segunda-feira, 8 de junho de 2015

Capítulo 4 - Pecado Original



Continuação do Episódio anterior.

Cena 29. Tenda Cigana/ Int./ Dia.
Cigana Alba começa a olhar e massagear sua bola de cristal, que rapidamente vai tendo uma cor cada vez mais fluorescente.
Cigana Alba – Então a dondoca noivou?
Das Dores e Donna se olham.
Das Dores – Sim, noivei!
Cigana Alba – O que é feito na pressa e por ganância, pode ter um resultado muito ruim.
Das Dores – Como assim?
Cigana Alba – As pessoas acham que a ganância é só por dinheiro e bens materiais, mas não é. A ganância pode ser afetiva também. Você criou uma dependência, quase uma loucura, uma obsessão nesse homem.
Das Dores – Eu o amo. Nós vamos casar. Aliás, nem sei por que me dei ao trabalho de vir aqui.
Das Dores se levanta e se encaminha para sair.
Cigana Alba – Você nunca vai casar com esse homem.
Das Dores olha para trás assustada.
Das Dores – O que?
A Cigana Alba levanta duas cartas de seu baralho: a Dama de Copas e a imagem do Caixão.
Cigana Alba – Esse homem nunca será seu. Nunca!
Das Dores fica assustada.
Das Dores – Olha só sua feiticeira de merda, o meu homem é só meu, ninguém pega!
Donna – Calma, Das Dores, calma.
Das Dores (nervosa) – Como é que você quer que eu tenha calma, Donna? Me diz, como? Essa feiticeira dos infernos resolveu agourar o meu relacionamento.
Cigana Alba – Não sou eu quem estou melando a sua relação, mas sim outra pessoa, uma outra mulher.
Das Dores fica confusa.
Das Dores – Quem é essa mulher?
Cigana Alba – Senta e fica calma, eu vou te contar tudo que vi no tarô.
Das Dores se senta meio inquieta.
Corta para:
Cena 02. Casa de Cíntia/ Cozinha/ Int./ Noite.
Estão reunidos a mesa, jantando: Cíntia, Carlão, Glória e Luís.
Cíntia – E então, mãe, saí do castigo?
Glória – Com uma nota dessas, pode sair até no Carnaval Gospel lá da igreja, e de destaque no carro glorificado.
Carlão – A senhora tá falando sério? Quer dizer que a Cíntia sai no tapa com a filha do patrão do papai e fica por isso mesmo?
Glória (a Carlão) – Você tem algum problema com isso? A sua irmã errou, errou feio, mas ninguém aqui tá aliviando a barra dela. Você quer que eu faça o que? Que a prenda na torre, como fez a bruxa com a Rapunzel?
Carlão – Mãe, a questão não é essa, mas a Cíntia.../
Cíntia (CORTA) – A questão é que você não quer que a Cíntia saia para festas, você não quer que a Cíntia tenha uma vida de verdade. Mas só te digo uma coisa: A bonequinha de porcelana ficou no passado, aqui quem fala é uma mulher que tem voz própria.
Luís – Vocês vão ficar discutindo na mesa? Na hora do jantar? Cíntia e Carlão, se continuarem brigando, ficarão os dois de castigo, e por um ano inteiro.
Carlão ri.
Carlão – Ah pai, para. Essa não cola.
Luís – O que não cola aqui é você tentar passar por cima das decisões que sua mãe e eu tomamos. E quanto ao castigo, é verdade meu querido. Pode ter 25, 35 ou até 65 anos de idade, mas se viver sob o meu teto, vai andar conforme o meu passo.
Todos ficam calados e voltam a jantar.
Corta para:
Cena 03. Tenda Cigana/ Int./ Dia.
Cigana Alba está mexendo com seu baralho cigano, traçando expressões de preocupação. Das Dores olha para Donna com ansiedade.
Cigana Alba – Pronto, terminei de ver o que era necessário.
Das Dores (ansiosa) – Então vai dona Cigana, me fala de uma vez o que houve.
Cigana Alba – Você tá abalada nesse relacionamento cheio de incertezas, mas o que houve de verdade é que uma mulher entrou no seu caminho.
Das Dores – No meu caminho?
Cigana Alba – Alguma mulher se interessou também pelo seu noivo, e fez o curso do rio mudar. Não era destino dela viver com o seu homem, mas ela encontrou as pessoas certas, ou melhor dizendo, encontrou as pessoas erradas que fizeram uma mudança nesse destino.
Donna – Então tem outra mulher na jogada?
Cigana Alba – Tem. E essa mulher vai infernizar a vida de vocês. Ela tá disposta a tudo pra ter esse homem. E quando digo tudo, é tudo mesmo.
Das Dores – Eu duvido ela superar Das Dores Lopez Guimarães, Duvido!
Cigana Alba – Não se trata de medir força na beleza, no dinheiro ou no porte da família. Essa mulher já se armou com coisas ruins, com espíritos das trevas que querem derrubar e levar a alma de alguém pra eles.
Das Dores fica assustada.
Donna – Mas o que ela pode fazer?
Cigana Alba – Nada. Quem vai fazer por ela sou eu. (a Das Dores) Escuta menina. Deixa de ser impulsiva e mimada e espera eu te chamar. Até lá você vai ficar na sua.
Das Dores – Mas eu não sei ficar na minha.
Cigana Alba – Se você quer se casar com esse homem, você vai aprender.
Das Dores e Cigana Alba se entreolham.
Corta para:
Cena 04. Pontos Turísticos/ exterior/ dia/noite.
(Música “Like a Virgem” – Madonna). Imagens aéreas do Cruzeiro, Jardim de Cima, Serra dos Mascates, Catedral de Nossa Senhora da Glória. Um clipe de imagens realçando a beleza da cidade e a transposição do dia para a noite.
LETREIRO: “DIAS DEPOIS...”
Corta para:
Cena 05. Discoteca CELEBRARE/ Entrada/ Ext./ Noite.
Das Dores para o carro bem em frente à entrada da discoteca. Desce e se encaminha para entrar, quando de longe, Carlão a vê e se anima.
Carlão (gritando) – Das Dores, espera!
Das Dores para e olha para trás.
Carlão (feliz) – Espera aí.
Das Dores permanece séria até que Carlão se aproxima.
Carlão – E aí broto, tudo na paz?
Das Dores (séria) – Tudo.
Carlão – Precisava mesmo encontrar contigo. Tava ali atrás de tocaia te esperando.
Das Dores – Olha tô muito apressada. O Renato pediu para que eu visse aqui ajuda-lo. Não posso perder tempo agora.
Carlão – Mas eu vim falar da gente.
Das Dores começa a rir.
Carlão – Aquela noite a gente transou e.../
Das Dores (corta) – E foi só. Foi tesão e nada mais.
Carlão – Não foi não. Eu vi nos teus olhos que o que você sentia era muito mais do que tesão. Ali você se viu desejada, se sentiu mulher no sentido mais puro da palavra. Não quero me gabar ou tirar onda, mas eu consegui te tratar como ninguém, nem esse burguês do Renato conseguiu.
Das Dores fica levemente constrangida.
Carlão – Você pode pensar assim, pode querer ir contra, mas...mas o seu coração diz outra coisa, Das Dores. Não adianta a gente querer cortar pelo meio, uma árvore que está com as raízes sólidas e fixadas num chão.
Das Dores – Isso é você quem diz, eu não sei de nada. O que sei é que eu amo o meu noivo.
Carlão (pasmo) – Como assim noivo?
Das Dores mostra seu anel de noivado.
Das Dores – Vou casar Carlão. Como você disse, com o burguês. Não adianta querido, a vida é assim. Rico casa com rico. Pobre é só pra diversão, pra quebrar a rotina.
Carlão (alterado) – Você é mesmo o que eu pensava. É uma patricinha arrogante que brinca com os sentimentos das pessoas. Você não é humana. É uma dessas deslumbradas que o dinheiro insiste em criar. No lugar de coração, de alma, você tem uma conta bancária gorda.
Das Dores – Sem gritar comigo, você não é homem pra isso.
Carlão – E eu sou homem pra que?
Das Dores – Rude e pobre assim, você é homem na cama, pra satisfazer as necessidades biológicas de uma mulher. Fora dela, você não passa de um aspirante a jornalista, que nasceu na miséria e vai morrer nela.
Carlão fica com os olhos marejados, segurando o choro.
Das Dores – Pode chorar. Mostra que você também sabe reconhecer a porcaria de pessoa que é.
Carlão – Um dia você vai se arrepender disso tudo que acabou de me dizer. Um dia você vai sentir falta de mim, falta desse casca grossa pobretão que soube te fazer feliz. Mas quando isso acontecer, já vai ter sido tarde demais. Espero que você seja feliz nesse seu mundinho cheio de dinheiro e interesses e vazio de sentimentos.
Das Dores – Rico compra tudo, inclusive gente.
Carlão – Mas não compra sentimentos nobres. O dinheiro é muito, mas não tudo na vida.
Carlão vira as costas e sai andando. Das Dores entra na discoteca.
Corta para:
Cena 06. Casa de Cíntia/ sala/ int./ Noite.
Luís está assistindo TV, quando Cíntia desce as escadas.
Cíntia – Pai, o Beto e a Sandra já chegaram?
Luís – Eu acho que não. Pelo menos não tocaram a campainha. Vocês vão sair?
Cíntia – Vamos. Hoje iremos para a Celebrare.
Nesse instante Glória vem da cozinha.
Glória – Já vai praquele antro de perdição?
Cíntia – Vou dançar, comemorar minha nota máxima em química.
Glória – Ao invés de comemorar, você deveria era ir à igreja e agradecer ao Senhor. Louvar e pedir bênçãos. Moça direita vai pra igreja e não pra noitadas.
Cíntia – A parte de ir a igreja fica com a senhora, que por sinal faz muito bem e insistidas vezes. Tô vazando nessa, vou esperar a Sandra e o Beto lá no centro.
Cíntia sai da casa.
Glória – Tá vendo o que eu passo Luís?
Luís – Você não pode obrigar ninguém a frequentar um templo ou doutrinar numa determinada religião.
Glória – Mas se eu não faço isso, vira um mafuá, vira um ninho de cobras. Tem que ter Deus no coração.
Luís – E com certeza a Cíntia tem, mas é da maneira dela.
Glória – E qual é a maneira dela? Indo a lugares promíscuos? Se dando ao desfrute da carne, ah me poupe, Luís. (saindo) Deixa eu ir, que hoje tem adoração das mulheres lá na igreja.
Glória sai e Luís volta a ver TV.
Corta para:
Cena 07. Mansão Guimarães/ Sala de Estar/ Int./ Noite.
Branco anda impaciente de um lado para o outro na sala.
Branco (gritando) – Anda logo América, vamos.
América começa a descer as escadas, trajando um belíssimo vestido dourado.
América – Tô pronta, nossa, quanta impaciência.
Branco – Mas é claro, fica uma vida pra se arrumar. Assim chegaremos na hora de fechar a discoteca.
América – Eu não sei pra que temos que ir lá.
Branco – É a nossa discoteca, é patrimônio da família. É normal irmos.
América – Eu não tenho mais pique pra dançar.
Branco – Nós vamos pra ver com anda a noite lá. Saber como é a rotina da discoteca.
América – Então para de falar e vamos.
Branco abraça América e os dois saem.
Corta para:
Cena 08. Pontos Turísticos/ Ext./ Noite.
(Música “A noite vai chegar” – Lady Zu). Imagens do Cruzeiro Municipal iluminado, da Câmara dos Vereadores, do Jardim de Cima, do Jardim de Baixo, da Catedral de Nossa Senhora Aparecida e terminando na Rua dos Mineiros.
Corta para:
Cena 09. Rua dos Mineiro/ Santana Bar/ Int./ Noite.
A música da cena anterior continua, mas ao fundo, num rádio. O bar está com um movimento fraco. Numa mesa ao fundo, Carlão e Ádamo conversam, enquanto tomam cerveja.
Ádamo (estapafúrdio) – Ela disse essas coisas?
Carlão – Disse, sem o menor ressentimento. Tá deslumbrada com a ideia de casar com o babaca lá.
Ádamo – E agora?
Carlão dá uma golada na cerveja, acende um cigarro e respira fundo.
Carlão – Agora é seguir o fluxo da vida. Remar contra a maré, nunca mais.
Ádamo – Falar é fácil, quero ver fazer.
Carlão – Mas não tinha como dar certo. Ela disse asneira, mas no meio disso tudo tinha uma verdade: é impossível o amor entre um rico e um pobre. Não existe essas coisas.
Ádamo – Se não existisse, não teria rolado.
Carlão – Ela tá naquele mundinho vazio dela. Deixa quieto. Quero mais é me divertir.
Carlão se levanta da mesa.
Ádamo – Vai onde, rapá?
Carlão – Vou pra discoteca, espairecer a mente um pouco. Ouvir música, beber mais.
Ádamo – Tá louco, lá você vai encontra-la.
Carlão – Sem brigas, sem ressentimentos.
Carlão vai se encaminhando pra saída do bar, Ádamo se levanta apressadamente e o acompanha.
Corta para:
Cena 10. Discoteca CELEBRARE/ Calçada/ Ext./ Noite.
Branco e América estão chegando ao local, quando Cíntia e Sandra também chegam.
Sandra (a Cíntia) – Acho que a entrada hoje é sem fila, deve estar meio vazio lá dentro.
Branco olha Cíntia dos pés a cabeça, com ar de sedução. Cíntia balança sua pulseira e retribui o olhar. Logo em seguida Branco e América entram. Sandra percebe tudo.
Sandra – Eu não acredito Cíntia.
Cíntia – Em que?
Sandra – Você e aquele vovô trocaram olhares maliciosos.
Cíntia – A malícia está na cabeça das pessoas. Foi só uma olhadela boba.
Sandra – Ele é velho e casado.
Cíntia – Mas garanto que aquele touro adora comer um pasto verde, novinho e que não seja o dele.
Sandra – Você tá passando dos limites, tá se tratando como mercadoria.
Cíntia – Você sempre vai acreditar que o lobo é mau, enquanto insistir em ouvir apenas a versão da chapeuzinho vermelho.
Cíntia entra na discoteca. Pouco depois, ainda incrédula, Sandra também entra.
Corta para:
Cena 11. Discoteca CELEBRARE/ SALÃO PRINCIPAL/ INT./ NOITE.
Planos gerais do local. Salão sendo iluminado apenas pelo jogo de luzes do globo que está pendurado no centro do teto. No palco, muita fumaça artificial. Donna está cantando “Boogie Oogie Oogie”. Várias pessoas dançando. Close onde está Das Dores, América e Branco sentados em uma mesa.
Das Dores – Ai mãe, tô achando isso daqui tão chato.
América – Eu fiquei meio hesitante em vir, mas até que tô gostando. Deu um ar novo pra cidade.
Branco está olhando a multidão, como se estivesse procurando alguém.
Das Dores – Já viu o Renato por aí, pai?
Branco nem ouve e continua a procurar alguém por entre a multidão.
América – Desde que chegamos aqui, seu pai tá assim, distante.
Das Dores cutuca Branco, que leva um susto.
Branco (assustado) – Oi minha filha?
América – Você tá longe, tá procurando alguém?
Branco – Para de bobeira, América. Tô é olhando o movimento, vim aqui pra isso.
Das Dores – Pai, o senhor já viu o Renato por aí?
Nesse instante Branco vê, ao longe, Cíntia dançar com Sandra.
Branco (saindo) – Acho que vi um amigo meu, já volto!
Das Dores – Eu hein. Vou pegar um champanhe, aceita?
América – Pega uma garrafa duma vez.
Das dores ri.
Close em Branco chegando próximo a Cíntia.
Branco (sussurrando) – Linda você, hein.
Cíntia – Obrigada!
Branco – Será que teria como a gente conversar no banheiro feminino?
Cíntia – Tem sim. Minha amiga e eu vamos entrar, quando a barra estiver limpa, você entra.
Cíntia sai puxando Sandra.
Corta para:
Cena 12. Discoteca CELEBRARE/ Banheiro/ Int./ Noite.
Cíntia está passando um batom vermelho, enquanto Sandra esta ao lado dela, com cara de “poucos amigos”.
Sandra – Eu não vou fazer isso, é loucura. A mulher do cara tá aí.
Cíntia – Por favor, eu te peço, me ajuda.
Sandra – Não, não dá.
Cíntia – É minha amiga ou não?
Sandra – Justamente por ser sua miga que estou negando isso. Na vida a gente tem que aprender a ouvir alguns nãos.
Cíntia – Se você não me ajudar, incorporo a Nefertiti no salão e faço sexo com ele lá mesmo, o que acha?
Uma mulher sai do banheiro.
Cíntia – Agora tá vazio, faz esse favor pra mim?
Sandra, mesmo contrariada, pega as chaves e sai do banheiro.
Corta para: Porta do banheiro/ parte de fora.
Branco está fingindo que está se ajeitando no espelho que está na parede, quando Sandra chega.
Sandra (a Branco) – Não tem mais ninguém lá dentro, só ela.
Sandra entrega as chaves para Branco.
Branco – Não deixa ninguém entrar.
Branco entra no banheiro e fecha a porta.
Sandra (pra si) – Tomara que eu não me arrependa.
Nesse instante, duas moças chegam ao local.
Sandra (as moças) – Esse banheiro tá interditado, em manutenção. Por favor, usem o executivo ao lado do bar. Obrigada!
As moças saem.
Corta para: Bar.
Das Dores está no balcão esperando seu pedido, quando ao seu lado Carlão chega e pede uma bebida.
Das Dores – Ah não, não acredito que você esteja aqui.
Carlão vira-se surpreso.
Carlão – Não sabia que aqui era proibida a entrada de pobres.
Das Dores – Não, não é. Mas deveria ser.
Carlão pega Das Dores pelo braço e a puxa para um canto afastado. De longe Renato vê e vem apressadamente.
Das Dores – Me solta seu grosso.
Carlão – Agora você vai ouvir umas verdades, sua piranha!
Renato chega e dá um soco em Carlão, derrubando-o no chão.
Renato – Quem é piranha aqui?
Das Dores fica assustada. Close no olhar de ódio de Renato.
Corta para:


                                                                           FIM

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