CENA 01/EXT./PRAIA DE COPACABANA/DIA
Lucas faz respiração boca-a-boca em Vitória,
que vomita a água.
LUCAS – Você tá
bem?
VITÓRIA – Mais
ou menos. Eu tô com uma dor aqui nas costas. Você é o salva-vidas?
LUCAS – Não. É
que eu tava vendo você nadando e uma lancha vinha atrás de você, pilotada por
dois vagabundos bêbados. Quando você foi atropelada, eu vim te salvar.
VITÓRIA – Obrigada
mesmo...
LUCAS – Lucas.
Meu nome é Lucas.
VITÓRIA – Prazer,
Vitória. Me ajuda a levantar, por favor.
LUCAS – Eu ajudo
sim.
Lucas abraça Vitória para fazer a moça
levantar.
LUCAS – Você quer
que eu te dê uma carona, te leve até sua casa?
VITÓRIA – É
muita gentileza sua, mas não precisa. Eu tô com o meu carro.
LUCAS – Então tá.
Até qualquer dia, Vitória.
Vitória pega suas roupas e vai para o carro
mancando.
KÁTIA FLÁVIA – Até qualquer dia, Vitória. Blábláblá.
LUCAS – Quê que
é, Kátia Flávia? Será que eu não posso nem ajudar uma moça atropelada?
KÁTIA FLÁVIA – Ajudar é uma coisa, agora se oferecer pra dar carona é outra.
Pode parar de arrastar asa pra qualquer uma que aparece, viu Lucas?
LUCAS – Que mané
arrastar asa, Kátia Flávia? Para de ser ciumenta um pouco.
Kátia Flávia fica emburrada.
Corta para:
CENA 02/INT./MANSÃO TRINDADE/SALA/DIA
Maria Fernanda está sentada no sofá da
mansão assistindo TV, enquanto uma manicure faz suas unhas.
MARIA FERNANDA – A TV de hoje em dia cai muito na mesmice. Só 180 canais. É um
absurdo, você não acha?
MANICURE – Absurdo
mesmo é a televisão lá da minha casa. Tem três canais e só dois funcionam.
MARIA FERNANDA – Cala a boca! Eu fiz uma pergunta retórica. Tô te pagando pra
fazer minhas unhas, não pra ficar debatendo sobre a sua vida de favelada. E vê
se lixa minhas unhas direito!
MANICURE – Sim,
senhora. Já não tá mais aqui quem falou.
Madalena aparece na sala com uma bandeja de
chá.
MADALENA – Aceita
um chá?
MANICURE – Aceito
sim. Eu...
MARIA FERNANDA (interrompe) – Ninguém aceita nada aqui. Ela veio na minha casa pra fazer
minhas unhas, nada mais. Some da minha frente, Regina!
MADALENA – Eu
sou a Madalena.
MARIA FERNANDA – Ninguém perguntou. Vai embora!
Madalena volta para a cozinha.
Corta para:
CENA 03/INT./MANSÃO TRINDADE/COZINHA/DIA
Madalena volta para a cozinha, onde outra
empregada está cortando cebola.
EMPREGADA – Deixa
eu adivinhar. Levou uma patada da dona Fernanda, foi isso?
MADALENA – Acertou.
Mas eu não quero falar sobre isso. A Maria Fernanda tá muito perversa. Quer
tudo aos pés dela, do jeito dela.
EMPREGADA – Você
ainda não se acostumou, colega? Dona Fernanda é assim mesmo. Só vai mudar
nascendo de novo.
MADALENA – Nascendo
de novo...
EMPREGADA – Isso
mesmo, nascendo de novo. Aliás, eu acho que nem assim ela muda. Uma vez
ordinária, sempre ordinária.
Madalena corre para a dispensa.
EMPREGADA – Madalena?
Ué. Eu corto cebola e quem chora é ela. Vai entender.
A empregada volta a fazer o seu trabalho.
Corta para:
CENA 04/INT./CASA DE ROSICLER/SALA/DIA
Rosicler está sentada no sofá ao lado da
filha Nínive.
ROSICLER – Onde
o Társis tá mesmo?
NÍNIVE – Eu
também não sei. Ele só falou que ia sair com um amigo dele.
ROSICLER – Tomara
que ele não demore. O almoço já tá quase saindo.
Nesse momento, Társis chega em casa, um
pouco molhado.
NÍNIVE – Apareceu
a margarida. Posso saber onde você tava?
TÁRSIS – Não
é da sua conta.
ROSICLER – Posso
saber onde você tava?
NÍNIVE – Agora
diz pra ela também que não é da conta dela.
TÁRSIS – Para
de ser chata, Nínive. Mãe, eu fui na praia com um amigo meu. Eu demorei um
pouco porque aconteceu um probleminha lá.
NÍNIVE – Que
probleminha?
TÁRSIS – Eu
já disse que não é da sua conta, garota! Mas pra você parar de encher o saco,
eu digo. O meu amigo bebeu além da conta e acabou atropelando uma moça com a
lancha dele.
ROSICLER – Meu
Deus do céu! E você deixou ele dirigir bêbado?
TÁRSIS – O
que eu podia fazer? A lancha era dele.
NÍNIVE – Nossa,
Társis. Você é muito irresponsável.
TÁRSIS – Cala
a boca, menina! Não enche!
Társis sobe as escadas, com raiva.
Corta para:
CENA 05/INT./CASA DE WALKIRIA/QUARTO/DIA
Walkiria, uma periguete que tem um caso com Társis, está deitada
na cama. O celular dela começa a tocar. É Társis.
WALKIRIA – Oi,
amor.
TÁRSIS (cel) – Eu já disse que eu não gosto que você me chame assim, Walkiria.
WALKIRIA – Tá
bom, senhor estressado. Eu só tava brincando. Mas e aí, o que você quer?
TÁRSIS (cel) – Você pode vir aqui em casa? Eu tô muito entediado aqui, não
tenho nada pra fazer.
WALKIRIA – Claro
que eu vou! Deixa só eu tomar um banho e eu já tô indo pra aí. Tchau.
TÁRSIS (cel) – Tchau... sua gostosa!
Walkiria ri e desliga o celular.
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CENA 06/INT./CASA DE ARTURO/SALA/DIA
Arturo está recostado em sua poltrona de
couro. A campainha toca.
NENÊ – É ela!
Nenê abre a porta. Sandra, a mulher que
cuidará de Arturo, entra.
ARTURO – Eu
só posso estar sonhando! Nenê, me belisca! Ou melhor, não me belisca não. Se
for um sonho, eu não quero acordar. Ou será que eu morri e tô no Paraíso?
NENÊ – Pai, essa
aqui é a Sandra. Ela vai cuidar de você enquanto eu não estiver em casa.
SANDRA – Oi,
seu Arturo. Tudo bem com o senhor?
ARTURO – Tá
tudo bem, tudo ótimo. Melhor agora!
NENÊ – Sandra,
ele tem que trocar de fralda de quatro em quatro horas e não janta, só toma
café e almoça. Eu vou na academia e só volto de tardezinha, tudo bem?
SANDRA – Ok,
Nenê. Eu prometo que eu vou cuidar do seu pai com o maior carinho.
NENÊ – Tchau
pros dois!
Nenê sai.
ARTURO – Vem
aqui conhecer a conga laconga do papai, vem!
Arturo agarra Sandra pela cintura.
SANDRA – Seu
Arturo, pelo amor de Deus! O que é isso?
Sandra consegue se desenrolar dos braços do
homem.
ARTURO – Desculpe,
eu confesso que eu me empolguei. Você pode pegar o controle da televisão? Ele
caiu no chão e eu não consigo pegar.
SANDRA – Eu
pego sim. E não faça mais isso, hein?
Sandra se abaixa para pegar o controle e
Arturo aproveita para olhar a calcinha da moça.
ARTURO – Eu
acho que ter uma babá não é de todo mal.
Corta para:
CENA 07/INT./CASA DE ROSICLER/SALA/DIA
Rosicler e Nínive continuam sentadas no
sofá, vendo televisão. A campainha toca.
NÍNIVE (levanta-se) – Eu atendo.
Nínive abre a porta. É Walkiria.
NÍNIVE – Ah,
é você Walkiria? O Társis tá no quarto dele.
WALKIRIA – Obrigada,
cunhadinha. Beijo!
Walkiria sobe para o quarto do namorado.
NÍNIVE (senta-se) – Não gosto nem um pouco dessa garota.
ROSICLER (interrompe) – Mas por que não, minha filha? Tá certo que a Walkiria é uma
periguete, mas o Társis gosta dela e é isso que importa.
NÍNIVE – O
Társis pode namorar com quem ele quiser, já eu não tenho direito nem de gostar
de alguém.
ROSICLER – Do
que você tá falando, Nínive?
NÍNIVE – Nada,
mãe. Esquece.
ROSICLER – Nada
disso. Agora você vai me falar o que tá acontecendo. É algum problema na
faculdade?
NÍNIVE – Mais
ou menos. É que eu estudo com um garoto, o Danilo. Depois desses meses
estudando com ele, eu comecei a sentir uma paixão e a primeira pessoa com quem
eu fui me abrir foi o Társis.
ROSICLER – Até
aí tudo bem. Mas qual foi o problema?
NÍNIVE – Logo
que eu falei com o Társis, ele começou a destilar aquele veneno dele e disso
que eu não posso nem sonhar em namorar com o Danilo.
ROSICLER – Ué,
mas por que não?
NÍNIVE – Porque
o Danilo é negro e pobre.
Rosicler fica espantada com o preconceito do
filho.
Corta para:
CENA 08/INT./CASA DE ROSICLER/QUARTO TÁRSIS/DIA
Walkiria entra no quarto de Társis.
WALKIRIA – Cheguei,
amor!
TÁRSIS – Já
é a segunda vez hoje que eu vou te dizer pra não me chamar de amor. A gente não
namora.
WALKIRIA – Como
assim a gente não namora? Então qual é a relação entre nós dois?
TÁRSIS – A
gente se pega as vezes, mas isso não quer dizer que eu namoro contigo. Mas não
foi pra isso que eu te chamei.
WALKIRIA – Então
foi pra quê?
TÁRSIS – Eu
tô sem nada pra fazer. Será que você pode dar uma animada no meu dia?
WALKIRIA – Não
sei se eu posso. A gente não namora.
TÁRSIS – Cê
não tá falando sério, né Walkiria?
WALKIRIA – Claro
que não. Hoje é dia de Walkiria, bebê!
Os dois pulam na cama e se beijam.
Corta para:
CENA 09/EXT./RJ/CLIPE COM IMAGENS/DIA-NOITE
(Sonoplastia:
Obloco - Maria Gadú)
Anoitece
no Rio de Janeiro. As luzes dos prédios se acendem. Pessoas voltam para suas
casas após mais um dia de trabalho. Um grupo de idosos malha em uma academia ao
ar livre. Barcos navegam na lagoa Rodrigo de Freitas, onde se encontram várias
faixas de protesto.
(Sonoplastia:
Fade Out – Obloco)
Corta para:
CENA 10/INT./EMPRESA TRINDADE/ESCRITÓRIO/NOITE
Otávio está em seu escritório, lendo alguns
relatórios. Seu telefone toca.
OTÁVIO – Alô?
(p.) Como assim? (p.) Tá, pode mandar entrar.
Otávio desliga o telefone. Um dos seguranças
da empresa aparece agarrando Danilo pela camisa.
OTÁVIO – Eu posso
saber o que está acontecendo? Larga o menino!
O segurança solta Danilo, que cai na
cadeira.
SEGURANÇA – Seu
Otávio, esse garoto estava na frente da nossa empresa tocando violão, em busca
de esmolas.
DANILO – Eu
tô passando fome. Minha mãe não tem dinheiro pra comprar a janta.
OTÁVIO – Luciano,
qual foi o problema que você viu quando o garoto estava pedindo esmolas?
SEGURANÇA – Seu
Otávio, o que acontece é que...
OTÁVIO (interrompe) – Pessoas preconceituosas como você me enojam, Luciano. Me enojam!
O garoto está apenas com fome, em busca de dinheiro pra sustentar a mãe e a ele
mesmo. Faça-me o favor, eu não imaginei que você fosse tão preconceituoso
assim.
SEGURANÇA – Mas
seu Otávio, eu só tava...
OTÁVIO (interrompe) – Não quero saber de nada. Volte para o seu posto e deixe o menino
aqui.
O segurança vai embora. Otávio olha para
Danilo.
DANILO – Eu
juro que eu não queria roubar nada, chefia. Os ladrões levaram toda a comida de
casa e minha mãe tá passando fome, e eu também.
OTÁVIO – Não
precisa se explicar, menino. Eu já enfrentei essas mesmas dificuldades que você
quando tinha sua idade. Eu batalhei muito pra chegar aqui.
DANILO – Então
eu admiro bastante o senhor.
OTÁVIO – Qual
é o seu nome mesmo?
DANILO – Meu
nome é Danilo, senhor.
OTÁVIO – Prazer,
Otávio. Danilo, você não gostaria de trabalhar na minha empresa pra ganhar um
dinheirinho?
DANILO – Que
é isso, seu Otávio? Imagina eu numa empresa chique dessa. Não é pra mim não, é
só pra quem pode.
OTÁVIO – Pare
de pensar assim, Danilo. Você viu que uma secretária ligou pra mim quando você
veio aqui, não viu?
DANILO – Eu
vi sim.
OTÁVIO – Tem
uma vaga de secretário no terceiro andar. Se quiser, eu posso te colocar nessa
vaga e nem se preocupe com o salário. Você receberá mais que um professor. Bem
mais!
DANILO – Não
sei não, seu Otávio. Eu estudo a noite e, se eu faltar muito, eu perco a bolsa.
OTÁVIO – Não
tem nenhum problema. A empresa só recebe os acionistas e outras visitas pela
manhã e pela tarde. A noite só eu e os acionistas majoritários.
DANILO – Poxa,
seu Otávio. Muito obrigado mesmo. Eu aceito.
OTÁVIO – Muito
bem, meu jovem! Mas como nós vivemos em um mundo cheio de burocracia, você
precisa me entregar seu currículo.
DANILO – Claro!
Amanhã mesmo eu vou na lan-house, digito, imprimo e trago pro senhor.
OTÁVIO (aperta a mão de Danilo) – Tá ótimo!
Nesse momento, Maria Fernanda entra no
escritório.
MARIA FERNANDA – O que esse trombadinha está fazendo aqui?
Os dois olham para Fernanda.
Corta para:
CENA 11/INT./MANSÃO TRINDADE/QUARTO LUCAS/NOITE
Kátia Flávia está sentada na cama de Lucas,
enquanto o mesmo toma banho no banheiro do quarto.
KÁTIA FLÁVIA – Esse banho termina hoje?
LUCAS (off) – Quanto mais você reclamar, mais vai demorar.
Kátia Flávia olha pela janela do quarto e vê
Ingrid e Madalena conversando no jardim.
KÁTIA FLÁVIA – O que será que elas tanto conversam?
LUCAS (off) – Falou comigo, Kátia Flávia?
KÁTIA FLÁVIA – Não foi com você não. Eu vou descer ali pra tomar uma aguinha e
já volto.
Kátia Flávia sai do quarto.
Corta para:
CENA 12/EXT./MANSÃO TRINDADE/JARDIM/NOITE
Kátia Flávia abre a porta um pouco e espia
Madalena e Ingrid conversando.
MADALENA – Então,
dona Ingrid, é que essa menina me irritou bastante. Eu não me senti nada
confortável com aquela situação.
INGRID – Mil
perdões, Madalena. Mil perdões pela namorada que o meu neto tem.
KÁTIA FLÁVIA (pensa) – Elas estão falando de mim. O que eu fiz de tão ruim assim?
INGRID – O
importante é que você não deixou nada escapar. E mais importante ainda é você
continuar guardando isso pra sempre. Lembra do nosso pacto, não lembra?
MADALENA – Claro.
Nem tinha como esquecer, dona Ingrid. Eu prometo que eu vou levar esse segredo
comigo quando eu morrer.
INGRID – Isso!
Ninguém pode saber.
KÁTIA FLÁVIA (pensa) – Segredo? De que segredo elas estão falando?
MADALENA – Agora
eu tenho que lavar a louça do jantar. Com licença, dona Ingrid.
INGRID – Pois
não, Madalena. Eu também já estava de saída, tô indo na empresa ver como é que
andam as coisas, se o Otávio tá conseguindo se virar com os relatórios. Sabe
como é, homem é um bicho tão desorganizado...
As duas riem.
MADALENA – A
senhora quer que eu diga pra um dos motoristas tirar o carro?
INGRID – Não,
não, não precisa. A empresa é pertinho e eu estou mesmo precisando fazer uma
caminhada. Até mais, Madalena!
MADALENA – Até!
Ingrid caminha rua afora, enquanto Madalena
volta para dentro da mansão, onde é barrada por Kátia Flávia.
KÁTIA FLÁVIA – Que tal segredo é esse, Madalena?
Madalena se assusta.
Corta para:
CENA 13/INT./EMPRESA TRINDADE/ESCRITÓRIO/NOITE
Maria Fernanda está de pé na frente de
Otávio e Danilo.
OTÁVIO – Maria
Fernanda, você não tem o direito de...
MARIA FERNANDA (interrompe) – Papai, eu não sei se você percebeu, mas tem um menino pobre
aqui. Eu vi ele pedindo esmolas aqui na frente da empresa tocando um violão e
mandei o Luciano botar ele pra fora. Agora eu me deparo com vocês conversando
no maior astral. Essas poltronas de couro não foram feitas pra gente como ele
sentar.
OTÁVIO – Como
é que é? Foi você quem mandou o segurança tirar o menino da frente da empresa?
MARIA FERNANDA – Mas claro, e não precisa me agradecer. Isso aqui é uma empresa de
joias, você acha mesmo que ele tava só pedindo esmolas? Deve ter um companheiro
dele se infiltrando aqui dentro pra roubar as joias. Menino, fora daqui!
OTÁVIO – Alto
lá! Você não é dona da empresa. A única pessoa que tem direito de dizer quem
entra e quem sai daqui sou eu, e eu digo que o Danilo vai permanecer aqui.
MARIA FERNANDA – Ora, mas vejam só... até o nome dele você já sabe. Daqui a pouco
vai ser o quê? Vai adicionar ele no Face? Faça-me o favor, papai. Gente da laia
dele não foi feita pra frequentar empresas sofisticadas como a Trindade.
DANILO – Seu
Otávio, eu acho melhor eu ir embora.
MARIA FERNANDA – Achou certo, garoto. Vai embora daqui! Rápido!
Danilo levanta-se e se retira do escritório.
OTÁVIO – Senta,
Fernanda.
MARIA FERNANDA – Eu? Sentar onde esse pobretão sentou? Deus me livre. Deve estar
cheio de sujeira. Vou mandar comprar novas poltronas, porque essas aí já
estragaram.
OTÁVIO – Então
você vai ouvir de pé mesmo. Você pensa que é quem pra tratar as pessoas assim?
MARIA FERNANDA – Oi? Você vai discutir comigo porque eu te fiz esse favor? Papai,
você...
OTÁVIO (interrompe) – Cale sua boca! Você agora vai me escutar, Maria Fernanda. Você
não tem direito algum de insultar as pessoas, fazer distinção de raça ou classe
social e muito menos de escorraçá-las dessa maneira. Isso é coisa de gente
preconceituosa, sem valores, sem nada no coração.
MARIA FERNANDA – Nem vem com esse seu discursinho, papai. Eu só ajudei a manter a
boa imagem da Trindade e evitar um provável roubo das joias.
Otávio levanta-se.
OTÁVIO – Eu
nem acredito que um ser como você pode ser minha filha. Eu não te criei dessa
forma! Sabia que eu já fui pobre como ele? Provavelmente até mais pobre. Eu
morava em um barraco no meio da roça; desde criança eu ajudei meus pais
empunhando enxada, puxando arado. Eu ralei muito pra chegar onde cheguei.
MARIA FERNANDA – A culpa não é minha se você foi pobre na infância. Graças a Deus
que você enriqueceu nesse meio tempo, né? Dá vergonha só de pensar.
OTÁVIO – Me
respeita, sua ordinária! Eu sou teu pai!
Otávio tira o cinto e quase bate em Maria
Fernanda, mas é interrompido com a chegada de Ingrid.
INGRID – Para
com isso, Otávio! O que tá acontecendo?
OTÁVIO – Tá
acontecendo que essa sua filha é uma bela de uma mal-educada.
INGRID – Mas
o que foi que ela fez de tão grave pra eu ter de presenciar essa cena?
OTÁVIO – Além
de ter desrespeitado um jovem com uma condição social inferior, ainda disse que
teria vergonha de mim se eu fosse pobre.
MARIA FERNANDA – Olha só, ontem mesmo eu fiz 50 anos. Já passou da idade de ficar
levando bronca de papai e mamãe. Esqueci até o que eu vim fazer aqui. Então, se
me dão licença...
Maria Fernanda sai.
INGRID – Ela
falou aquilo mesmo, Otávio?
OTÁVIO – Infelizmente,
essa é a educação da nossa filha.
Otávio começa a chorar e Ingrid o abraça.
INGRID – Calma,
meu amor. Calma.
OTÁVIO (chorando) – Me diz, Ingrid... me diz onde foi que eu errei. Onde?
Corta para:
CENA 14/EXT./EMPRESA TRINDADE/FRENTE/NOITE
Maria Fernanda entra no carro.
MARIA FERNANDA – Adamastor, volta pra casa. Foi uma coisa ridícula o que acabou
de acontecer!
O motorista obedece a ordem de Maria
Fernanda.
Corta para:
CENA 15/EXT./RIO DE JANEIRO/RUA/NOITE
O motorista dirige pelas ruas do Rio de
Janeiro, até que chega num semáforo fechado.
MARIA FERNANDA – Fala sério. Ninguém merece sinal fechado...
Vitória caminha pela calçada, em rumo ao
outro lado da rua.
MARIA FERNANDA – Diego, parece que não vem ninguém. Pisa fundo! Eu não tô com
paciência pra esperar essas coisas.
MOTORISTA – Mas
dona Maria Fer...
MARIA FERNANDA (interrompe) – Cala a boca e me obedece! Afinal, você é pago pra isso.
O motorista engole em seco e pisa no
acelerador. Nesse momento, Vitória caminha pela faixa de pedestres e é
atropelada. Ouve-se o grito da moça.
FIM DO
CAPÍTULO
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