domingo, 31 de janeiro de 2016

Capítulo 20: CASTELO DE CARTAS (Últimas Semanas)




CENA 01/HOSPITAL/SALA DE CONSULTA/INT./NOITE
CONTINUAÇÃO IMEDIATA DO CAPÍTULO ANTERIOR.
Vitória assustada, com a mão no peito. Lucas nervoso.
MÉDICO – Eu não queria dar essa notícia, mas são ossos do ofício.
VITÓRIA – (começa a chorar) Doutor, como assim eu tenho leucemia? Por quê?
LUCAS – Calma, meu amor.
MÉDICO – Eu sei que você é modelo, já vi vários desfiles seus pela televisão. Você com certeza usa muitos produtos químicos no cabelo, não é? Esse é um dos motivos mais prováveis. Algum desses produtos tinha um vírus, que conseguiu passar do seu sistema imunológico, fez com que seus glóbulos brancos se proliferassem excessivamente e, eventualmente, casou o aparecimento de células cancerígenas na sua medula óssea.
LUCAS – Mas doutor, ela tem chance de cura?
MÉDICO – Ela tem sim. Nós diagnosticamos a leucemia cedo, o que quer dizer que a quimioterapia poderá surtir efeito rapidamente.
VITÓRIA - (chorando) Quimioterapia? Eu vou ficar careca? É isso?
MÉDICO – Calma, não é bem assim. Você vai tomar alguns remédios que servem como agentes alquilantes. Eles vão evitar a reprodução das suas células. Assim nós teremos mais controle sobre o seu corpo durante a quimioterapia. O problema é que esses remédios têm efeitos colaterais, e um deles é a queda de cabelo.
Vitória chora no ombro de Lucas.
VITÓRIA – (grita) POR QUÊ?
Lucas consola Vitória. O médico observa.
Corta para:
CENA 02/MANSÃO TRINDADE/SALA/INT./NOITE
Madalena sentada no sofá, muito nervosa. Maria Fernanda no outro sofá, observando-a. Ingrid vem da cozinha com um copo d’água e entrega para Madalena.
INGRID – Bebe um pouco de água, Madalena.
Madalena bebe.
MADALENA – (trêmula) Dona Ingrid, até agora eu tô tremendo. A ficha não caiu.
INGRID – Calma! Explica isso direito pra gente. O que foi que aconteceu?
MADALENA – Um médico me ligou pelo celular do meu irmão/
MARIA FERNANDA – (corta) E como é que ele adivinhou o seu número? Era vidente o infeliz do médico?
INGRID – Maria Fernanda!
MADALENA – Com certeza o meu contato no celular dele estava como “Mana”. Ele sempre me chamou assim. Enfim... o médico me ligou e disse que o meu irmão e a esposa dele tinham sofrido um acidente. A estrada tava molhada, alguma coisa assim, e o carro acabou capotando três vezes.
Madalena enxuga uma lágrima.
INGRID – Onde está Angélica? Ela precisa saber. Maria Fernanda, vá procurar Angélica. Ela deve estar no quintal.
MARIA FERNANDA – Agora tudo sou eu, né? Teve a ideia maravilhosa de dispensar todos os funcionários no Natal e agora me faz de escrava. Bem, todos uma vírgula, porque essa anta aí fez questão de ficar trabalhando.
INGRID – (grita) Vá fazer o que eu mandei! Já!
MARIA FERNANDA – Não precisa se exaltar, minha querida. Eu já estou indo.
Maria Fernanda levanta do sofá e vai para o quintal.
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CENA 03/MANSÃO TRINDADE/QUINTAL/EXT./NOITE
Angélica brinca com uma boneca, sentada no chão.
ANGÉLICA – Fifi, agora é hora de estudar. Vou ver se você já sabe a tabuada toda. Sete mais dois? (t.) Menina danada! Não estudou nada, né? Vai pegar umas palmadas!
Maria Fernanda chega.
MARIA FERNANDA – Ô peste pintora de rodapé, estão te chamando lá na sala. É pra ir agora.
ANGÉLICA – Depois eu vou. Agora eu tô brincando com a minha boneca.
MARIA FERNANDA – Você tá surda, cabeça de laranja murcha? É pra ir agora! E além do mais, isso lá é hora de brincar de boneca?
Maria Fernanda pega a boneca.
ANGÉLICA – Não! Me dá a Fifi! A minha mãe que me deu ela!
MARIA FERNANDA – Se você ir logo pra sala e parar de frescor, eu devolvo.
ANGÉLICA – Eu só vou se você devolver, sua mocreia!
MARIA FERNANDA – Ah, agora deu pra me xingar? Pois olha o que eu faço com a tua boneca.
Maria Fernanda rasga a boneca.
ANGÉLICA – Não! A minha boneca! Foi a minha mãe que me deu de presente! Você não podia fazer isso!
MARIA FERNANDA – Para de choro, garota. Nem de boneca você gosta. Só vive grudada no celular.
ANGÉLICA – Mas essa era especial, porque era da minha avó, que deu pra minha mãe, que me deu.
MARIA FERNANDA – Oh, que fofo. Mas a boneca já era! E a sua mamãe também.
ANGÉLICA – O que você quer dizer? O que aconteceu com a minha mãe?
MARIA FERNANDA – Babau! Tá mortinha da silva!
ANGÉLICA – (começa a chorar) Não. É mentira. Você tá mentindo pra mim!
MARIA FERNANDA – E o que eu ganharia mentindo pra você, garota? A tua mãe morreu, bateu as botas, já era. Aceita que dói menos!
ANGÉLICA – (grita) Não!
Angélica começa a bater em Maria Fernanda.
MARIA FERNANDA – Para! Para com isso, sua diabinha!
Maria Fernanda agarra o cabelo de Angélica e segura o pescoço dela.
ANGÉLICA – Me larga, sua bruxa. Me larga!
MARIA FERNANDA – Olha bem pra mim! Nós vamos chegar na sala e você não vai dizer absolutamente nada do que aconteceu aqui, entendeu?
Angélica chora.
MARIA FERNANDA – (grita) Para de chorar que eu odeio criança chorona! Eu perguntei se você entendeu!
Angélica faz que sim com a cabeça.
MARIA FERNANDA – Pois muito bem. Entramos num acordo. Em boca fechada não entra mosquito!
Maria Fernanda larga Angélica.
MARIA FERNANDA – Trata de enxugar essas lágrimas. Eu não quero ver palhaçada nenhuma lá na sala, ouviu bem?
Maria Fernanda volta para dentro de casa. Angélica enxuga o rosto com as mãos e olha para o céu.
ANGÉLICA – Mãe...
Angélica deixa cair mais uma lágrima, que enxuga rapidamente.
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CENA 04/MANSÃO TRINDADE/SALA/INT./NOITE
Maria Fernanda vem do quintal. Angélica atrás dela.
MADALENA – Angélica, senta aqui.
Angélica senta no colo de Madalena.
MADALENA – Olha, eu sei que é muito difícil aceitar... mas é a vida. A vida tem altos e baixos, momentos felizes e momentos tristes. E a gente tem que ser forte pra superar.
INGRID – Isso mesmo. Angélica, você vai ter que bem forte.
MADALENA – O seu pai e a sua mãe sofreram um acidente muito grave. Eles não resistiram.
Angélica começa a chorar e abraça Madalena.
MADALENA – Ô, meu amor...
Maria Fernanda observa tudo, fria.
INGRID – Bem, eu vou ter que ir ao quarto ler o tes... o relatório da Trindade. Com licença.
Ingrid levanta do sofá, pega a pasta de cima da mesa de centro e sobe as escadas. Angélica continua soluçando no ombro de Madalena.
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CENA 05/MANSÃO TRINDADE/QUARTO INGRID/INT./NOITE
Ingrid entra e tranca a porta. Ela senta na cama e olha para o teto.
INGRID – Otávio, Otávio... que falta você me faz. Se esse testamento provar o que eu estou pensando, esteja sempre comigo e me ajude a criar essa menina... até que ela descubra.
Ingrid abre a pasta e de lá tira o testamento.
OTÁVIO – (V.O.) Eu, Otávio Ramos Trindade, deixo abaixo a minha vontade em relação à divisão dos meus bens. Para meu neto, Lucas, deixo a mansão e 51% das ações da Trindade, minha empresa. Para minha mulher, Ingrid, companheira de batalhas, deixo 49% das ações. Para Adamastor, meu motorista, deixo um dos carros, que poderá ser vendido pelo valor que o mesmo quiser. Para cada empregada, exceto Madalena, deixo 50 mil reais em direito. Para Madalena, deixo a quarta parte da minha fortuna. É dessa forma que desejo que sejam divididos os meus patrimônios.
Ingrid levanta os olhos do papel.
INGRID – Nada para Maria Fernanda? É o que eu suspeitava. Seu castelo acaba de desabar, Maria Fernanda Ramos Trindade.
Ingrid guarda o testamento na pasta novamente. Ela coloca a pasta debaixo do colchão.
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CENA 06/STOCK SHOTS/RIO DE JANEIRO/EXT./NOITE-DIA
SONOPLASTIA: BLUES DA PIEDADE – CAZUZA
Takes da transposição da noite para o dia. A cidade ainda enfeitada de modo natalino. Trânsito não muito cheio. Dia ensolarado. Último take mostra a frente da boate. Um relógio digital mostra a hora: 14:37.
SONOPLASTIA CESSA.
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CENA 07/BOATE/INT./DIA
Juliana, Walkiria e mais duas outras dançarinas conversam, ansiosas. Cinco malas no chão. Hilary entra com Kátia Flávia, que vem trazendo uma mala.
HILARY – Gente, gente! Atenção aqui! Eu queria apresentar uma pessoa pra vocês.
KÁTIA FLÁVIA – Deixa que eu mesma me apresento, colega.
Kátia Flávia vai até o meio da boate.
KÁTIA FLÁVIA – O meu nome é Kátia Flávia Belford Meireles, mas ninguém vai me chamar por esse nome gigante, né não? Vocês podem me chamar de Kátia Flávia, só de Kátia, de Flavinha, de Poderosa, Linda, Glamourosa/
HILARY – (corta) Pois bem. Essa é a Kátia Flávia. Ela estava ontem aqui na boate e dançou muito bem. Tão bem que chamou a atenção da nossa querida Juliana, que convidou ela pra participar do concurso.
KÁTIA FLÁVIA – E eu topei na hora, né? Imagina, eu lá do lado do Faustão competindo com vocês. Se bem que não precisava nem de competição, né? Eu ganho de lavada. Olha vocês aí todas magrelas, novinhas, não têm nada na cabeça. Não que eu seja velha, longe disso, mas aqui, eu sou a mais madura.
WALKIRIA – (murmura) Ah, com certeza. Madura demais!
KÁTIA FLÁVIA – Quem foi que falou? Quem foi? Foi essa franguinha aqui?
WALKIRIA – Eu tenho nome, querida. É Walkiria!
KÁTIA FLÁVIA – Pois é, Valdirene/
WALKIRIA – (corta) Walkiria!
KÁTIA FLÁVIA – Valdirene, Walkiria, que seja. O que importa é que, contra mim, você não tem chance!
WALKIRIA – Meu amor, se existe uma coisa que todo mundo aqui tem é chance. Todo mundo menos você, né? A gente ensaia desde o começo do mês. Já você, dançou uma vez aqui na boate e já tá se achando a maior. Se toca, meu amor!
TODAS – Woooow!
KÁTIA FLÁVIA – Não gostei dela, Hilary. Não gostei dela, não.
HILARY – Gente, sem confusão! O voo é daqui a 1 hora e meia. Portanto, a gente já devia estar no aeroporto.
KÁTIA FLÁVIA – E não tá por quê?
WALKIRIA – Porque você se atrasou.
KÁTIA FLÁVIA – Cala a boca!
JULIANA – Em vez de brigar, a gente já podia ir se arrumando na van. O que vocês acham?
WALKIRIA – É bom mesmo. Não tenho tempo pra ficar discutindo com essa metida aí.
Walkiria e as outras dançarinas saem.
KÁTIA FLÁVIA – Invejosa!
Kátia Flávia sai.
DO LADO DE FORA DA BOATE, duas dançarinas entram dentro da van e colocam as malas debaixo do banco. Walkiria com o celular ao ouvido. Kátia Flávia entra na van.
WALKIRIA – Alô? Társis?
TÁRSIS – (tel.) Oi, minha gata!
WALKIRIA – Eu já tô indo pra São Paulo. Me deseja boa sorte.
TÁRSIS – (tel.) Toda a sorte do mundo pra você. Eu tenho certeza que você vai ganhar! Mas eu vou ficar com saudade.
WALKIRIA – Te amo!
Walkiria desliga.
Kátia Flávia põe a cabeça pra fora da janela.
KÁTIA FLÁVIA – Como é que é? Vai ficar aí namorando por telefone ou vai entrar logo na van? A gente tem hora, minha querida.
WALKIRIA – Eu já tô entrando.
Walkiria entra. Juliana senta no banco do passageiro e Hilary, no banco do motorista.
HILARY – Todas prontas? O que é que a gente vai fazer?
TODAS – (gritam) ARRASAR!
KÁTIA FLÁVIA – Arranca essa caranga velha aí, motorista!
A van sai.
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CENA 08/CASA DE VITÓRIA/SALA/INT./DIA
Vitória sentada no sofá vendo um álbum de fotos. A campainha toca.
VITÓRIA – Pode entrar!
Lucas abre a porta, entra e fecha de novo.
LUCAS – Oi, amor.
Lucas beija Vitória.
LUCAS – E aí... preparada?
VITÓRIA – Eu nunca vou estar preparada pra raspar minha cabeça, Lucas.
LUCAS – Meu amor, por que você se preocupa tanto com isso?
VITÓRIA – Lucas, eu sou uma modelo. Meu trabalho se baseia na minha aparência. Onde já se viu uma modelo careca, Lucas?
LUCAS – E quem disse que é proibido, Vitória? Você vai continuar linda. Eu tenho certeza disso.
VITÓRIA – Claro que não, Lucas.
LUCAS – Vitória, pra mim você sempre vai ser a mulher mais linda do mundo. Eu te amo!
Os dois se beijam. Tempo. Eles separam os rostos.
LUCAS – Agora ergue essa cabeça e bola pra frente! E vamo logo que eu ainda tenho que passar em casa pra pegar a chave com a vovó.
VITÓRIA – Esquecido como sempre, hein?
Os dois riem, se levantam e saem.
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CENA 09/CASA DE ROSICLER/QUARTO NÍNIVE/INT./DIA
Nínive sentada na cama, olhando para o bilhete. Rosicler entra.
ROSICLER – Ué, já acordou?
NÍNIVE – Não tinha como dormir com isso na minha cabeça, mãe.
Nínive levanta e vai até a janela, onde olha para a cidade. Rosicler vai até ela.
ROSICLER – Isso o que, Nínive? Tem alguma coisa de que eu não sei?
NÍNIVE – O Társis veio aqui ontem, a gente brigou, aí encontrei esse bilhete... é muita coisa pra cima de mim!
ROSICLER – Calma, filha. Senta aqui.
Rosicler pega na mão de Nínive e a leva até a cama, onde as duas se sentam.
ROSICLER – Explica direitinho o que aconteceu ontem. Eu quero saber o que te aflige tanto.
NÍNIVE – Vou começar de quando o Társis veio até aqui.
ROSICLER – Ótimo. Começa daí mesmo.
NÍNIVE – Ele chegou com um papo de que tava com saudade daqui, da senhora, de mim, essas coisas. Aí eu falei que ele não podia morar aqui por causa do Danilo.
ROSICLER – E ele?
NÍNIVE – Isso é o que mais me preocupa, mãe. Ele disse que o Danilo não vai ser mais um problema.
ROSICLER – E o que tem isso?
NÍNIVE – Mãe, ficou na cara que o Társis sabe onde o Danilo tá. Eu acho que o Társis sequestrou o Danilo!
ROSICLER – Mas isso é impossível! Se bem que o Társis já mostrou que pode tudo. Essa idade é a pior... Bom, mas e esse tal de bilhete que você falou?
NÍNIVE – Ah, o bilhete. Esse bilhete aqui veio como uma luz pra mim.
Nínive entrega o bilhete para Rosicler, que lê.
ROSICLER – Ué, quem é que quer te encontrar nesse endereço?
NÍNIVE – Eu acho que é o Danilo. Ele deu um jeito de vir até aqui e eu acho que viu o Társis, por isso não entrou. Enfim, só ele pode ter deixado esse bilhete.
ROSICLER – E por que você não me falou isso, filha?
NÍNIVE – Dona Rosicler, você passou o dia fora. Aliás, que horas você voltou, hein? Tenho certeza que foi depois da meia-noite...
ROSICLER – As reuniões são demoradas. Não vê na TV? As da irmandade não são diferentes.
NÍNIVE – Mas que tal de irmandade é essa? Virou lésbica?
ROSICLER – Não, garota. Pelo contrário.
NÍNIVE – Então me explica logo.
ROSICLER - Você lembra daquele rapaz que eu encontrei num site de relacionamentos?
NÍNIVE – Sei. O que tem ele?
ROSICLER – Tem outra! Ou melhor, outras. Melhor ainda, tinha. Agora nós, as chifrudas, nos reunimos para bolar um plano de vingança contra aquele traste do Gregório.
NÍNIVE – Que absurdo, mãe! Precisa de uma reunião pra isso?
ROSICLER – Que foi? Não pode mais?
NÍNIVE – Tá bom, tá bom. Esses dias o que eu quero é só encontrar o Danilo. Nada mais. Hoje mesmo eu saio e vasculho a Gomes Freire inteira, até encontrar ele.
ROSICLER – Infelizmente eu não vou poder te ajudar, porque hoje nós colocamos nosso plano em prática. Me diz como é que foi, tá? Beijinhos!
Rosicler sai. Nínive olha para o bilhete novamente e suspira.
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CENA 10/CASA DE ARTURO/SALA/INT./DIA
Arturo sentado no sofá, com uma roupa chamativa. Nenê vem da cozinha, com uma bolsa a tiracolo.
NENÊ – Ué, pra onde o senhor vai todo embecado assim, papai?
Arturo levanta e gira.
ARTURO – Gostou?
NENÊ – É bem do seu tempo mesmo.
ARTURO – Me respeita, malcriada! Essa roupa é presente do seu bisavô. Me caiu como uma luva.
NENÊ – Tô vendo. E que ocasião tão especial é essa que pede uma roupa passada de geração em geração?
ARTURO – Já pensou em ter uma madrasta?
NENÊ – É o quê?
A campainha toca. Arturo abre a porta. Sandra, toda arrumada.
SANDRA – Bom dia!
Sandra entra.
NENÊ – Sandra? Ué, hoje é Natal. Não precisava vir.
SANDRA – Não, eu não tô aqui a trabalho. Foi o seu Arturo que me chamou. Dizendo ele que era um evento muito especial.
NENÊ – O papai que disse isso?
ARTURO – Eu mesmo. Por quê?
Nenê revira os olhos.
NENÊ – Não quero nem ver onde é que isso vai parar. Ó, tô saindo pra mais uma reunião da irmandade. Não sei que horas eu volto. Juízo, hein...
Nenê sai. Silêncio desagradável. Tempo.
SANDRA – E então, seu Arturo... cadê aquela infeliz da sua sobrinha?
ARTURO – Kátia Flávia? Acredita que encasquetou que vai ser bailarina do Faustão?
Sandra ri.
ARTURO – Nesse momento ela deve estar no avião pra São Paulo. Pelo menos eu tô livre dela por um tempo!
SANDRA – Nós estamos. Sinceramente, ninguém merece aquela garota.
ARTURO – Mas eu não te trouxe aqui pra falar dela, e sim de nós.
Arturo vai até o interruptor e desliga a luz. Ele pega um controle remoto em cima do sofá, aperta um botão e uma música suave começa a tocar. Arturo começa a fazer um strip-tease. Ele tira a gravata lentamente e enrola no pescoço de Sandra. Depois, tira uma caixinha do bolso da camisa e a abre. Dentro, uma aliança.
ARTURO – Sandra... aceita se casar comigo?
Sandra abre a boca, surpresa.
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CENA 11/MANSÃO TRINDADE/SALA/INT./DIA
Ingrid desce as escadas. A campainha toca e ela vai abrir. Lucas e Vitória entram.
INGRID – Lucas?
LUCAS – Esqueci a chave de casa, vó.
INGRID – E você, Vitória? Como está?
VITÓRIA – Hoje começa a minha quimioterapia, dona Ingrid.
INGRID – Quimioterapia?
VITÓRIA – Eu fui diagnosticada com leucemia. Sorte minha que foi antes dela atingir um estágio mais avançado.
INGRID – Que pena. Boa sorte, Vitória. Eu tenho certeza que você vai sair dessa.
VITÓRIA – Obrigada, dona Ingrid.
INGRID -  (para Lucas) Meu neto, você podia vir conversar comigo no quarto? Desculpa, Vitória, é em particular.
VITÓRIA – Claro. Tudo bem.
LUCAS – Vamo lá, vó.
Lucas e Ingrid sobem as escadas. Vitória senta no sofá. Madalena e Angélica vêm da cozinha, de preto. Angélica em prantos.
VITÓRIA – Dona Madalena, o que foi que aconteceu?
MADALENA – Os pais da Angélica sofreram um acidente e não resistiram.
VITÓRIA – Sinto muito!
MADALENA – É... eu não pude deixar de ouvir a sua conversa com a dona Ingrid. É verdade que você está com leucemia, Vitória?
Madalena e Angélica sentam no sofá.
VITÓRIA – Apresentei vários sintomas, mas nunca me passou pela cabeça a gravidade disso. Eu tive hemorragia, vômito, desmaios... agora eu preciso de um doador de medula pra poder voltar à minha vida normal.
MADALENA – Então é grave, não é? Boa sorte.
VITÓRIA – Obrigada, dona Madalena.
Vitória olha para Angélica, se levanta do sofá e se ajoelha diante dela.
VITÓRIA – Ei, Angélica. Olha pra mim.
Angélica levanta a cabeça, ainda chorando.
VITÓRIA – Dói muito, não é? Eu sei que dói. Também já perdi meus pais.
ANGÉLICA – (chorando) Por que eles morreram, Vitória? O que eles fizeram?
VITÓRIA – Não, eles não fizeram nada, meu amor. A morte é consequência da vida. Agora você precisa seguir em frente.
ANGÉLICA – (chorando) Eu vou sentir muita saudade deles.
VITÓRIA – Eu sei, Angélica. Eu sei.
Vitória beija a testa de Angélica.
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CENA 12/MANSÃO TRINDADE/QUARTO INGRID/INT./DIA
Ingrid e Lucas sentados na cama. Lucas lê o testamento. A porta do quarto está entreaberta.
LUCAS – Então quer dizer que a mamãe realmente falsificou o testamento?
INGRID – É isso, Lucas. A Sandra me disse que o pai dela sempre guardava cópias dos testamentos que fazia. Agora temos a prova incontestável de que Maria Fernanda nos enganou!
Neste momento, Maria Fernanda passa pela frente do quarto e observa os dois pela parte entreaberta da porta.
LUCAS – Como ela foi capaz de fazer isso, vó? Ela realmente não parece em nada com você.
INGRID – Ah, meu neto...
Ingrid baixa o olhar.
LUCAS – O que foi, vó? No que a senhora tá pensando?
INGRID – Eu? Não... eu não... eu não estou pensando em nada. Bem, eu vou guardar o testamento e é bom que Maria Fernanda nem sonhe que soubemos da farsa dela. No momento certo, vamos trazer isso à tona.
Maria Fernanda continua observando.
LUCAS – É isso, vó. Guarda esse testamente a sete chaves. Agora eu preciso ir pro hospital com a Vitória senão a gente perde a hora da quimioterapia. A chave, por favor.
Ingrid tira uma chave do bolso e entrega a Lucas.
INGRID – Tá aqui. Diga pra Vitória que desejei boa sorte mais um vez.
LUCAS – Tudo bem. Tô indo.
Lucas vai até o CORREDOR.
Maria Fernanda se vira e finge se olhar no espelho da parede.
LUCAS – Tava aí, mãe?
MARIA FERNANDA – É, eu tava. Soube que a Derrota tá inválida.
LUCAS – MÃE!
MARIA FERNANDA – Ué, tô mentindo?
LUCAS – Ela não tá inválida. E, aliás, eu nem tenho tempo pra ficar debatendo isso com você. Tchau!
Lucas sai. Maria Fernanda ri.
Corta para:
CENA 13/STOCK SHOTS/RIO DE JANEIRO/EXT./DIA
SONOPLASTIA: HELLO - ADELE
Takes da tarde. Um movimento fraco de carros nas marginais.
CAM em ÂNGULO ALTO se aproxima de um carro cinza. Dentro, podemos ver Lucas dirigindo e Vitória no banco do passageiro.
Último take na frente do hospital, onde o carro estaciona.
Corta para:
CENA 14/HOSPITAL/SALA DE CONSULTA/INT./DIA
SONOPLASTIA CONTINUA.
Lucas, Vitória e o médico conversam em off. Podemos ver a expressão de tristeza no rosto de Vitória.
Vitória senta em uma cadeira. O médico põe um pano sobre o corpo dela. Lucas, agachado, segura a mão de Vitória.
LUCAS – Eu tô com você. Sempre.
O médico pega uma tesoura e começa a cortar o cabelo de Vitória.
A CAM em ÂNGULO BAIXO nos mostra as primeiras mexas de cabelo caindo no chão, em SLOW MOTION.

FIM DO CAPÍTULO

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