UM ESPECIAL DE VINÍCIUS DORIGO ROCHA
EXIBIÇÃO TV NOVELAS
EDIÇÃO 1 DESPERTAR DA ALMA
_________________________________________________________________________________
Acordei
de supetão. Estava dentro de um ônibus. Olhei no meu relógio de pulso, já
passara da meia-noite. Olhei assustada pela janela. Onde eu estava? Eu iria
perder a ceia. O Cobrador disse que aquele era o último veículo aquela noite.
Dei sinal e desci numa rua deserta. Quando ele sumiu no horizonte, percebi que
havia não pensado direito. Fazia frio. Chutei uma pedrinha que quicou até cair
em um boieiro próximo. Escutei passos. Olhei para trás. Vi uma sombra se
aproximando ofegante. Acelerei os passos. Ao longe ouvi uma senhora discutir
com seu basset de longe. Resolvi pedir ajuda. Mas não consegui me guiar. Uma
brisa limpou minha alma. Não havia um comércio aberto, exceto por aquele bar no
fim da rua. Atravessei à calçada. Passei em frente, mas algo muito estranho aconteceu.
Todos trajavam um longo capuz negro e estavam sem vestígio nenhum de rosto.
Farfalhavam num tom macabro que arrepiava minha alma. Comecei a correr, até que
um carro escuro me fechou numa esquina. Deles saíram homens robustos com
cabeças de porco. Agarraram-me pelos cabelos. Quando percebi estava sendo
dopada. Apagou tudo.
Abri
os olhos. Estava sufocada. Presa numa câmara de gás. Esmurrei desesperado o
teto. Implorei por socorro, mas parecia que ninguém escutava. Até que escutei
um barulho. Alguém abria e me puxava pelos pés. Mas não dava para ver quem era.
Uma luz forte, branca, tomou meu corpo. Senti um cheiro esquisito. Um perfume
diferente. Não deu tempo para ver quem era, logo fui cega por aquela
intensidade e...
Eu
estava voando? Que jardim era aquele? Começou a chover, mas por que eu não
sentia nem um pouco molhada. Deu-me medo. Desejei ir para a casa. Onde estavam
meus pais? Avistei um automóvel deslizando por entre as nuvens torrenciais, mas
quando chegou mais perto. Percebi que eram patos de línguas. Falavam francês. Mas
eu não sabia. Não podia pedir informações. Uma mulher apareceu com uma lua aos
seus pés. Sorrindo. Não entendi o que significa aquele sinal. Mas senti algo
estranho no meu peito. Ela era familiar e eu amava tanto, mas não entendia o
por quê, já que nunca vi ela na minha vida.
Ela
me chamou com um gesto nas mãos. Eu pensei para analisar a situação, mas quando
percebi estava sendo levada pelo vento até ela. Ela desapareceu dentro de uma
nuvem cinzenta. Aquilo que estava me sugando também. Senti uma vontade vomitar,
um cheiro de podridão. Quando percebi atravessei as paredes espinhosas daquela
nuvem e fiquei novamente no breu. As paredes inteiras lembravam um lugar que já
estive quando pequena. Mas o que era? Havia rachaduras enormes e algo pingava
no fundo de um corredor estreito. Olhei de relance e abri aquela porta velha de
madeira que rangeu e quase caiu sobre mim. Os cupins já haviam devorado boa
parte de sua haste. Entrei naquela passagem. Um cheiro de decomposição aumentava.
Uma aranha peluda passou rapidamente para um buraco inferior, próximo a um rato
morto. As paredes estavam encharcadas. Parecia que havia algum vazamento. Olhei
para o teto e pela fresta de luz que entrava em uma janela redonda a um canto,
pude perceber que o teto descamava quando mulheres em menstruação. Senti uma
pontada no útero. Aquilo de certa forma fazia parte de mim.
Meu
tênis grudou num chiclete estranho que parecia bailar sobre a sola do meu pé.
Cruzei a única porta que havia ali e uma velha escada de madeira apareceu. Dei
o primeiro passo e meus pés ficaram presos no degrau que se quebrou. Foi
horrível a sensação. Aquilo apertava como uma planta carnívora uma mosca
suculenta. Quando consegui puxar, ouvi um canto diferente. Parecia uma moça.
Quando terminei de subir, percebi um retrato daquela mulher que vira momentos
antes e me deu uma vontade de chorar. Uma barata já tinha conseguido me
assustar quando abri a porta de um quarto iluminado guiada por aquele canto
melancólico. Uma lareira estava acesa e pude observar numa penteadeira em um
lado de um canto, uma mulher cantando de costa enquanto penteava o cabelo.
Engoli
seco. Não a conhecia, mas sentia algo tão seguro dentro de mim, me pareceu que
ela era confiável. Respirei fundo e continuei. Mas foi então que bruscamente
uma gaveta daquela cômoda abriu e um gravador caiu quebrando no chão, cessando
aquela voz. A mulher virou de repente. Tomei um susto terrível. Estava
paralisada e roxa com a boca aberta. Era minha mãe. Soltei um grito de
desespero e andando para trás cai em um buraco escuro que não parecia terminar
nunca. De cima era possível ver um vulto me olhando, sumindo conforme a queda.
Era uma velha com cabelos espanados com uma parte destes faltando, suas pupilas
se dilatavam e ela ria silenciosamente.
Cai
em uma folha gigante. Estava molhada, mas a água era gelada. Levantei-me de
repente. Uma neblina chegou ao meu rosto. Onde estava agora? Quando aquela
viagem estranha iria acabar? Percebi que havia túmulos e jazidas ali.
Certamente estava num cemitério. Mas por quê? Ela avistou de longe, seu pai
colocava flores sobre um muro. Aproximei-me feliz da vida. Havia enfim
encontrado alguém que me poderia... NÃO! Sufoquei com o que li ali. O nome da
minha mãe, do meu irmão caçula e MARIA ELISABETH CORRÊA. O meu estava ali. Não,
ela não podia ter morrido. Aquilo não podia ser verdade. Um veneno tomou-me as
veias. Corria-me por dentro. Eu sentia a dor da morte, que meu pai
experimentara naquele momento. Meus cabelos estranhamente entraram na minha boca
e comecei a tossir. Estava engasgada. Fui levitada e comecei a girar, tentei de
todas as maneiras tirá-lo da garganta, mas foi em vão, ele entrava cada vez
mais e a velocidade aumentava bruscamente. Até que ...
Acordei,
estava deitada no asfalto, com meu corpo dentro. Era uma tarde tão linda. Meu
corpo estava sangrando. Meu vestido ensopado. Olhei para os lados não avistei
ninguém. Chorei desesperada ao perceber que o carro do meu pai estava em
pedaços. Foi então que me recordei da viagem com a mamãe e meu irmão. Estávamos
todos felizes. Desesperada, o suor do cansaço e o choro limparam aos poucos o
sangue do meu rosto. No final da rua, observei minha mãe com meu irmão no colo.
Ela me olhava tão triste e pondo ele no chão, abriu os braços para mim. Eu corri
até ela e abracei. Foi o abraço mais aconchegante que já presenciei. Meu
irmãozinho puxou minha roupa e eu o levantei no colo, dei as mãos a minha mãe e
juntos, olhamos para trás. Avistamos meu pai chegar, ele estava péssimo.
Resolvi voltar, mas minha mãe me puxou. Olhou-me profundamente. Não dava para
voltar. O Tempo é almejando o futuro. Passado fica na história. Foi difícil,
mas me virei. Meus cabelos esvoaçaram com o vento. Olhamos para frente e nos
dirigimos à eternidade. Assim como aquele pôr-do-sol se punha, assim como
aquele dia ficava para trás. Eles agora superaram a cronologia, superaram as
questões terrenas, pertenciam a outro plano. Sumiram no infinito. O choro de
aquele ser era terrível embebia as mãos com suas lágrimas, a morte era...

Nenhum comentário:
Postar um comentário