, eu comecei a sentir uma paixão e a primeira pessoa com quem eu fui me abrir foi o Társis.
ROSICLER – Até aí tudo bem. Mas qual foi o problema?
NÍNIVE – Logo que eu falei com o Társis, ele começou a destilar aquele veneno dele e disso que eu não posso nem sonhar em namorar com o Danilo.
ROSICLER – Ué, mas por que não?
NÍNIVE – Porque o Danilo é negro e pobre.
    Rosicler fica espantada com o preconceito do filho.
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CENA 08/INT./CASA DE ROSICLER/QUARTO TÁRSIS/DIA
    Walkiria entra no quarto de Társis.
WALKIRIA – Cheguei, amor!
TÁRSIS – Já é a segunda vez hoje que eu vou te dizer pra não me chamar de amor. A gente não namora.
WALKIRIA – Como assim a gente não namora? Então qual é a relação entre nós dois?
TÁRSIS – A gente se pega as vezes, mas isso não quer dizer que eu namoro contigo. Mas não foi pra isso que eu te chamei.
WALKIRIA – Então foi pra quê?
TÁRSIS – Eu tô sem nada pra fazer. Será que você pode dar uma animada no meu dia?
WALKIRIA – Não sei se eu posso. A gente não namora.
TÁRSIS – Cê não tá falando sério, né Walkiria?
WALKIRIA – Claro que não. Hoje é dia de Walkiria, bebê!
    Os dois pulam na cama e se beijam.
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CENA 09/EXT./RJ/CLIPE COM IMAGENS/DIA-NOITE
(Sonoplastia: Obloco - Maria Gadú)
    Anoitece no Rio de Janeiro. As luzes dos prédios se acendem. Pessoas voltam para suas casas após mais um dia de trabalho. Um grupo de idosos malha em uma academia ao ar livre. Barcos navegam na lagoa Rodrigo de Freitas, onde se encontram várias faixas de protesto.
(Sonoplastia: Fade Out – Obloco)
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CENA 10/INT./EMPRESA TRINDADE/ESCRITÓRIO/NOITE
    Otávio está em seu escritório, lendo alguns relatórios. Seu telefone toca.
OTÁVIO – Alô? (p.) Como assim? (p.) Tá, pode mandar entrar.
    Otávio desliga o telefone. Um dos seguranças da empresa aparece agarrando Danilo pela camisa.
OTÁVIO – Eu posso saber o que está acontecendo? Larga o menino!
    O segurança solta Danilo, que cai na cadeira.
SEGURANÇA – Seu Otávio, esse garoto estava na frente da nossa empresa tocando violão, em busca de esmolas.
DANILO – Eu tô passando fome. Minha mãe não tem dinheiro pra comprar a janta.
OTÁVIO – Luciano, qual foi o problema que você viu quando o garoto estava pedindo esmolas?
SEGURANÇA – Seu Otávio, o que acontece é que...
OTÁVIO (interrompe) – Pessoas preconceituosas como você me enojam, Luciano. Me enojam! O garoto está apenas com fome, em busca de dinheiro pra sustentar a mãe e a ele mesmo. Faça-me o favor, eu não imaginei que você fosse tão preconceituoso assim.
SEGURANÇA – Mas seu Otávio, eu só tava...
OTÁVIO (interrompe) – Não quero saber de nada. Volte para o seu posto e deixe o menino aqui.
    O segurança vai embora. Otávio olha para Danilo.
DANILO – Eu juro que eu não queria roubar nada, chefia. Os ladrões levaram toda a comida de casa e minha mãe tá passando fome, e eu também.
OTÁVIO – Não precisa se explicar, menino. Eu já enfrentei essas mesmas dificuldades que você quando tinha sua idade. Eu batalhei muito pra chegar aqui.
DANILO – Então eu admiro bastante o senhor.
OTÁVIO – Qual é o seu nome mesmo?
DANILO – Meu nome é Danilo, senhor.
OTÁVIO – Prazer, Otávio. Danilo, você não gostaria de trabalhar na minha empresa pra ganhar um dinheirinho?
DANILO – Que é isso, seu Otávio? Imagina eu numa empresa chique dessa. Não é pra mim não, é só pra quem pode.
OTÁVIO – Pare de pensar assim, Danilo. Você viu que uma secretária ligou pra mim quando você veio aqui, não viu?
DANILO – Eu vi sim.
OTÁVIO – Tem uma vaga de secretário no terceiro andar. Se quiser, eu posso te colocar nessa vaga e nem se preocupe com o salário. Você receberá mais que um professor. Bem mais!
DANILO – Não sei não, seu Otávio. Eu estudo a noite e, se eu faltar muito, eu perco a bolsa.
OTÁVIO – Não tem nenhum problema. A empresa só recebe os acionistas e outras visitas pela manhã e pela tarde. A noite só eu e os acionistas majoritários.
DANILO – Poxa, seu Otávio. Muito obrigado mesmo. Eu aceito.
OTÁVIO – Muito bem, meu jovem! Mas como nós vivemos em um mundo cheio de burocracia, você precisa me entregar seu currículo.
DANILO – Claro! Amanhã mesmo eu vou na lan-house, digito, imprimo e trago pro senhor.
OTÁVIO (aperta a mão de Danilo) – Tá ótimo!
    Nesse momento, Maria Fernanda entra no escritório.
MARIA FERNANDA – O que esse trombadinha está fazendo aqui?
    Os dois olham para Fernanda.
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CENA 11/INT./MANSÃO TRINDADE/QUARTO LUCAS/NOITE
    Kátia Flávia está sentada na cama de Lucas, enquanto o mesmo toma banho no banheiro do quarto.
KÁTIA FLÁVIA – Esse banho termina hoje?
LUCAS (off) – Quanto mais você reclamar, mais vai demorar.
    Kátia Flávia olha pela janela do quarto e vê Ingrid e Madalena conversando no jardim.
KÁTIA FLÁVIA – O que será que elas tanto conversam?
LUCAS (off) – Falou comigo, Kátia Flávia?
KÁTIA FLÁVIA – Não foi com você não. Eu vou descer ali pra tomar uma aguinha e já volto.
    Kátia Flávia sai do quarto.
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CENA 12/EXT./MANSÃO TRINDADE/JARDIM/NOITE
    Kátia Flávia abre a porta um pouco e espia Madalena e Ingrid conversando.
MADALENA – Então, dona Ingrid, é que essa menina me irritou bastante. Eu não me senti nada confortável com aquela situação.
INGRID – Mil perdões, Madalena. Mil perdões pela namorada que o meu neto tem.
KÁTIA FLÁVIA (pensa) – Elas estão falando de mim. O que eu fiz de tão ruim assim?
INGRID – O importante é que você não deixou nada escapar. E mais importante ainda é você continuar guardando isso pra sempre. Lembra do nosso pacto, não lembra?
MADALENA – Claro. Nem tinha como esquecer, dona Ingrid. Eu prometo que eu vou levar esse segredo comigo quando eu morrer.
INGRID – Isso! Ninguém pode saber.
KÁTIA FLÁVIA (pensa) – Segredo? De que segredo elas estão falando?
MADALENA – Agora eu tenho que lavar a louça do jantar. Com licença, dona Ingrid.
INGRID – Pois não, Madalena. Eu também já estava de saída, tô indo na empresa ver como é que andam as coisas, se o Otávio tá conseguindo se virar com os relatórios. Sabe como é, homem é um bicho tão desorganizado...
    As duas riem.
MADALENA – A senhora quer que eu diga pra um dos motoristas tirar o carro?
INGRID – Não, não, não precisa. A empresa é pertinho e eu estou mesmo precisando fazer uma caminhada. Até mais, Madalena!
MADALENA – Até!
    Ingrid caminha rua afora, enquanto Madalena volta para dentro da mansão, onde é barrada por Kátia Flávia.
KÁTIA FLÁVIA – Que tal segredo é esse, Madalena?
    Madalena se assusta.
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CENA 13/INT./EMPRESA TRINDADE/ESCRITÓRIO/NOITE
    Maria Fernanda está de pé na frente de Otávio e Danilo.
OTÁVIO – Maria Fernanda, você não tem o direito de...
MARIA FERNANDA (interrompe) – Papai, eu não sei se você percebeu, mas tem um menino pobre aqui. Eu vi ele pedindo esmolas aqui na frente da empresa tocando um violão e mandei o Luciano botar ele pra fora. Agora eu me deparo com vocês conversando no maior astral. Essas poltronas de couro não foram feitas pra gente como ele sentar.
OTÁVIO – Como é que é? Foi você quem mandou o segurança tirar o menino da frente da empresa?
MARIA FERNANDA – Mas claro, e não precisa me agradecer. Isso aqui é uma empresa de joias, você acha mesmo que ele tava só pedindo esmolas? Deve ter um companheiro dele se infiltrando aqui dentro pra roubar as joias. Menino, fora daqui!
OTÁVIO – Alto lá! Você não é dona da empresa. A única pessoa que tem direito de dizer quem entra e quem sai daqui sou eu, e eu digo que o Danilo vai permanecer aqui.
MARIA FERNANDA – Ora, mas vejam só... até o nome dele você já sabe. Daqui a pouco vai ser o quê? Vai adicionar ele no Face? Faça-me o favor, papai. Gente da laia dele não foi feita pra frequentar empresas sofisticadas como a Trindade.
DANILO – Seu Otávio, eu acho melhor eu ir embora.
MARIA FERNANDA – Achou certo, garoto. Vai embora daqui! Rápido!
    Danilo levanta-se e se retira do escritório.
OTÁVIO – Senta, Fernanda.
MARIA FERNANDA – Eu? Sentar onde esse pobretão sentou? Deus me livre. Deve estar cheio de sujeira. Vou mandar comprar novas poltronas, porque essas aí já estragaram.
OTÁVIO – Então você vai ouvir de pé mesmo. Você pensa que é quem pra tratar as pessoas assim?
MARIA FERNANDA – Oi? Você vai discutir comigo porque eu te fiz esse favor? Papai, você...
OTÁVIO (interrompe) – Cale sua boca! Você agora vai me escutar, Maria Fernanda. Você não tem direito algum de insultar as pessoas, fazer distinção de raça ou classe social e muito menos de escorraçá-las dessa maneira. Isso é coisa de gente preconceituosa, sem valores, sem nada no coração.
MARIA FERNANDA – Nem vem com esse seu discursinho, papai. Eu só ajudei a manter a boa imagem da Trindade e evitar um provável roubo das joias.
    Otávio levanta-se.
OTÁVIO – Eu nem acredito que um ser como você pode ser minha filha. Eu não te criei dessa forma! Sabia que eu já fui pobre como ele? Provavelmente até mais pobre. Eu morava em um barraco no meio da roça; desde criança eu ajudei meus pais empunhando enxada, puxando arado. Eu ralei muito pra chegar onde cheguei.
MARIA FERNANDA – A culpa não é minha se você foi pobre na infância. Graças a Deus que você enriqueceu nesse meio tempo, né? Dá vergonha só de pensar.
OTÁVIO – Me respeita, sua ordinária! Eu sou teu pai!
    Otávio tira o cinto e quase bate em Maria Fernanda, mas é interrompido com a chegada de Ingrid.
INGRID – Para com isso, Otávio! O que tá acontecendo?
OTÁVIO – Tá acontecendo que essa sua filha é uma bela de uma mal-educada.
INGRID – Mas o que foi que ela fez de tão grave pra eu ter de presenciar essa cena?
OTÁVIO – Além de ter desrespeitado um jovem com uma condição social inferior, ainda disse que teria vergonha de mim se eu fosse pobre.
MARIA FERNANDA – Olha só, ontem mesmo eu fiz 50 anos. Já passou da idade de ficar levando bronca de papai e mamãe. Esqueci até o que eu vim fazer aqui. Então, se me dão licença...
    Maria Fernanda sai.
INGRID – Ela falou aquilo mesmo, Otávio?
OTÁVIO – Infelizmente, essa é a educação da nossa filha.
    Otávio começa a chorar e Ingrid o abraça.
INGRID – Calma, meu amor. Calma.
OTÁVIO (chorando) – Me diz, Ingrid... me diz onde foi que eu errei. Onde?
    Corta para:
CENA 14/EXT./EMPRESA TRINDADE/FRENTE/NOITE
    Maria Fernanda entra no carro.
MARIA FERNANDA – Adamastor, volta pra casa. Foi uma coisa ridícula o que acabou de acontecer!
    O motorista obedece a ordem de Maria Fernanda.
    Corta para:
CENA 15/EXT./RIO DE JANEIRO/RUA/NOITE
    O motorista dirige pelas ruas do Rio de Janeiro, até que chega num semáforo fechado.
MARIA FERNANDA – Fala sério. Ninguém merece sinal fechado...
    Vitória caminha pela calçada, em rumo ao outro lado da rua.
MARIA FERNANDA – Diego, parece que não vem ninguém. Pisa fundo! Eu não tô com paciência pra esperar essas coisas.
MOTORISTA – Mas dona Maria Fer...
MARIA FERNANDA (interrompe) – Cala a boca e me obedece! Afinal, você é pago pra isso.
    O motorista engole em seco e pisa no acelerador. Nesse momento, Vitória caminha pela faixa de pedestres e é atropelada. Ouve-se o grito da moça.



FIM DO CAPÍTULO

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