Um dos homens levantara-se e encarara Iolanda. A porta fora
aberta por outro homem e todos saíram da sala em ordem.
- Não será necessário. Em poucos dias a delegada e sua família
virarão cinzas. – Disse, aproximando-se da porta. – Mas antes...
- Se vocês pensam que receberão adiantado, podem tirar o
cavalinho da chuva! Não vão ganhar nada até que eu veja a Bruna morta. E de
preferência queimada.
- Assim não vai dar dona. Não é por nada, mas já fizemos
negócios assim e fomos deixados na mão.
- Confiem no taco de vocês. Assim como pode dar certo, tem tudo
para dar errado. E não contem apenas com a sobrevivência dela. Se alguém
descobrir que sou eu a mandante, não terei pena de matá-los. Agora sai daqui,
anda! E façam o trabalho direito.
O homem retirou-se, batendo a porta. Iolanda folheara um
exemplar da última edição, que levava na capa a imagem de uma cantora. Exibia
um belo sorriso, quando fora interrompida por Antônia.
- O que houve Antônia? Parece que viu um fantasma! – Indagara,
folheando as páginas.
- Sabe o que é dona Iolanda... Eu estava no meu horário de
almoço e quando voltei, ouvi de um jornalista que vão publicar uma reportagem
sobre a senhora. E não é boa coisa!
- Qual a novidade, Antônia? Você trabalha comigo há dez anos e
sabe que isso é normal.
- Não. Você não entendeu! Eles vão publicar uma reportagem
dizendo que foi a senhora quem matou aquela juíza. – Antônia disse, olhando
para a faca que havia em cima da mesa.
- Eu tenho dinheiro de sobra para calar a boca de todos eles,
que são apenas estagiários. Eles querem atingir a marca da revista, não a mim.
E outra. Que prova eles teriam de que eu matei? – Continuara a folhear,
aguardando a resposta da secretária. – Antônia?
Antônia permanecia em pé, olhando para a faca sobre a mesa. Iolanda,
ao perceber, atirara o objeto para longe.
- Eles não. Mas eu sim!
- Como é que é, Antônia? Isso é uma ameaça? Repete!
- Eu já vi o suficiente, Iolanda. Com licença.
- Olhe pra mim. Sou uma mulher rica, presidente de uma das
melhores revistas do país. E você? Apenas uma funcionária sem valor. Quer mais?
Você sobrevive graças a mim. Usa a mesma roupa todos os dias. – Fitou-a.
Antônia continuava no mesmo lugar, limpando suas lágrimas. – Pode sair querida.
Pensa no que te falei e cuidado onde você se mete.
***
Arthur, escorado na janela do transporte público, pensara em
todos os momentos que convivera com a mãe. Seu olhar era fixo. Os passageiros o
olhavam com ar de reprovação e comentavam entre si.
- Menino, você não tem dinheiro? – Era a pergunta do cobrador.
Ele possuía uma barriga avantajada e sua barba era grossa.
- Não. Eu me assustei com um homem e entrei aqui, sem querer.
Pra onde o ônibus vai?
- Copacabana. – Olhou para o motorista. – Vem, vai por baixo da
roleta e se senta aqui atrás. – Arthur obedecera e sentara-se no assento ao
lado do cobrador.
O coletivo dera uma freada brusca, assustando todos os
passageiros. Adentrara três homens encapuzados, com a cabeça baixa. Forçaram a
roleta e mostraram disfarçadamente a arma para o cobrador.
- PAREM O ÔNIBUS! É UM ASSALTO! – Um dos bandidos pulara a
roleta e mirara para alguns dos passageiros. – Passem tudo! Dinheiro, celular,
relógio...
- E você, pivete? – Outro bandido pôs a arma no queixo de
Arthur. – Tem grana não?
- Não tenho nada.
- Ihh... Acha que a gente vai cair no seu papo é? Tu é rico que
eu sei! Passa a grana de uma vez!
- Não ouviu o menino? Ele não tem nada! Saiam daqui antes que a
polícia apareça. – O cobrador falou um pouco receoso.
Ouviram uma sirene. Um dos bandidos fitara os outros saírem do
coletivo e dera uma coronhada na cabeça, o que fizera a criança desmaiar.
***
Rafaela Muniz descera as escadas, indo para a cozinha, trajando
um short jeans amarelo e uma blusa de renda sem manga branca, transparecendo
seu sutiã da mesma cor. Utiliza uma rasteirinha dourada fechada no calcanhar.
Abre a geladeira e retira uma jarra de vidro contendo água, derrama uma pequena
quantidade num copo de vidro e ingere três goles.
Ouve a campainha. Aproxima-se da porta, com o copo na mão e a abre.
Vê uma mulher de cabelos castanhos encaracolados nas pontas, trajando um belo
vestido vermelho acima do joelho. Utiliza óculos de sol arredondados.
- Pois não, senhora? – Rafaela indaga, ingerindo mais alguns
goles de água.
- Não está me reconhecendo, Rafaela? – Retirara os óculos e
colocara sobre a cabeça. – Sou eu, Dora Araújo. Avó paterna da Giulia.
Num ato brusco, Rafaela tenta fechar a porta, derramando o
líquido que restara em sua blusa, deixando o copo cair estilhaçando-se em
grandes pedaços. Dora, no entanto, consegue forçar a porta e adentra na
residência.
- A Giulia não tem pai. Portanto, não há como ser avó dela... –
Abrira a porta. – Faça o favor de se retirar!
- Eu tenho um recado do Fausto. – Disse, aproximando-se de uma
poltrona. – Posso me sentar?
Rafaela, um tanto incomodada assentira com a cabeça e fechara a
porta, sentando-se no sofá.
- O Fausto quer se aproximar da Giulia. – Dora disse, fitando
Rafaela. – Eu sei que ele lhe fez muito mal quando era menina ainda. Mas ele
está arrependido. Quer recomeçar a vida do zero.
- Disse muito bem: me fez muito mal. E não quero arriscar. Não
por mim, mas pela Giulia. Ela é uma criança, acredita que o pai está morto.
- Você é louca!
- Louca eu seria se a deixasse conviver com o pai. Dora me
perdoe, mas o seu filho é um marginal! Eu fui irresponsável de brincar com ele
de maneira incorreta. Paguei pelo erro sozinha! O Fausto não se deu ao trabalho
de perguntar o sexo da criança.
- Ele era muito jovem. É comum...
- Jovem? A única jovem da história era eu! O Fausto era maior de
idade, tinha seus vinte e poucos anos. E eu, uma menina de quinze anos
começando o segundo colegial! Eu carreguei um bebê, criei, passei humilhações
horríveis por causa do seu filho mimado. Chegou a me dopar e me levar para uma
clínica de aborto clandestina!
- E não abortou por orgulho.
- Eu seria uma assassina! Eu fui irresponsável sim. Mas não
poderia responsabilizar a criança por um erro meu! A Giulia é a única coisa boa
que seu filho me deu.
- Você tem seus motivos para odiar o Fausto. Mas a verdade tem
que aparecer. Uma hora ou outra você terá que dizer a verdade e...
- Não tenho coragem de dizer para ela que o pai é um drogado,
traficante, estuprador, assassino... Ela foi criada por mim sem a presença
paterna. E continuará assim pelo menos até alcançar a maioridade. Daí ela
decide o que faz com a notícia. Mas eu estou fazendo meu papel de mãe que é
protegê-la.
- Vim te avisar que o Fausto sairá dentro de alguns dias da
penitenciária. E vai fazer o impossível para se aproximar da menina.
- Dê o meu recado a ele. E diga que a Bruna agora é delegada.
Antes, o prendeu como policial. Se ele mexer com a menina já sabe o que lhe
aguarda.
Dora fita Rafaela por alguns segundos. Levanta-se em silêncio e
fecha a porta. Rafaela observa a mulher entrar em seu carro, enquanto caem
lágrimas.
***
Os passageiros do coletivo socorrem Arthur. Ele recobra a
consciência e uma mulher, com cabelo amarrado a um rabo de cavalo baixo,
trajando uma camiseta branca lisa e uma calça jeans preta e utilizando um tênis
velho ajoelha-se próximo ao menino.
- Onde estão os seus pais? – Indagou.
- Eu não sei... Eu fugi da escola. Meu pai... Não sei! Minha mãe
morreu.
- Meus pêsames. Não sabia!
- Saiu em todos os jornais, tia.
- Esse menino é herdeiro
daquela mulher rica! Eu o levo pra casa e faturo uma grana alta com o resgate. –
Pensou. – Garoto, eu sei quem é seu pai. Ele está muito preocupado com você!
Venha, eu lhe levo para a minha casa e ele te busca. Pode ser?
- Sim!
A mulher em questão o pega na mão e o leva até seu assento. O
menino coloca a cabeça sobre seu ombro, enquanto ela exibe um grande sorriso.
***
Bruna e Guilherme estão de pé, atrás de um segurança que analisa
imagens da câmera do colégio de Arthur. Bruna chega próxima ao segurança
enquanto Guilherme, impaciente, senta-se numa cadeira ao lado da porta.
- Aqui! É ele, Guilherme? – Indaga Bruna.
- Sim. Mas ele parece correr para longe!
- Ele deve ter pegado um ônibus ou seguido a pé. Ele deve ter
feito isso no descuido do segurança e para não ser pego, foi até a outra
parada. Agora, se ele fugiu a pé não deve estar muito longe!
***
Maria Paula Albuquerque adentra em seu quarto. É um local limpo:
uma cama de casal, uma escrivaninha, um hack com uma televisão de LED, um
guarda-roupa de casal e um banheiro. Traja um vestido florido e utiliza uma
bolsa a tiracolo, onde retira uma sacola plástica que contém uma faca
ensangüentada. Retira os edredons, o lençol e a capa que protege o colchão.
Ajoelha-se a frente da cama, ao lado da porta. Põe a mão num buraco que há no
colchão e retira uma carta. Depois, finca o objeto dentro do colchão e arruma a
cama. Adentra no banheiro e lava suas mãos. Senta-se na cadeira que há na
escrivaninha e lê a carta, de forma silenciosa.
Após a leitura, põe a mão sobre a testa e respira fundo. Abre a
segunda gaveta e vê o retrato de um homem.
- Você me fez muito feliz, Luciano! Deu-me um presente
maravilhoso que, infelizmente, foi tirado de mim injustamente. Acreditou em
pessoas falsas e preferiu morrer a encarar a situação. Mas ainda assim,
continuo lhe amando!
***
Passam-se das dez horas da noite. Arthur está sentado numa
pequena mesa retangular de seis pessoas. Ele serve-se pela segunda vez,
enquanto uma mulher o observa, enquanto lava a louça.
- Tia, você falou com o meu pai? – Indagara Arthur.
- Falei sim. Mas sabe o que é? – Limpara suas mãos num pano de
prato. – Ele disse que não quer mais saber de você!
- Isso não é verdade. Eu fugi porque estava com medo do que
estava acontecendo! Agora eu sei!
- Cala a boca, garoto. O seu pai nem sabe que tu ta aqui comigo.
Nem sei quem tu é na verdade.
- Mas você disse...
- Você devia ser mais esperto. Aceitou minha ajuda como se eu
fosse mesmo querer te ajudar. – Pressionou o braço do menino. – Agora limpa
aquela louça suja e depois lava o banheiro.
- Mas eu não posso fazer isso! Sou só uma criança.
- Você deve ter mordomia na sua casa, mas aqui não. É cada um
por si! Eu mando e você obedece. Faça o que eu disse.
- Não! – Correu para a porta e tentou abri-la. Estava trancada.
- Não tem como você sair. – Aproximou-se do menino e tentou
puxá-lo. Porém, ele mordera seu braço. – Droga!
Arthur vira a janela aberta. Pulara. Era uma altura pequena e,
portanto, não houve problemas na queda. Vira a mulher gritando e correra o mais
longe que pudera e chegara à praia de Copacabana. Respirara fundo e sentara-se
num banco.
***
Próxima a praia, Guilherme e Bruna indagam as pessoas com uma
foto de Arthur em mãos. Todos balançam negativamente a cabeça.
- Guilherme. Já passam das dez horas da noite. Se não o
encontramos ainda, não vai ser agora que isso vai acontecer.
- Você diz isso porque não é seu filho!
- Presta atenção! Eu estou aqui, com você, procurando o seu
filho. Eu devia estar na delegacia trabalhando. Eu já vi e investiguei inúmeros
casos assim e infelizmente, aqui no Brasil, a polícia só age depois de vinte e
quatro horas. É melhor você ir para casa e descansar. Se eu o encontrar, eu lhe
aviso.
- Eu já liguei para todos os coleguinhas dele, Bruna. Ninguém sabe...
Ninguém viu. Ele tem só sete anos! Sabe se lá o que aconteceu com ele.
- Eu sei Guilherme. A sua angústia é completamente
compreensível. Você precisa manter a calma. O jeito é esperar!
Os dois se abraçaram. Caminharam para seus respectivos carros e
seguiram caminhos diferentes, pensando um no outro.
***
Rafaela traja uma camisola curta. Seu cabelo está preso a um
coque. Ela ingere dois goles de um chá. A jovem para na porta do quarto da
filha, Giulia, de dez anos, que traja a mesma camisola para seu tamanho. A
menina dorme. Rafaela aproxima-se da cama da menina e deita-se ao lado, fazendo
cafuné em sua cabeça. Ela tem uma lembrança, mas vira para o lado e beija a
testa da filha.
- Eles não te farão mal, minha filha. Não vão! – Levantara-se e
ajeitara a menina. Por fim, dera um beijo e desligara a luz.
***
Bruna Muniz dirige o carro em uma velocidade mediana. Olha para
os lados, procurando por Arthur. Freia bruscamente, fazendo com que outros
carros buzinem. Ela aproxima-se do acostamento, sai do carro deixando-o ligado
e vai até um banco da praia, onde uma criança está deitada.
- Oi! Qual o seu nome?
A criança levanta-se assustada. É Arthur.
- Não precisa dizer, já sei quem é. – Exibira um sorriso
simpático que tranqüilizara Arthur. – Eu sou amiga do seu pai. Vou levar você
para casa, tudo bem?
- Sim...
Bruna colocara sua mão sobre a testa do menino. Estava quente.
Seu corpo tremia. Sua cabeça estava baixa.
- Você está ardendo em febre! – Bruna pegara a criança e levara
para o carro, deitando-a sobre os assentos de trás. O menino logo pegara no
sono.
Antes de entrar no carro, o celular de Bruna, que estava em seu
bolso, tocara. Era da delegacia.
- Perdoe-me a hora delegada. Mas nós descobrimos uma nova pista
do assassinato da Lana. E não é uma simples prova. É uma confissão! – Disse a
outra voz.
Nenhum comentário:
Postar um comentário