domingo, 24 de julho de 2016

Capítulo 09: Terra Livre


Capítulo 09

CENA 1/ NAVIO/ DIA/ INT./ PARTE DE CIMA DA EMBARCAÇÃO.
Continuação imediata da última cena do capítulo anterior/
Todos emocionados olhando o porto. Helena e Vicente abraçados.
Corte imediato para/
CENA 2/ MANSÃO DE AFONSO/ DIA/ INT./ COZINHA.
Afonso tomando seu café da manhã sentado a mesa. Maria Tereza sentada a sua frente. Murilo chega ofegante.
MURILO – Eles chegaram!
AFONSO – Eles.../
MURILO – Sim, Barão. Os italianos... Acabaram de chegar no Porto.
M. TEREZA – (sem paciência) Era só o que me faltava!
AFONSO – Vamos manter a classe, Maria Tereza. Nós vamos manter a classe!
M. TEREZA – Sinceramente... Por mim juntaríamos todos, colocaríamos dentro de um saco e jogaríamos todos em alto mar.
MURILO – O que eu faço, Barão?
AFONSO – Os trate bem... É essa imagem que eu quero passar pra eles. Que somos pacíficos e que eles terão a terra livre que tanto sonham...
MURILO – O senhor vai até lá?
AFONSO – Sim... Vou trocar de roupa e fazer minha belíssima atuação... Um homem bom e honesto do povo. Isso é tão fácil!
M. TEREZA – (aplaude) BRAVO! BRAVO!
Afonso se levanta da mesa e vai em direção à sala. Murilo também se retira. Maria Tereza sozinha sentada na mesa, pensando. CORTA PARA/
CENA 3/ FAZENDA DE CRISTINA/ DIA/ INT./ SALA DE ESTAR.
Gabriel analisando papéis concentrado sentado no sofá. Cristina vem com duas xícaras de café, entrega uma a Gabriel e outra para ela.
CRISTINA – Vê se está bom de açúcar...
GABRIEL – (provando) Ótimo!
CRISTINA – Um de meus empregados me avisou que os italianos já chegaram no porto.
GABRIEL – Ótimo... Ótimo. Não teria momento melhor! Antes de você chegar eu estava analisando aqui as contas e parece que a gente está subindo.
CRISTINA – Ai... Espero que isso continue.
GABRIEL – O que eu sei é que vai dar pra contratar alguns italianos para trabalhar em nossas terras. Seremos justos com eles e rapidamente cresceremos.
CRISTINA – Vou levar as xícaras!
Cristina pega a xícara da mão de Gabriel, segue e tropeça. A xícara cai. Gabriel logo se abaixa para ajudar a pegar os cacos.
GABRIEL – Cuidado!
Cristina e Gabriel se olham fixamente. CORTA PARA/
CENA 4/ PORTO DE MONTE VELHO/ DIA/ EXT.
O navio para no porto. Vão descendo um por um. Helena e Vicente descem juntos. Ele olham a beleza do local. Todos maravilhados. Alguns mais simpatizantes cumprimentam os moradores da cidade. Helena cumprimenta a todos, muito alegre. FOCA em Helena deixando uma lágrima descer dos olhos ao abraçar uma senhora bem idosa, de aproximadamente 90 anos. CORTA PARA/
CENA 5/ MATA/ DIA/ EXT.
Mata vazia. Música ambiente. A câmera circula pelo local, fazendo efeito de suspense. Uma homem de costas, com a blusa toda rasgada. CAM APROXIMA. O homem se vira. É Domingos, com barbas e cabelos compridos. CORTA IMEDIATO PARA/
CENA 6/ MONTE PRAZER/ DIA/ INT./ ESCRITÓRIO DE LUZIA.
Luzia sentada em sua cadeira. Raquel entra no escritório desconfiada.
RAQUEL – Quer falar comigo?
LUZIA – Sim. Sente-se!
Raquel se senta. Luzia com semblante fechado encarando Raquel.
RAQUEL – O que foi? É algo que eu fiz de errado? Aconteceu alguma coisa?
LUZIA – Não. Fique tranqüila. Nada demais!
RAQUEL – Então... Por favor, peço que não enrole. Estou muito ansiosa!
LUZIA – Eu estava pensando aqui e eu acho melhor você voltar pra capital!
RAQUEL – (hesita) Eu? Voltar pra capital? Como assim?
LUZIA – Sim... Eu sei que pode ser meio confuso pra você, mas pra mim já está muito claro. Preciso que os negócios continuem rolando em Florianópolis e pra isso eu preciso de você!
RAQUEL – Você quer que eu tome conta do Monte Prazer lá em Florianópolis? É isso?
LUZIA – De início sim, mas eu preciso que isso seja rápido... Não podemos demorar!
RAQUEL – Está bem... E você teria algum prazo?
LUZIA – Alguns dias... Eu não sei ao certo, mas enquanto isso você fica no hotel daqui do lado.
RAQUEL – Mas por que eu não ficar em minha casa?
LUZIA – Eu preciso que faça o que estou pedindo, Raquel. Por favor, faça o que peço e não me questione! Posso contar com você?
Raquel fica pensativa. Luzia se levanta e estende as mãos para ela.
RAQUEL – Sim... Pode contar comigo!
Raquel também se levanta e aperta a mão de Luzia. CORTA PARA/
CENA 7/ PORTO DE MONTE VELHO/ DIA/ EXT.
Grandes fazendeiros da região chegando no local sérios e cultos. O italianos olhando eles com receio. Helena e Vicente dão um passo a frente. Um BARÃO#1 também se aproxima.
BARÃO#1 – Vocês são bem vindos em nossas terras!
HELENA – Grazie!
O Barão#1 se afasta. Afonso segue em direção a eles. Olha para Helena e fica sem reação. Helena olhando para ele com desconfiança.
AFONSO – (grita a todos) Quero 50... 50 de vocês seguirão comigo... Seguirão para minha fazenda!
Alguns levantam as mãos. Helena e Vicente olham muitos levantarem e levantam também.
AFONSO – (sorri) Ótimo! Não irão se arrepender!
Closes alternados entre AFONSO, HELENA e VICENTE. CORTA PARA/
CENA 8/ CASA DAS IRMÃS/ DIA/ INT./ SALA DE ESTAR.  JOÃO
Filomena pensativa sentada no sofá. Bernarda desce as escadas, um pouco sonâmbula.
BERNARDA – Não vai dormir?
FILOMENA – Sim... Já vou!
BERNARDA – Você ta tão pensativa... O que foi?
FILOMENA – Você já sabe, Bernarda.
BERNARDA – Então agora você vai parar de dormir? Muito bonito... Toma alguma atitude logo.
FILOMENA – Eu não posso! Você sabe que eu não posso!
Bernarda se senta ao lado de Filomena no sofá.
BERNARDA – Você não pode ser feliz? É isso que você quer me dizer, Filomena?
FILOMENA – Ele já foi casado, Bernarda. Não é de meu feitio me interessar por homens desquitados.
BERNARDA – Mas aconteceu... Você está perdidamente apaixonada por esse rapaz e vai desperdiçar a oportunidade de ser feliz uma vez sequer na vida, Filomena. Eu não sei se é burrice ou masoquismo.
Filomena pensa, e sua feição começa a melhorar.
FILOMENA – Sabe que tem razão? Eu não vou ficar sofrendo por amor... Vou atrás de Saulo! Obrigada, minha irmã!
Filomena abraça Bernarda, feliz.
BERNARDA – Quero apenas a sua felicidade, minha irmã. Só isso!
Close no abraço deles. CORTA PARA/
CENA 9/ MANSÃO DE AFONSO/ DIA/ INT./ SALA DE ESTAR.
TODOS os italianos reunidos no local, em volta de Afonso. Murilo ao lado. Helena abraça a Vicente.
AFONSO – É bom que estejam todos reunidos aqui! Bom, eu e meu companheiro, Murilo conversamos muito antes de vocês chegarem até aqui e decidimos muitas coisas.
MURILO – Na verdade a situação da cidade está muito complicada, então não deu pra se organizar direito antes de vocês chegarem.
VICENTE – Sim, e nós non nos importamos... Estamos muito satisfeitos!
AFONSO – O fato é que vamos dar emprego a todos vocês em nossas lavouras de café. E claro... Moradia também!
MURILO – Com certeza.
AFONSO – As casas inicialmente serão as que tem atrás da mansão. As senzalas por hora.../
HELENA – (nervosa) Non adianta tentar fazer com a gente o que fizeram com os africanos. Non somos bobos, Barão. Non vamos aceitar sermos escravizados, capitte?
AFONSO – Não... Vocês não vão ser escravos. Vão receber pelo serviço que prestarem a nós, mas vão morar lá, e claro, com o dinheiro que receberem podem construir e reformar as casas atrás.
VICENTE – (alegre) Io queria agradecer em mio nome e em nome de tudo aqui, Barão. Grazie... Grazie pela oportunidade... Non iremos decepciona-lo!
AFONSO – Garanto também que não vou decepciona-los!
Afonso estende a mão para Vicente, que aperta sua mão. TODOS vão saindo. Maria Tereza desce as escadas.
M. TEREZA – E aí? Foi muito difícil?!
AFONSO – Complicado. Muito complicado!
M. TEREZA – Eles resistiram?
AFONSO – Não. Foram tranqüilos, mas a garota... A garota logo veio com um papo de que não quer ser escravizada. Vai ser difícil, Tereza. Vai ser muito difícil!
Closes alternados. CORTA PARA/
CENA 10/ STOCK SHOTS/ EXT./ FLORIANÓPOLIS.
TAKES AÉREOS DA CIDADE. TAKE FINAL NA FACHADA DE UMA CASA SIMPLES E ANTIGA. CORTA PARA/
CENA 11/ CASA DE RUBENS/ DIA/ INT./ SALA DE ESTAR.
Casa simples. RUBENS (idoso, 87 anos, cabelos brancos, cadeira de rodas) olhando a pintura de Afonso na parede. A empregada chega e fica ao seu lado.
RUBENS – Meu filho... Sinto tanta falta dele, Lucinha.
LUCINHA – Consigo imaginar, seu Rubens.
RUBENS – Eu preciso do meu remédio, Lucinha. Não estou muito bem!
Lucinha pega o remédio e entrega a Rubens com um copo de água. Ele toma o remédio.
RUBENS – Estou velho. Não sirvo mais pra nada. Pra nada. Minha vida virou um poço de angústias e sofrimento em que eu não consigo encontrar o ar... A falta dele me corrói a cada dia, Lucinha. A cada dia mais... (tosse) A cada dia mais eu sinto que meu espírito vai se distanciando da minha carne e eu vou ter que partir antes de me despedir de meu filho. Por mais ingrato que seja, ele continua sendo meu filho!
LUCINHA – Seu filho é um homem respeitado em Monte Velho, seu Rubens. Minha prima disse que o que Barão Afonso fala vira lei...
RUBENS – Isso não me deixa feliz, Lucinha. Criei meu filho pra ser diferente, pra fazer diferente... Criei meu filho para ser humano, por mais que a sociedade fosse preconceituosa... Que fosse humano e salvassem aqueles que não estão no padrão que o próprio povo impõe. Vivemos em uma sociedade padronizada, e até o pão que comemos tem que ser da forma que ditam. Não adiantou de nada tantas revoluções se a mente das pessoas continua a mesma... Não conseguem amar, não conseguem viver, e sabe por quê? Porque acima de qualquer preconceito existe a felicidade
LUCINHA – Mesmo com a idade que tem continua sendo um homem muito inteligente!
RUBENS – Do que adianta ser inteligente e não viver para ver o Brasil ser um país humanizado!
A CAM AFASTADA. Lucinha com as mãos em cima das mãos de Rubens. CORTA PARA/
CENA 12/ SENZALA/ DIA/ INT./ SALA.
Helena, Vicente e outras pessoas dentro da senzala. Maria Tereza chega e entrega pratos de comida para todos.
M. TEREZA – Comam essa porcaria!
HELENA – E é assim que se fala com seres humanos? Como se fossem bichos?
M. TEREZA – E não são?
HELENA – Se existe algum bicho aqui, esse bicho é a pessoa com que converso agora!
M. TEREZA – Eu sou a governante dessa fazenda... Tem certeza que vai me desafiar, rapariga?
HELENA – Sim, e non temo. Desafio quem tratar seres humanos como bichos!
M. TEREZA – Eu só não te dou um troco, porque não posso... O preço por desafiar pessoas como eu é muito mais caro do que você imagina!
Germana se levanta rapidamente, com medo.
GERMANA – Per favore, Helena. Non me arrume confusão!
Maria Tereza se retira. Germana controlando Helena. CORTA PARA/
CENA 13/ STOCK SHOTS/ EXT./ MONTE VELHO.
TAKES AÉREOS DO ANOITECER. PESSOAS ENTRANDO EM SUAS CASAS. TAKE FINAL NA FACHADA DA SENZALA. CORTA PARA/
CENA 14/ SENZALA/ NOITE/ EXT./ FACHADA.
Chiara solitária na cerca. Valter vai em direção a ela.
VALTER – Está sozinha?
CHIARA – Sim... Respirando um pouco de ar puro!
VALTER – Faz bem! Faz bem!
CHIARA – E você? Veio tomar um ar puro também?
VALTER – Estou preocupado!
CHIARA – Io também... Tenho medo do que pode acontecer! Muito medo!
VALTER – Passamos por situações piores dentro daquele maledetto navio. Iremos ficar bem!
CHIARA – Dio te ouça, Valter... Dio te ouça!
VALTER – Mas tem uma coisa que me incomoda!
CHIARA – O que seria?
VALTER – Esse barão... Io non fui com a cara dele!
Chiara engole seco, sem reação. Valter pensativo.
CORTE DESCONTÍNUO – Helena e Vicente se beijando, felizes.
HELENA – Está feliz, né amore mio?!
VICENTE – Muito, Helena. E tu non sabe como! Tu non sabe como!
HELENA – Io sei sim. Io também sei como foi difícil para chegarmos até aqui... Foi suado!
VICENTE – Já somos vitoriosos, Helena. Sim... Somos vitoriosos de termos chegado até aqui! E o resto non importa!
Eles se beijam novamente e entram na senzala. CORTA PARA/
CENA 15/ STOCK SHOTS/ EXT./ MONTE VELHO.
TAKES AÉREOS DA CIDADE. TAKE FINAL NA FACHADA DA FAZENDA DE AFONSO. CORTA PARA/
CENA 16/ CAFEZAL/ DIA/ EXT.
Sonoplastia: AMOR SEM MEDIDAS – MATHEUS E KAUAN
Todos colhendo e plantando no local. Helena e Vicente felizes, produzindo, brincam. Germana chega perto de Valter, observando Helena. Música cessa.
GERMANA – Olha lá, Valter... Olha lá!
VALTER – Olhar o que, Germana?
GERMANA – Helena non desgruda desse homem!
VALTER – Esse homem salvou nostra filha, Germana.
GERMANA – E isso non influencia em nada... Helena precisa se casar com um ragazzo rico, e non importa a idade... E io já sei quem pode se casar com ela!
VALTER – Quem?
GERMANA – O Barão... Io vi como ele olhou pra ela.
VALTER – Per favore... Tiro isso da cabeça, mulher. Helena ama Vicente e ninguém vai mudar isso!
Valter sai de perto de Germana, que continua observando. A câmera anda pelo local e mostra Chiara indo até Helena.
CHIARA – Posso conversar contigo, Helena?
HELENA – Claro!
Vicente sai e deixa as duas sozinhas.
CHIARA – Io quero ser direta e rápida... Io criei mio filho com muito amore... E queria te pedir pra faze-lo feliz... Apenas isso... Fazer mio filho feliz!
HELENA – É o que io mais quero nesta minha vida, Chiara... Fazer tuo filho feliz, ser feliz e construir uma família com ele!
Helena abraça Chiara. Closes alternados. CORTA PARA/
CENA 18/ SENZALA/ DIA/ INT./ SALA.
Todos dentro do local. Murilo entra animado.
MURILO – Eu tenho uma ótima notícia pra vocês!
HELENA – Pois então fale!
MURILO – O Barão contratou uma professora de línguas para vocês aprenderem a pronunciar o nosso português.
CHIARA – Dio santo... Mas que maravilha!
HELENA – Diga ao Barão que agradecemos a bondade dele!
MURILO – Pode deixa!
FOCA em Helena alegre. CORTA PARA/
CENA 19/ COMPILAÇÃO DE CENAS.
Sonoplastia: CRUZANDO RAIOS – ORLANDO MORAES
  1. TODOS TENDO AULAS DE PORTUGUÊS NA SENZALA. HELENA EMPENHADA.
  2. AFONSO EM SEU QUARTO COMEMORANDO JOGANDO DINHEIRO PARA O ALTO.
3.    CRISTINA E GABRIEL CADA VEZ MAIS PRÓXIMOS ANALISANDO PAPÉIS.
4.      MARIA TEREZA OLHANDO RAQUEL ESCONDIDA, PERTO DO MONTE      PRAZER.
5.      VICENTE REFORMANDO A SENZALA.

LEGENDA:      4 MESES DEPOIS...
CORTA PARA/
CENA 20/ SENZALA/ NOITE/ INT./ QUARTO.
Helena sozinha, deitada na cama, cantarolando uma música italiana. Vicente chega em meio a chuva, todo molhado.
HELENA – Mas você está todo molhado!
VICENTE – Hoje o trabalho foi complicado.
HELENA – Entendo! Tome um banho.
Vicente sai do local. Helena continua cantarolando. TEMPO. Algum tempo depois, Vicente retorna.
VICENTE – Ainda está acordada?
HELENA – Eu estou pronta, Vicente. Estou pronta, meu amor. Pronta pra ser sua!
Vicente fica sem palavras. Joga a toalha que estava na cabeça no chão e pula em cima de Helena. Um grande trovão estremece tudo.
CORTE DESCONTÍNUO - Gritos de dor na madrugada. Helena escuta e acorda assustada. Chuva ainda grande.
CORTA PARA/
CENA 21/ CAFEZAL/ NOITE/ EXT.
Helena sai andando pelo local.
HELENA – Tem alguém aí?!
CHUVA cada vez mais forte. Os gritos ficam mais pertos. Helena segue o grito, e vê Rogério no tronco sendo chicoteado por Maria Tereza, gritando de dor.
Helena se aproxima raivosa e puxa Maria Tereza.
HELENA – (grita) CHEGA! CHEGA!
Helena dá um tapa na cara de Maria Tereza, que logo põe a mão no rosto.
EFEITO FINAL:  CONGELA EM HELENA ESPUMANDO DE ÓDIO.


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