CENA 01/INT./MANSÃO
TRINDADE/SALA/NOITE
Continuação imediata do
capítulo anterior.
Ingrid e Lucas surpresos.
Maria Fernanda fria.
INGRID - Eu não posso ter
entendido direito, Maria Fernanda. Você demitiu a Madalena?
MARIA FERNANDA - Eu não lembro de ter
gaguejado, mamãe. Se você tá com dificuldade pra entender o que eu digo, é
melhor consultar um otorrino. A idade vai avançando e as doenças aparecem.
LUCAS - Mãe, pra que essa
ignorância toda? A vovó só perguntou porque ela ficou em choque com o que você
fez, né vó?
MARIA FERNANDA - Nem venham, porque a dona
Ingrid já demitiu funcionários, não é mamãe?
FLASHBACK.
Ingrid e Madalena conversam
em off, ao som de um instrumental de suspense. Madalena chora. Ingrid com uma
cesta na mão.
Volta ao presente.
MARIA FERNANDA - Oi? Mamãe? Olha só, até
se calou depois que a máscara caiu.
INGRID - (levantando) Por que você
demitiu a Madalena? MARIA FERNANDA -
Ah, muito bem. Essa é a pergunta que não quer calar. Você acredita que ela se
descuidou de uma sobrinha e deixou a peste entrar na minha mansão? Pode isso?
INGRID - Você demitiu a primeira
funcionária daqui porque a sobrinha dela entrou?
MARIA
FERNANDA - Ai mamãe, assim até parece que eu sou a vilã dessa história. Não sou
mais a Flora não, viu? A culpa não é minha se a Madalena é uma descuidada que
não tem competência nem pra criar uma criança. Imagina se eu passo a mão na
cabeça dela. Daqui a pouco a mansão iria se transformar no quê? Numa creche,
cheia de criança com o nariz escorrendo pra todo lado.
INGRID - Não, Maria Fernanda. Eu
te conheço. Você ficou com nojo da menina por ela ser pobre, não é? Se a menina
fosse de família nobre, você mesma estaria servindo cafezinho pra ela.
MARIA FERNANDA - Que morte horrível,
servir cafezinho. Coisa de pobre!
LUCAS - Olha aí, já tá colocando
as garrinhas pra fora. Como é que eu posso ser seu filho, hein?
MARIA FERNANDA - Eu tenho certeza que você
sabe como se faz um filho. Agora vão fazer o quê? Me crucificar porque eu
demiti uma incompetente? Jogar pedra em mim porque eu eliminei dois estorvos
daqui? Pelo amor de Deus, vocês já foram melhores.
INGRID - Você não podia demitir a
Madalena. Não podia!
MARIA FERNANDA - É o que todo mundo diz.
Não posso isso, não podia aquilo... Meu amor, poder é uma coisa que eu tenho. A
mansão é minha, portanto eu decido quem entra, quem sai, quem trabalha ou quem
é mandado pro olho da rua. Mas se você, mamãe, não tem braço firme com essa
cambada que chama de empregados, eu não/
Ingrid dá um tapa em
Fernanda.
INGRID - Me respeita! Eu sou sua
mãe!
Corta
rapidamente para:
CENA 02/INT./MANSÃO
TRINDADE/QUARTO FERNANDA/NOITE
Maria
Fernanda entra, irada.
MARIA
FERNANDA - Desgraçada!
Ela
joga um vaso na parede.
MARIA
FERNANDA - (senta na cama) Você pode até ser minha mãe, Ingrid, mas ninguém
ousa tocar em um fio de cabelo de Maria Fernanda Trindade! Ninguém!
Corta
para:
CENA 03/EXT./STOCK SHOTS/RIO
DE JANEIRO/NOITE-DIA
(Sonoplastia:
Pretty Girls - Britney Spears)
Amanhece.
Sonoplastia se estende até o
final da cena 04.
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CENA 04/EXT./RUA/RIO DE
JANEIRO/DIA
Walkiria caminha na calçada,
com roupas curtas e justas e duas sacolas nas mãos. Ela passa em frente a uma
construção.
PEDREIRO - Vem ser minha axila pra
eu te ter entre os meus braços, gostosa!
WALKIRIA - Que é isso? Te enxerga,
palhaço! Vai cantar a tua mãe.
PEDREIRO - Ih, olha só. Anda com
roupa apertada e não quer ser cantada.
WALKIRIA - Olha aqui, seu filho da
mãe, eu visto o que eu quiser. Se eu gosto e posso comprar, eu compro,
diferente de você, que com esse salário de pedreiro não compra nem vergonha na
cara!
Os outros pedreiros vaiam o
companheiro. Walkiria continua andando, vitoriosa.
Music fade.
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CENA 05/INT./CASA DE
WALKIRIA/SALA/DIA
Társis estirado no sofá.
Entra Walkiria.
TÁRSIS - Onde você tava?
WALKIRIA - Eu fui na dona Conceição
comprar umas roupas pra você, olha aqui.
Walkiria entrega as sacolas
a Társis.
WALKIRIA - E por falar em roupa,
você acredita que uns desassuntados tavam falando mal de mim na rua por causa
da minha?
TÁRSIS - Não é de se admirar, você
anda com um short menor que a sua/
WALKIRIA - (corta) Não termina essa
frase que o horário não permite! Já deu pra ver que você é mais um machista de
primeira.
TÁRSIS - Machista não, eu só falo
o que eu acho. A culpa não é minha se você é marrenta.
WALKIRIA - Ah, eu sou a marrenta?
Társis puxa Walkiria para o
seu colo.
TÁRSIS - Você é a marrenta!
WALKIRIA - Machista!
TÁRSIS - Marrentinha!
Os dois se beijam.
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CENA 06/INT./CASA DE
ARTURO/SALA/DIA
Arturo assiste TV. Duas
tortas em cima da mesa de centro. Kátia Flávia desce as escadas, de pijama.
KÁTIA FLÁVIA - Ô tio Arturo, cadê a minha
toalha?
ARTURO - Eu que tenho que saber? A
toalha é sua! Perdeu, procura.
KÁTIA FLÁVIA - Ai, que mau humor! Eu já
tô indo procurar.
Kátia Flávia vai para a área
de serviço. A campainha toca. Nenê sai da cozinha.
NENÊ - São eles!
Nenê abre a porta. Rosicler
e Greg.
ARTURO - As chicotadas de ontem
não foram o bastante? Olha que o chicote do meu bisavô tá guardadinho, só
esperando a hora que vai ser usado.
NENÊ - Papai, por favor! O
Gregório e a Rosicler, com quem ele me traía, vieram aqui pra nós termos uma
conversa pacífica.
GREG - (murmura) Que sutileza!
“Com quem ele me traía”.
NENÊ - Disse alguma coisa, Greg?
GREG - Eu? Não, nada!
ROSICLER - É um prazer, seu...
ARTURO - José Arturo, ao seu
dispor. Pode me chamar só de Arturo.
ROSICLER - Arturo! Mas só uma
coisinha: o Gregório é que me traía com a sua filha, não comigo.
NENÊ - Não, minha querida. Ele
sempre foi meu namorado. Eu sou a corna da história.
ROSICLER - Não, mas quem foi
chifrada fui eu. Ele me levou às nuvens com uma noite inesquecível!
NENÊ - Mas só uma noite não quer
dizer nada. Nós estamos juntos há seis meses!
ROSICLER - Não interessa, ele me
traiu. Entra Kátia Flávia, com a toalha no ombro, e para.
NENÊ - Não senhora, ele me traiu
com a sua pessoa.
GREG - Gente...
ROSICLER - Fala pra ela, Greg, da
nossa noite.
NENÊ - Isso não tem sentido!
ROSICLER - Você que vai ficar sem
sentido nenhum quando eu te acertar com essa mão aqui!
Começa uma confusão.
Gritaria e xingamentos.
KÁTIA FLÁVIA - (grita) Paroooou!
Silêncio.
KÁTIA FLÁVIA - Eu não acredito que vocês
estão brigando pra saber quem foi chifrada. Eu fui traída pelo meu noivo,
trocada por uma sem-sal, e daria qualquer coisa pra que isso não acontecesse.
Agora me aparecem duas quadrúpedes disputando o lugar de corna. Vão trocar de
lugar comigo ou essa cena toda é só pra encher roteiro? Querem ser cornas, vão
procurar um cafetão!
Kátia Flávia sobe as escadas.
NENÊ - Eu acho que ela tem
razão. Vamo fazer assim: eu fui 50% traída e você também. Tá bom assim?
Nenê estende a mão. Rosicler
hesita por alguns segundos, mas aperta a mão dela.
ROSICLER - Feito! Sem discussão as
coisas saem melhor.
GREG - Eu concordo!
ARTURO - No estado em que você tá,
não pode concordar nem discordar de nada, seu irresponsável! Tô de olho em
você!
NENÊ - É... então, Rosicler,
vamos sentar. Eu comprei duas tortas pra nós comermos, fica a vontade. Quer um
suquinho, uma aguinha?
ROSICLER - Um copo de água eu
aceito, sim.
NENÊ - Papai, vai buscar um copo
d'água pra Rosicler. ARTURO - Virei
mordomo?
NENÊ - Papai!
Arturo vai até a cozinha,
emburrado.
GREG - Bom... o que você tem em
mente pra desfazer esse nó, Nenê?
NENÊ - Primeiro, eu e a Rosicler
temos que assumir que o nosso taco não foi o bastante pra te segurar.
ROSICLER - Exato. Até porque, pra me
trocar por uma magricela que nem você, o erro só podia ser meu.
NENÊ - (levanta-se) O que foi
que você disse?
ROSICLER - Magricela, sim! Olha essas
perninhas finas de garça, uma vergonha!
NENÊ - Olha, eu te chamei aqui
pra discutir calmamente, mas já que você partiu pro insulto, vamos lá. Vergonha
mesmo é você, gorda, baleia! Se for jogada pro espaço, a NASA te confunde com
um planeta habitável.
ROSICLER - Atrevida! Pois saiba você
que homem gosta de carne, não é Greg?
GREG - Eu acho que/
NENÊ - (corta) Pena que a sua
carne é de égua, que ninguém gosta.
ROSICLER - Você tá me chamando de
égua, sua infeliz?
NENÊ - Além de gorda é burra.
Deve ser a idade.
ROSICLER - E ainda insinua que eu
sou velha. É muita falta de respeito mesmo!
NENÊ - Falta de respeito é você
me ofender na minha casa. Mas sabe o que é isso? Falta de macho! E já que não
arrumava nenhum, foi pulando em qualquer homem comprometido, e chegou no meu
Greg.
ROSICLER - Falta de macho quem tem é
a senhora sua mãe!
Nenê pega uma torta e joga
na cara de Rosicler.
NENÊ - Você não fale da minha
mãe!
ROSICLER - E você tire essa sua
torta nojenta da minha cara!
Rosicler pega a outra torta
e joga em Nenê. Começa uma briga. Greg tenta separá-las. Nenê expulsa os dois
com socos. Arturo volta da cozinha, com um copo d'água na mão.
ARTURO - Pra quem era a água
mesmo?
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CENA 07/INT./MANSÃO
TRINDADE/SALA DE JANTAR/DIA
Lucas, Vitória e Ingrid tomam
café da manhã.
VITÓRIA - Então quer dizer que
nunca descobriram quem matou o seu Otávio?
INGRID - Nunca, minha filha,
nunca! A polícia há tempos não aparece por aqui com alguma notícia, não sei,
uma suspeita.
LUCAS - Eu fico imaginando quem
seria capaz de fazer uma barbaridade daquelas logo com o vovô, que nem inimigos
tinha.
VITÓRIA - Só pode ter sido uma
pessoa com um coração de pedra, não é?
Maria Fernanda entra.
MARIA FERNANDA - O que essa barata de
esgoto tá fazendo aqui?
Todos se entreolham.
LUCAS - Mãe, eu tô namorando com
a Vitória.
INGRID - E eles têm o meu total
apoio, viu?
MARIA FERNANDA - Namorando?
Maria Fernanda fica em
choque.
VITÓRIA - É, dona Maria Fernanda. A
gente se conhece a pouco tempo, claro, mas parece muito mais.
LUCAS - Isso aí!
INGRID - Não vai cumprimentar a
sua nora, Fernanda?
Maria Fernanda não presta
atenção em nada do que falam.
FLASHBACK.
Imagem escura e turva. Não vemos nada além de vultos. Ouvem-se
gritos e um tiro.
MARIA FERNANDA - (V.O./grita) Maurílio!
Ouve-se mais um tiro.
De volta ao presente.
Maria Fernanda deixa uma
lágrima cair, mas mantém-se imóvel.
LUCAS - Mãe? Mãe, você tá
chorando?
VITÓRIA - Ai, dona Fernanda. Assim
eu me sinto ofendida! Poxa, qual o problema de eu namorar o Lucas? A senhora me
conhece desde que eu era pequena, era amiga do meu pai, lembra?
MARIA FERNANDA - Laerte...
VITÓRIA - Exatamente, esse era o
nome do meu pai: Laerte. Lembrou?
Ingrid se assusta e deixa o
copo no qual bebia cair.
LUCAS - Vó, você tá bem? O que
aconteceu?
INGRID - (nervosa) Nada não,
Lucas. Eu... perdi o apetite. Com licença!
Ingrid sai.
VITÓRIA - Gente, o que tá
acontecendo? O problema é comigo?
MARIA FERNANDA - Maurílio...
Maria Fernanda sai de casa
correndo.
LUCAS - O que foi isso? O que deu
nelas?
VITÓRIA - Quem é esse Maurílio que
a sua mãe falou?
LUCAS - Não faço ideia.
VITÓRIA - Estranho...
Close em Lucas.
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CENA 08/INT./MANSÃO
TRINDADE/QUARTO INGRID/DIA
(Sonoplastia: Blues da
Piedade - Cazuza)
Ingrid chora sentada na
cama, vendo um álbum de fotos. Ela acaricia uma foto em preto-e-branco de um
homem.
INGRID - Meu filho...
MUSIC FADE.
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CENA 09/INT./CASA DE
ARTURO/SALA/DIA
Arturo e Nenê limpam a sala.
Sandra chega.
SANDRA - O que aconteceu? Um
furacão passou por aqui?
NENÊ - Furacão não sei, mas
passou uma fulana tão rodada quanto.
SANDRA - E aproveitou pra rodar a
casa, hein?
ARTURO - Você não quer se adaptar
ao clima de bagunça? Eu te jogo na cama e te bagunço todinha!
NENÊ - Papai! ARTURO - O quê? Eu
tô velho, mas não tô morto. E tem mais: se não for naturalmente, eu tomo a
azulzinha e pronto.
SANDRA - Seu Arturo, por favor...
assim eu fico envergonhada.
Kátia Flávia desce as
escadas.
KÁTIA FLÁVIA - Até parece que você tem
vergonha de alguma coisa. É tão piriga que já nem sabe mais o que é vergonha.
SANDRA - Ah, você já tá aqui?
Misericórdia...
KÁTIA FLÁVIA - É, minha querida. Eu não
sei se você lembra, mas eu moro aqui. Essa casa é minha!
NENÊ - Sua uma vírgula! A casa é
do meu pai, você é só um encosto.
KÁTIA FLÁVIA - Ai, prima desnaturada! Tá
pior que a síndica da pensão onde eu morava, a tal da Geni, feita pra apanhar e
boa de cuspir.
SANDRA - Olha, eu vim aqui pra
fazer o meu trabalho. Se você me dá licença, Kátia Cachaça, eu vou ao quarto do
seu Arturo arrumar a cama dele.
KÁTIA FLÁVIA - Kátia Cachaça? Essa é a
sua originalidade com apelidos, Sandra Salamandra?
SANDRA - Ai, que infantil você.
Deus me livre! Dá licença.
Sandra sobe as escadas.
KÁTIA FLÁVIA - Infantil? Gente, vocês acham
que eu sou infantil?
ARTURO - Infantil é apelido.
KÁTIA FLÁVIA - Ah, é? Então fiquem sabendo
que a Kátia Flávia infantil morre aqui!
Nenê e Arturo riem.
KÁTIA FLÁVIA - Vão rindo, vão rindo! Quero
só ver vocês rirem quando a nova Kátia Flávia entrar por essa porta. Vão rindo!
Kátia Flávia sai.
NENÊ - Nova Kátia Flávia...
Os dois riem de novo.
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CENA 10/EXT./CEMITÉRIO/DIA
SONOPLASTIA: Tema triste.
Maria Fernanda caminha pelo
cemitério, chorando, até que chega em uma lápide com as inscrições: MAURÍLIO
RAMOS TRINDADE. 1964 - 1995. Maria Fernanda passa a mão sobre a lápide e chora
ainda mais.
MARIA FERNANDA - Meu irmão...
CAM vai subindo até não
podermos mais ver Fernanda.
FIM DO CAPÍTULO
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