domingo, 10 de janeiro de 2016

Capítulo 16: CASTELO DE CARTAS




CENA 01/QUARTO ESCURO/INT./DIA
Continuação imediata do capítulo anterior.
Greg parado em frente a Társis. Danilo amarrado em uma cadeira e com uma fita na boca.
TÁRSIS - Responde! Quem é você? Tá fazendo o que aqui?
GREG - O meu nome é Greg. Eu tô fugindo de umas pessoas e encontrei esse lugar. O que é... aqui?
TÁRSIS - Não é da tua conta. Vaza!
Corta para Danilo, que ouve a conversa.
GREG - (off screen) Calma, eu só queria saber. Não é comum encontrar um esconderijo assim num beco da Gomes Freire.
Danilo surpreende-se. Corta para Társis e Greg.
TÁRSIS - Cala a boca! Não fala onde a gente tá.
GREG - Por que não? A avenida mudou de nome, não é mais Gomes Freire?
TÁRSIS - Calado, seu idiota! O que você tá fazendo aqui, afinal?
GREG – Eu já disse! Me escondendo de umas mulheres que... enfim, eu tô me escondendo.
TÁRSIS - Só que eu não tenho nada a ver com isso. Vaza!
GREG - Tá bom! Eu já tô indo!
Greg sai. Társis vai até Danilo e arranca a fita da boca dele.
TÁRSIS - O que foi que você ouviu dessa conversa?
Closes alternados entre Danilo, suando frio, e Társis, bravo.
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CENA 02/CASA DE ARTURO/SALA/INT./DIA
Arturo assiste TV. Kátia Flávia come uma barra de chocolate e se suja.
KÁTIA FLÁVIA – (boca cheia) Ô tio Arturo, cadê aquele poste vestido de gente da Sandra? Ainda tá arrumando o quarto?
ARTURO – (sem olhar para Kátia) Poste vestido de gente é a senhora sua vó.
KÁTIA FLÁVIA – A senhora minha vó é a senhora sua mãe, cê sabe, né?
ARTURO – Mamãe era alta mesmo. Quando ela tomava um iogurte, ele só chegava no estômago quando já tava vencido.
KÁTIA FLÁVIA – Tá, chega de falar da família. Cadê a Sandra?
ARTURO – Tá no quarto, arrumando tudo. Ela é muito da eficiente, viu?
KÁTIA FLÁVIA – Sei, eficiente. Eu até podia fazer um trocadilho com isso, mas agora eu sou uma mulher madura, que não vê graça nessas coisas.
Arturo se vira para Kátia Flávia e a vê toda suja.
ARTURO – Se diz madura mas não sabe comer uma barra de chocolate sem se sujar.
KÁTIA FLÁVIA – Eu tô muito suja, tio Arturo?
ARTURO – Só no rosto todo.
KÁTIA FLÁVIA – Meu Deus do céu, o que o Lucas acharia de mim se me visse assim?
ARTURO – Veja pelo lado bom; não é chocolate branco. Se fosse, ele acharia pior de você.
KÁTIA FLÁVIA – Que cômico você tá hoje, tio Arturo! Tô rindo muito!
Kátia Flávia limpa a boca e lambe os dedos.
ARTURO - Falando em chocolate branco, eu vou ali falar com a Sandra. Juízo aí!
Arturo levanta e sobe as escadas.
KÁTIA FLÁVIA – É, não vai se empolgando muito não, porque a coisa mais próxima de chocolate branco que pode sair de você é a sua baba!
Kátia Flávia põe os pés sobre a mesa de centro.
KÁTIA FLÁVIA – Ah, mulher madura não faz isso.
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CENA 03/MANSÃO TRINDADE/SALA/INT./DIA
Ingrid sentada no sofá. Lucas e Vitória em outro sofá, se beijando. Maria Fernanda desce as escadas.
MARIA FERNANDA – A minha mansão virou motel pro casalzinho ficar se pegando toda hora? Tratem de desgrudar essas bocas agora mesmo!
Vitória e Lucas coram. Maria Fernanda senta ao lado de Ingrid.
MARIA FERNANDA – E aí, mamãe? Como é que vai?
INGRID – Ainda com uma dor de cabeça, mas nada que me incomode muito.
MARIA FERNANDA – Isso é bom! Muito bom! E... a senhora não lembrou de nada que aconteceu antes do desmaio?
INGRID – Não, até agora nada.
LUCAS – Que atenção toda é essa agora, mãe?
MARIA FERNANDA – Ora, eu só estou preocupada com a minha mãe. Aliás, você deveria fazer o mesmo. Desde que você era criança, nunca mais se preocupou com as coisas que acontecem comigo, nem nada. Mãe também é carente, tá?
LUCAS – Até parece, dona Fernanda.
MARIA FERNANDA – Eu tô falando sério. Gente, eu não sou uma boa mãe?
Silêncio. Todos se entreolham. Maria Fernanda levanta-se.
MARIA FERNANDA – Pois bem! Eu vou sair, e, se alguém se importa, eu volto à noite. Bye, bye!
Maria Fernanda sai.
VITÓRIA – Ah, gente. Que pena dela! Olha só isso, parece que ela mudou.
LUCAS – Pena? Pena, Vitória? Depois de tudo que ela fez, humilhou a Madalena, fez alguma coisa pra minha avó desmaiar, você tá com pena dela? Tá na cara que isso é teatrinho pra ela ser a última suspeita de ter feito alguma coisa aqui. Você ainda cai na conversinha dela, Vitória?
VITÓRIA – Calma, eu só pensei. Mas agora que você falou, faz todo o sentido ela se fazer de oprimida, boazinha.
LUCAS – E essa mudança foi repentina, né?
VITÓRIA – Repentina, exatamente! Nossa, realmente ela tem alguma culpa no cartório.
LUCAS – Isso aí.
Angélica sai da cozinha correndo, com um pote de chocolate na mão. Madalena corre atrás dela.
MADALENA – Volta aqui, Angélica! Menina, esse chocolate é pros brigadeiros de antes da ceia!
ANGÉLICA – Eu não vou conseguir aguentar até amanhã, tia Madá! Não tem como!
Angélica come mais um pouco do chocolate.
MADALENA – Mas esses brigadeiros são justamente pros apressadinhos que não aguentam esperar até meia noite. Devolve aqui esse chocolate. Você pode se cortar com a embalagem!
LUCAS – Calma, Madalena. Deixa ela comer, daqui a pouco a gente compra quantos potes forem precisos.
VITÓRIA – Mas será que a gente não vai poder comer nem um pouquinho?
ANGÉLICA – Claro.
Angélica vai até Lucas e Vitória e eles tiram um pouco de chocolate do pote. Madalena e Ingrid sorriem.
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CENA 04/QUARTO ESCURO/INT./DIA
Danilo amarrado, suando, e Társis à sua frente.
TÁRSIS – Responde, carvão! O que foi que você ouviu dessa conversa?
DANILO – Que... que conversa? Eu não ouvi nada, Társis.
TÁRSIS – Você não tá me enganando não, né? Porque, se eu souber que eu tô sendo feito de idiota por você...
Társis tira uma arma do bolso e põe no pescoço de Danilo.
TÁRSIS – Já sabe!
DANILO – Eu... eu juro! Eu não ouvi nada, nem sabia que... tinha alguém aqui. Eu juro!
Társis baixa a guarda e tira a arma do pescoço de Danilo.
TÁRSIS – Fica esperto, moleque!
Társis põe outra fita na boca de Danilo e sai.
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CENA 05/CASA DE ARTURO/QUARTO/INT./DIA
Sandra limpa um lugar alto com um espanador, em cima de uma escada, e Arturo observa, animado.
ARTURO – Sandrinha, minha deusa, você podia subir mais um pouquinho nessa escada pra limpar lá em cima?
SANDRA – Lá eu já limpei, seu Arturo.
ARTURO – Mas eu ainda tô vendo uma sujeirinha ali. Limpa só mais um pouquinho.
SANDRA – Olha lá, hein! Eu tô achando que isso é estratégia sua pra ver a minha calcinha. Se for isso, pode ir/
ARTURO – (corta) Sandra, como é que você pode pensar isso de mim? De um senhorzinho inocente, que está apenas vivendo seus últimos dias de vida que ainda restam. Eu nunca tive essa intenção.
SANDRA – Tá bom, seu Arturo. Eu limpo de novo.
Sandra sobe dois degraus. Sua calcinha fica visível.
ARTURO – Que dádiva!
SANDRA – É o que, seu Arturo?
ARTURO – Digo, o dia. O dia está uma dádiva dos deuses. Um sol lindo, nenhuma nuvem no céu, da janela eu posso ver até a calcinha... quer dizer, a pracinha sem nenhum lixo. Uma obra de arte!
Sandra volta a limpar, desconfiada. Arturo ri.
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CENA 06/RIO DE JANEIRO/RUA/EXT./DIA
(SONOPLASTIA: MUITO GELO E POUCO WHISKY – MÁRCIA FELLIPE)
Takes de Rosicler, Mayara e Nenê procurando por Greg. Elas procuram atrás de latas, em arbustos, em todo lugar. Não o acham.
Funde com:
CENA 07/CASA DE ROSICLER/EXT./DIA
SONOPLASTIA CONTINUA.
Rosicler, Mayara e Nenê bufam de cansaço, apoiadas num muro.
NENÊ – Ah! Ah! Eu já não tenho mais idade pra ficar correndo atrás de macho, não.
MAYARA – Até eu, novinha como sou, não aguento nem mais dar um passo. Desisto de encontrar aquele traste.
ROSICLER – Pelo amor de Deus, de Nossa Senhora e de todo o povo lá de cima... para tudo que eu quero descer! Meus pés viraram umas pipocas e minha coluna, uma vara de pescar.
NENÊ – Tá ficando escuro, é melhor cada uma ir pra sua casa. Mas nós ainda vamos dar o troco naquele safado do Greg!
MAYARA – Ah, se vamos!
Elas põem uma mão sobre a outra e levantam.
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CENA 08/RIO DE JANEIRO/STOCK SHOTS/EXT./DIA-NOITE
SONOPLASTIA CONTINUA.
Movimentos rotineiros. A cidade toda enfeitada para o Natal. Anoitece e as luzes dos prédios e casas se acendem. Mercados se fecham.
Amanhece. Pessoas saem de suas casas em trajes despojados. Trânsito engarrafado nas avenidas. Praias lotadas. Shoppings cheios.
Anoitece novamente. Cidade brilhando com os enfeites natalinos. Engarrafamento na saída da cidade.
SONOPLASTIA CESSA.
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CENA 09/MANSÃO TRINDADE/SALA/INT./NOITE
A mansão toda decorada de modo natalino. Luzes pra lá e pra cá. Todos reunidos na sala. Lucas e Vitória conversam. Maria Fernanda observa tudo com desdém. Ingrid chega da cozinha batendo numa taça com um garfo.
INGRID – Atenção! Atenção! Já são quase 12 horas, já podemos começar o amigo secreto!
MARIA FERNANDA – Tomara que a pessoa que sorteou você lhe dê um jogo de taças de cristal novinho, mamãe. As taças não são pra ficar servindo de sino, não.
LUCAS – Mãe, bem menos.
INGRID – Bem, se não tivermos mais interrupções, eu começo.
Ingrid vai até a árvore de Natal e pega um embrulho vermelho e branco.
INGRID – O meu amigo oculto é uma pessoa muito bonita/
MARIA FERNANDA – Ah, mamãe. Obrigada pelo elogio! O que é? Taças novas?
INGRID – Eu posso continuar?
Silêncio.
INGRID – Pois bem... essa pessoa chegou há pouco em nossas vidas, mas já nos faz muito bem. Ela pode ser considerada uma pessoa famosa mundialmente por esbanjar sua beleza nas passarelas de vários países. O meu presente é pra Vitória Vasconcelos!
Todos aplaudem. Vitória levanta-se, abraça Ingrid e recebe o presente. Ingrid senta-se na poltrona. Vitória pega uma caixa verde média embaixo da árvore de Natal.
VITÓRIA – A pessoa que eu sorteei é loira, muito linda e... não é o meu namorado. Hahaha! Maria Fernanda, é pra você!
Aplausos. Maria Fernanda levanta-se e recebe o presente. Vitória tenta abraça-la, mas ela se esquiva.
MARIA FERNANDA – Não precisa disso, garota.
Vitória vai para seu lugar, sem graça, e abre o presente. Maria Fernanda pega um embrulho azul com bolinhas brancas.
MARIA FERNANDA – Eu quero pedir que não notem no embrulho com essa estampa cafonérrima, mas vocês sabem, né? Aquelas meninas gordas de óculos que embalam os presentes não sabem nada de modernidade. Enfim, a pessoa que eu sorteei não gosta de tomar banho desde a infância, até hoje tem aquele cecê horrível e vive encostado aqui em casa, porque emprego nunca foi procurar. Vem pra cá, Lucas, meu amor!
Lucas se levanta, sem graça, recebe o presente e Maria Fernanda vai sentar no sofá.
LUCAS – Você falou do meu cecê, mas nessa estendida de não pra me dar o presente, o mau cheiro veio de você. Fica esperta, mãe!
Todos riem, menos Fernanda. Lucas pega um embrulho cor-de-rosa na árvore.
LUCAS – Bom, o meu amigo oculto, logicamente é a minha avó. Mas mesmo assim, eu faço questão de falar dela. A dona Ingrid é uma mulher guerreira, humilde, até hoje é linda e, acima de tudo, feliz! Vovó, é pra você.
Ingrid levanta-se, emocionada, e abraça Lucas.
INGRID – Desse jeito eu vou chorar!
LUCAS – Te amo, vó!
Os dois ficam ali, abraçados.
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CENA 10/CASA DE ROSICLER/SALA/INT./DIA
CAM chicote mostra a casa toda decorada. Guirlanda na porta, alguns anjinhos pendurados no corrimão da escada e uma árvore de Natal média embaixo da escada.
CAM chega à sala de jantar, onde estão Rosicler e Nínive, sentadas e desanimadas. Mesa farta, com um peru no centro e uma garrafa de champanhe.
ROSICLER – Eu queria tanto que o meu filho estivesse aqui, passando o Natal com a gente. Onde será que ele tá agora? Será que tá passando fome? Será que tá com frio?
NÍNIVE – O Társis sabe se virar. Ele deve estar morando na casa da Walkiria, e, provavelmente, nem se lembrando da gente. O que me preocupa é o Danilo. O que aconteceu com ele?
ROSICLER – É, minha filha... esse é o pior Natal que a gente já passou. A família toda desestruturada. Agora só temos uma à outra.
NÍNIVE – E é assim que nós vamos passar esse Natal. Só nos duas, mas sempre juntas.
Nínive pega na mão de Rosicler. As duas são um sorriso faceiro.
Corta para:
CENA 11/QUARTO ESCURO/INT./NOITE
Danilo dorme, amarrado. Társis entra, com um copo d'água. Ele bate na cabeça de Danilo, que acorda, assustado. Társis tira a fita de sua boca.
DANILO – O que você quer agora, Társis?
TÁRSIS – Calma! Vim te dar um feliz natal. Pena que, pra você, não vai ser tão feliz. Tó, pra matar a sede.
Társis põe o copo na boca de Danilo, que bebe a água rapidamente. Társis tira o copo da boca dele.
DANILO – Eu quero mais.
TÁRSIS – Ah, quer mais? Vai ficar querendo, pivete! Agora eu vou na casa da minha gata passar o natal com ela. Só que hoje eu tô bonzinho, então vou te deixar passar essa noite sem a fita na boca. Pode gritar o quanto quiser, ninguém vai ouvir mesmo. Tá todo mundo na sua casa comemorando o Natal. E, se você não tivesse saído do seu lugar, que é na favela, você também poderia estar fazendo isso. Feliz Natal!
Társis sai. Danilo chora.
DANILO – (grita) Desgraçado!!!
Corta para:
CENA 12/MANSÃO TRINDADE/SALA/INT./NOITE
Todos sentados no sofá, rindo, conversando e vendo seus presentes. Maria Fernanda toma um vinho do lado da escada, olhando torto pra todo mundo.
Vitória mexe o nariz.
VITÓRIA – Gente, vocês também estão sentindo esse cheiro?
LUCAS – É, agora que você falou, eu também tô sentindo. Parece coisa queimada.
INGRID – O peru! Maria Fernanda, minha filha, vá até a cozinha e veja se o peru passou do ponto.
MARIA FERNANDA – Eu? Euzinha aqui? Me fazendo de escrava no Natal! Que feio, mamãe!
VITÓRIA – É bom ir logo, porque se o peru ainda estiver bom, podemos comer.
MARIA FERNANDA – “Se o peru ainda estiver bom, podemos comer”. Claro que podemos comer, sua anta! Pois bem, eu vou, mas quero receber meu décimo terceiro por isso.
Maria Fernanda vai até a cozinha.
Corta para:
CENA 13/MANSÃO TRINDADE/COZINHA/INT./NOITE
Maria Fernanda entra e abre o forno. De lá, tira um peru todo preto, queimado.
MARIA FERNANDA – É, peruzinho. Não vai dar pra fazer nada por você.
Maria Fernanda joga o peru na lixeira, com bandeja e tudo.
 Corta para:
CENA 14/ MANSÃO TRINDADE/ SALA/ INT./ NOITE
Da cozinha, vem Maria Fernanda. Ela vai até o sofá, onde Lucas, Vitória e Ingrid, tomam vinho e conversam alegres. Maria Fernanda fica ali, olhando eles, até que é notada.
LUCAS – Pode sentar ai, mãe.
MARIA FERNANDA – E você acha que eu estava esperando a sua permissão, moleque? Não, eu não estava, eu não preciso que ninguém me diga o que fazer. Eu só estava achando engraçado a família do comercial de margarina enchendo a cara enquanto eu, euzinha, fico de escrava. Vem cá, hein, de quem foi a brilhante ideia de dispensar os serviçais logo no natal?
INGRID – Minha. E foi mesmo uma brilhante ideia, pois como você mesma lembrou, hoje é natal, dia de passar com a família. E nós daremos conta, não é o fim do mundo.
MARIA FERNANDA – Ah é? Ótimo, então vai dar um jeito lá na cozinha que o peru queimou.
VITÓRIA – Ah, mas eu já vim prevenida. Eu trouxe um peru pra ceia.
MARIA FERNANDA – Como assim, garota? Olha, meu filho, eu não sei você, mas eu acho o cúmulo da bizarrice alguém andar armado com um peru. Essa garota é doida.
VITÓRIA – Eu trouxe pra não vir de mãos vazias, apenas. Mas daí o Lucas disse que não era preciso e eu deixei na geladeira... Acho que agora nós vamos precisar.
LUCAS – E dessa vez é melhor alguma pessoa ficar na cozinha vigiando, porque nós não temos estoque.
MARIA FERNANDA – Tudo bem. A magricela vai lá.
VITÓRIA – Eu?
MARIA FERNANDA – Viu só, Lucas? Se a gente adestrar direitinho ela até responde pelo nome.
INGRID – Maria Fernanda, comporte-se! Hoje é natal.
MARIA FERNANDA – Com toda essa decoração idiota eu juro que cheguei a pensar que era carnaval...
INGRID – Chega, Maria Fernanda! E pondo fim na discussão, eu mesma vou preparar o peru para a ceia. Quando eu era nova, adorava fazer isso.
MARIA FERNANDA – Não sabia que na sua época já tinham inventado a cozinha.
INGRID – Você pode até achar graça, mas adorava quando eu cozinhava. Infelizmente, com os empregados, eu acabei deixando de praticar. Hora de voltar à cena. Se divirtam, eu volto logo.
MARIA FERNANDA – Não vá morrer em cima do peru, ouviu?
VITÓRIA – Não quer ajuda, dona Ingrid?
INGRID – Não. Muito obrigada, mas hoje você é convidada do meu neto, minha querida. Aproveite.
Ingrid sorri e sai, deixando os outros ali, silenciosos, um clima desagradável no ar. Maria Fernanda claramente entediada.
MARIA FERNANDA – Hoje não tem especial Roberto Carlos na TV?
VITÓRIA – Não, já passou.
MARIA FERNANDA – Tá, cala a boca.
LUCAS – MÃE! Isso são modos?
VITÓRIA – Deixa, Lucas. É natal, não vamos discutir.
MARIA FERNANDA – Engraçado como as pessoas acham que hoje é um dia especial, né? O ano todo a gente se mata e hoje você quer se fazer de Santa, como se sua alma fosse pro céu por isso. Me poupe. Ah, que tédio! Eu nunca pensei que fosse dizer isso, mas bem que a Kátia Flávia podia estar aqui, né? Aquela favelada sabe como animar o ambiente.
VITÓRIA – Olha, eu poderia fazer/
MARIA FERNANDA – (corta) Muito obrigado, mas se for pra armar presépio de natal e fazer oração pro papai do céu eu recuso. Ah, que se dane. Vou ver televisão que eu ganho mais.
Maria Fernanda liga a televisão, onde é exibido um desenho animado qualquer.
Corta para:
CENA 15/MANSÃO TRINDADE/COZINHA/INT./NOITE
Ingrid colocando uma forma com um peru no forno. Ajusta o aparelho e vai até o balcão, onde começa a picar alguns tomates, com um olhar distante.
INGRID – Otávio... A gente jurou que ia passar todos os natais juntos um do outro. Mas agora... Eu me sinto tão vazia.
Sons de batidas na madeira. Madalena e Angélica paradas na porta da cozinha.
INGRID – Madalena? Ainda está aqui?
MADALENA - Oi, dona Ingrid, feliz natal. Eu vim avisar que, já que a senhora dispensou os funcionários, eu e a Angélica vamos passar o natal na rua, numa lanchonete qualquer. A senhora ainda vai precisar de alguma coisa?
INGRID – Não, de nada. Tenha um feliz Natal, Madalena. E você também, Angélica!
Madalena assente e vai saindo. Ingrid parece refletir.
INGRID – Mas... Pensando bem, a ceia tá farta. Tá faltando gente pra tanta coisa. Que tal vocês duas passaram o natal conosco, Madalena? Você se incomoda?
MADALENA – Seria ótimo dona Ingrid. Mas eu não sei se posso. Dona Maria Fernanda não ficaria feliz/
INGRID – Eu ainda sou a dona dessa casa, não é mesmo? Pelo menos eu acho que aquele pedaço de papel é uma grande farsa. Bem, você fica, eu já decidi. A menos que você realmente não queira... Mas eu ficaria muito sentida. Sempre gostei de passar o natal em família, e como você bem sabe, Otávio me faz muita falta.
MADALENA – Tudo bem, dona Ingrid. Eu e a Angélica ficamos. Mas com uma condição.
INGRID – Qual?
MADALENA – Eu ajudo a senhora aqui na cozinha. Quando terminarmos eu me junto aos demais. Tudo bem?
INGRID – Se é assim que você quer, que assim seja. Angélica, pode ir ver TV na sala.
ANGÉLICA – Muito obrigado, dona Ingrid.
Angélica sai. Ingrid e Madalena começam a ler um livro de receitas e cortar legumes.
Corta para:
CENA 16/ MANSÃO TRINDADE/ SALA/ INT./ NOITE
Lucas e Vitória namorando no sofá. Maria Fernanda vendo televisão na poltrona. Entra Angélica, correndo, e senta na poltrona ao lado dela.
MARIA FERNANDA – Que foi? O ministério dos sem teto invadiu a casa pra passar o natal?
ANGÉLICA – Não. A dona Ingrid disse pra eu ver TV na sala.
MARIA FERNANDA -  E tua tia, a tal da Madá? Desencarnou?
ANGÉLICA – Ela tá ajudando a sua mãe na cozinha.
MARIA FERNANDA – Então a velha, que de boba não tem nada, deu um jeito de botar a criada pra ralar, é? Gostei.
ANGÉKICA – Não. Nós vamos passar o natal aqui, com vocês.
MARIA FERNANDA – Aqui? Comigo?
ANGÉLICA – É. E sua mãe disse que ela quem manda na casa.
MARIA FERNANDA – Minha mãe tá senil, garota, não manda nem nos próprios remédios da cabeça! A casa é minha, tá no testamento de papai.
LUCAS – Mãe, o que aconteceu?
MARIA FERNANDA – A revolta do proletariado, meu filho. Isso aconteceu.
VITÓRIA – Oi, Angélica. Tudo legal?
ANGÉLICA – Tudo. Eu e minha tia Madá vamos passar o natal com vocês.
LUCAS – Que boa notícia! Essa casa estava precisando de mais gente pra aproveitar toda aquela comida, mesmo.
A campainha começa a tocar. Todos se encarando, esperando alguém tomar atitude.
ANGÉLICA – A senhora é dona da casa, dona Maria Fernanda.
FERNANDA – E você é sobrinha da empregada.
LUCAS – Mãe! Deixa que eu abro. Meu braço não vai cair.
Ele vai até a porta, e abre. Kátia Flávia lá, parada, sorrindo.
KÁTIA FLÁVIA – Adivinha quem veio para o jantar? Jingle Bell!
LUCAS – Kátia Flávia, é você?
KÁTIA FLÁVIA – E agora loiríssima!
Lucas encarando ela, um pouco chocado. Da sala, Maria Fernanda sorri. Vitória constrangida.
Corta para:
CENA 17/CASA DE WALKIRIA/SALA/INT./NOITE
Társis e Walkiria sentados no sofá, se beijando. Walkiria faz o beijo cessar.
TÁRSIS – Que foi? Não tava gostando?
WALKIRIA – Não é isso, eu tava adorando. É que agora eu lembrei de te dar uma notícia, tipo, espetacular.
TÁRSIS – Manda aí.
WALKIRIA – Eu me inscrevi num concurso pra ser bailarina do Faustão.
TÁRSIS – Como é que é? Concurso?
WALKIRIA – Isso. Dá um dinheirão e, se eu ganhar, vou ter uma posição de destaque.
TÁRSIS – Mas o Domingão do Faustão é gravado em São Paulo. Você vai ter que ir pra lá?
WALKIRIA – É, eu vou. Ai, mas vai ser fantástico. Imagina eu, todo domingo, no Faustão, dançando pro Bra/
Társis interrompe Walkiria com um beijo.
TÁRSIS – Eu não quero você só aos domingos. Eu te quero todo dia.
O beijo fica cada vez mais quente.
Corta para:
CENA 18/CASA DE WALKIRIA/QUARTO/INT./NOITE
(SONOPLASTIA: PRA SER SINCERO – ENGENHEIROS DO HAWAII)
Vemos as sombras de Walkiria e Társis projetadas na parede do quarto. Eles tiram as roupas, vagarosamente. Um beija todo o corpo do outro. Começam a fazer movimentos repetidos, sentados na cama. Por fim, se beijam.
SONOPLASTIA CESSA. Corta para:
CENA 19/ MANSÃO TRINDADE/ SALA/ INT./ NOITE
Kátia Flávia vai entrando, fazendo uma pose diferente, ereta. Lucas fecha a porta, e ambos vão até a sala.
KÁTIA FLÁVIA – Bom dia, povo belo. E bom dia pra você também, Vitória Palmatória. Se bem que não é bom dia, é boa noite... Mas é quase meia noite, né? E a noite é uma criança.
MARIA FERNANDA – Kátia Flávia! Que alegria ver você aqui!
KÁTIA FLÁVUA – Alguém substituiu minha ex-sogrinha por um clone do bem? Ou ela bateu a cabeça?
MARIA FERNANDA – Me afoguei, querida. Me afoguei nas águas do tédio que é passar uma hora inteira com a Maria Magrela. Mas sente-se, vamos conversar. A empregada e a minha mãe estão fazendo a gororoba, logo tá na mesa.
KÁTIA FLÁVIA – Tudo bem. Mas não sei se devo me adequar a sua conversa de falar mal das pessoas, pois eu estou mudada, como bem podem ver. Sou outra pessoa.
MARIA FERNANDA – Ah, ótimo. A Derrota e a Desistência, ambas reunidas aqui, na minha sala. Quem mais vem? O suicídio? Se bem que o suicídio tá lá na cozinha, recheando um peru... Que baixo nível.
Vitória se retrai.
LUCAS – Talvez o problema esteja na senhora, mãe. Nunca satisfeita com nada. Já parou pra pensar que é sempre você quem começa os problemas?
MARIA FERNANDA – Pronto. A Derrota, a Desistência, o Suicídio e o Panaca. O clube está reunido. Eu mereço...
Lucas se levanta, exaltado.
LUCAS – Não, você não merece. Não merece um filho como eu, uma mãe como a vovó, uma nora como a Vitória. Nem uma ex nora como a Kátia Flávia a senhora merece, e olha que isso aí é chave de cadeia.
KÁTIA FLÁVIA – Eu tô aqui...
LUCAS – Seu problema, mãe, é que a senhora não merece nada disso aqui, e mesmo assim não vai embora. Insiste em estragar a felicidade alheia. Quer saber? Eu vou embora. Vamos, Vitória.
Vitória se levanta.
FERNANDA – Eu não quis/
LUCAS – (corta) Quis sim. E como quis. Estragar a vida das pessoas que te cercam é tudo que você mais quer.
MARIA FERNANDA – Trégua! Uma trégua natalina, é o que eu proponho. Não vai embora meu filho, não faz isso comigo... Nem com a sua avó. Você acha que ela aguenta mais uma decepção?
VITÓRIA – Lucas, releva. Dessa vez, por favor.
Lucas baixa a guarda. Dá as mãos pra Vitória.
LUCAS – Pela minha avó.
KÁTIA FLÁVIA – Que barraco, meu povo. E eu pensava que vocês precisavam de mim pra isso.
MARIA FERNANDA – Ninguém precisa de você aqui pra nada. Nem meu filho, que não é lá muito inteligente, quis você. Você é sempre a última opção, Kátia. Tanto é que tá aqui, agora. E a sua família? Cadê? Não devem ter suportado olhar mais um pouco pra essa sua cara ridícula.
Silêncio desagradável. Kátia Flávia tocada, recua.
KÁTIA FLÁVIA – Eu... Acho que é melhor pra todo mundo aqui que eu vá embora. Não quero estragar o natal de ninguém. Jingle Bell!
Ela sai. Lucas encara Maria Fernanda, incrédulo.
LUCAS – Você pegou pesado.
MARIA FERNANDA – Eu nunca pego leve.
LUCAS – Você é um ser humano horroroso.
MARIA FERNANDA – E você tem meu sangue, querido. Vai ter que lidar com isso como um homem. Ou não. Ou você deixa isso te devorar, como o covarde que talvez você seja.
VITÓRIA – Cala a boca, Maria Fernanda! Até eu cansei desse seu show ridículo! Eu vou atrás dela.
Vitória sai. Maria Fernanda ri.
MARIA FERNANDA – Maria Derrota e Katia Desistência amiguinhas. Vai ter festa hoje, hein, filho?
Lucas encara ela, furioso. Angélica observa tudo, comendo algumas uvas que pegou da mesa, parecendo estar se entretendo.
Corta para:

CENA 20/ MANSÃO TRINDADE/ EXT./ NOITE
Muito vento. Kátia Flávia indo em direção ao portão, com um olhar meio perdido. Vitória vem correndo atrás, alcança.
VITÓRIA – Não liga pro que ela disse. Eu já desisti de tentar saber o que se passa na cabeça dessa louca.
KÁTIA FLÁVIA – Talvez se passe um pouco de verdade. Qual o sentido de eu estar aqui, sendo humilhada, Vitória Palmatória?
VITÓRIA – A única pessoa que te humilhou hoje foi a Maria Fernanda, e ela não é muito boa da cabeça. Se eu te disser que gostei da sua presença aqui, hoje, você diria que eu enlouqueci. Mas é verdade. Natal e época de perdão e/
KÁTIA FLÁVIA – (corta) Tá bom, eu volto, mas cala essa boca, pelo amor de Deus. Ninguém merece te ver falar.
 Kátia volta, nariz em pé. Vitória ri e volta também.
Corta para:
CENA 21/ MANSÃO TRINDADE/ SALA/ INT./ DIA
Lucas e Maria Fernanda sentados, ignorando um a presença do outro. Angélica vendo desenho na televisão. Entram Vitória e Kátia Flávia.
KÁTIA FLÁVIA – Adivinha quem veio pra ceia? Eu mesma. Inimigas que me engulam, gatinhos que me beijem. Lucas, isso é uma indireta.
VITÓRIA(sussurra no ouvido de Kátia) Te chamei de volta pra você se sentir bem. Chega perto do Lucas e eu quebro sua perna.
LUCAS – Nunca pensei que diria isso, mas fico feliz em te ver, Kátia Flávia.
MARIA FERNANDA – Nunca pensei que diria isso, mas eu quero morrer. Eu preciso de uma arma.
Kátia Flávia tira da sua bolsa uma arma e estende pra Maria Fernanda. Todos recuam, horrorizados, pois Katia manuseia de forma errada.
MARIA FERNANDA – Eu estou cercada de psicopatas! A atual do meu filho carrega um peru congelado, e a ex tem uma arma! Será que na bolsa da minha mãe tem um membro do meu pai, como Perpétua já fazia?
LUCAS – Kátia Flávia, o que diabos é isso?
Kátia Flávia guarda na bolsa e senta ao lado de Angélica.
KÁTIA FLÁVIA – Uma arma, ué. Eu tenho que proteger minha virtude.
VITÓRIA – Esse negócio é registrado?
KÁTIA FLÁVIA - Registrado? Que piada. Claro que não. Mas não interessa. Cadê a comida?
Madalena e Ingrid entram, carregando o peru e outras coisas mais. A mesa, no fim, está farta e muito bonita. Todos parecem admirados, menos Maria Fernanda, que se senta e começa a comer.
INGRID – Nós fazemos sempre uma oração.
MARIA FERNANDA – Pois pelo que me lembro, ainda não cortei sua língua. Faça a oração que quiser.
MADALENA – Eu posso sugerir uma oração? Quando eu era nova, estudava num convento e as irmãs me ensinaram uma muito linda.
LUCAS – Então vamos todos fazer uma corrente.
Todos dão as mãos. SOBE SONOPLASTIA CALMA.
MADALENA – Deus, Pai de misericórdia, criador de todas as coisas. Invocamos o Teu Espírito Santo sobre este lar e seus moradores.
Corta para:
CENA 22/CASA DE ARTURO/SALA/INT./NOITE
Sandra, Arturo e Nenê brindam.
MADALENA – (V.O.) Assim como visitante e abençoaste a casa de Abraão, de Isaac e de Jacó, visita-nos e guarda-nos na tua luz.
Corta para:
CENA 23/QUARTO ESCURO/INT./NOITE
Danilo chora, amarrado.
MADALENA – (V.O.) Guarda estas paredes de todos os perigos: do incêndio, da inundação...
Corta rapidamente para:
CENA 24/CASA DE ROSICLER/SALA/INT./NOITE
Nínive e Rosicler se abraçam e conversam em off, felizes.
MADALENA – (V.O.) ... do raio, dos assaltos, de todo e qualquer mal. Venham teus anjos portadores de paz.
Corta para:
CENA 25/CASA DE WALKIRIA/QUARTO/INT./NOITE
Társis e Walkiria nus, cobertos por lençóis. Társis afaga o cabelo de Walkiria. Os dois se beijam.
MADALENA – (V.O.) Suplicamos também a proteção e a saúde para todos os que aqui habitam. Afasta-os da divisão e da falta de fé.
Corta para:
CENA 26/MANSÃO TRINDADE/SALA/INT./NOITE
Todos continuam com as mãos dadas, de olhos fechados.
MADALENA – Abençoa e guarda este lar, e todos que o visitam. Por Cristo Jesus...
TODOS – Amém.
Todos abrem os olhos.
INGRID – Linda oração, Madalena.
ANGÉLICA – A tia Madá é ótima em orações. Já me ensinou várias!
VITÓRIA – Um brinde, então. Um brinde ao que cada um de nós agradece por ter nesse natal. Eu brindo a ter um namorado lindo que me ama na mesma medida que eu o amo.
LUCAS – Eu brindo por ter você na minha vida, Vitória.
INGRID – Eu brindo por todos vocês aqui, reunidos, e pela alma do Otávio. Que ele esteja em bom lugar.
MADALENA – Eu brindo a essa mesa farta e a todos nós.
ANGÉLICA – Eu brindo... Não brindo a nada, eu nem bebo.
KÁTIA FLÁVIA – Eu brindo a todos vocês, queridos, que moram no fundo do meu encéfalo.
INGRID – Katia Flávia, encéfalo não é coração, é o cérebro.
KÁTIA FLÁVIA - E quem disse que eu ia dizer coração? Se manca, vovó, vocês moram no cérebro mesmo, e olha lá.
INGRID – E você, Maria Fernanda?
Maria Fernanda se levanta, ergue a taça e sorri, diabólica.
MARIA FERNANDA – Eu brindo aos Trindade e agregados. Brindo a nossa família, que 2016 seja ainda mais produtivo para a Trindade e pra todos nós... Eu brindo a todos vocês. Que nunca saiam de perto de mim... Família.
 Todos erguem as suas taças, desconfiados. Brindam, sentam e começam a comer.
 Corta para:
CENA 27/CASA DE ARTURO/SALA DE JANTAR/INT./DIA
Mesa farta. Todos alegres, comendo.
SANDRA – Muito obrigada pra me chamarem pra ceia de vocês. É tão chato passar o Natal sozinha.
ARTURO – Aqui você é muito bem-vinda, Sandrinha, minha ninfa! Fonte do meu pecado! Cachorra!
NENÊ – Papai, que é isso?
ARTURO – O quê? Eu... é... Nenê, por que você só tá comendo as verduras? O peru dá e sobra pra todo mundo.
NENÊ – A partir de hoje, eu começo uma dieta. Eu estou determinada a encontrar um homem e esfregar na cara daquele... Beijo Grego.
ARTURO – Beijo Grego não, senão você se apega de novo. Presente de Grego!
NENÊ – Que seja. É... cadê Kátia Flávia?
ARTURO – Saiu. Diz que foi passar o Natal na mansão do ex-namorado dela.
SANDRA – É muito abusada mesmo, não é? Deus me livre e guarde!
NENÊ – Tomara que nesse ano que vem ela tome jeito.
Todos riem.
Corta para:
CENA 28/ MANSÃO TRINDADE/ SALA DE JANTAR/ INT./ DIA
 Todos comendo a sobremesa. Nada de comida na mesa, apenas ossos do Peru e garrafas vazias de vinho, sendo quatro delas perto de Kátia Flávia e cinco perto de Maria Fernanda. Kátia vai pegar mais uma, mas Lucas impede.
LUCAS – Você já tá bêbada. Melhor parar.
KÁTIA FLÁVIA – Vai me regular agora, palhaço? Lembre-se que além de você não ser mais meu namorado, você também não manda em mim.
MARIA FERNANDA – Isso mesmo, Catarina, te dou total apoio.
KÁTIA FLÁVIA – Meu nome é Katia Flávia.
MARIA FERNANDA – Ah, ninguém liga. Quem tem mais uma garrafa aí? Eu quero!
INGRID – Não acho que você deva beber mais, filha.
MARIA FERNANDA – E eu não pedi sua opinião. Quem tá pagando? Eu! Papai deixou tudo pra mim, então eu me governo.
 Ela pega mais uma garrafa e começa a beber no gargalo. Compartilha com Kátia Flávia.
KÁTIA FLÁVIA – Eu estava pensando aqui, e... Que tal remexer o esqueleto?
VITÓRIA – Como assim?
KÁTIA FLÁVIA – Fica fria ai que ninguém vai te sacudir, Maria Magrela. Bora, Maria Fernanda?
MARIA FERNANDA – Não tenho nada a perder... Só minha dignidade. Mas não é lá essas coisas, né? Dane-se.
Elas vão até a sala, ligam a televisão num clipe de funk. Começam a dançar, indo até o chão, com suas garrafas de vinho em mãos. Os demais vão até lá e ficam apenas olhando, pasmos.
KÁTIA FLÁVIA - (cantando) Tô mamada, tô bebinha, não adianta tu chorar. Dança, dança, na garrafa, que a vida vai melhorar.
MARIA FERNANDA – (cantando) Tchu, tcha, tcha, tchu, tchu, tcha.
LUCAS – Nunca pensei que eu viveria pra ver isso...
VITÓRIA – Deixa elas. Pelo menos estão se divertindo.
 P.O.V. DE MARIA FERNANDA, vendo tudo girar. Ela observa Kátia Flávia dançando, Lucas e Vitória rindo, Ingrid e Madalena pasmas e Angélica gravando, com o celular. Maria Fernanda cambaleia na direção da garota, tentando pegar o celular, mas acaba caindo. Ponto de vista fixo num quadro próximo à lareira, a imagem de Otávio. Ela fica encarando até que a imagem dele parece se movimentar, com um olhar julgador, e faz que ‘não’ com a cabeça.
 IMAGEM VOLTA AO NORMAL.
 Maria Fernanda grita, histérica, e recua, derrubando um abajur.
LUCAS – Calma, mãe, foi só um tombo.
MARIA FERNANDA – Ele voltou! Ele voltou pra me assombrar, alguém me ajuda, por favor!
 Ela levanta, cambaleia, se põe atrás de Lucas. Todos ali muito assustados, Angélica põe o celular estrategicamente próximo a um quadro, gravando.
INGRID – Ele quem, Maria Fernanda?
MARIA FERNANDA – Ele!
 Maria Fernanda aponta pro quadro. Horror nos olhos dos presentes.
MADALENA – Dona Maria Fernanda, acho que a senhora exagerou na bebida.
MARIA FERNANDA – Cala a boca, desgraçada! Ninguém te chamou aqui! Tá dizendo que eu tô louca, é isso? Que eu sou maluca?
INGRID – Recomponha-se, Maria Fernanda.
MARIA FERNANDA – Recomponha-se você, sua idiota! Todos vocês, pro inferno! Vão pro inferno, seus malditos!
 Agora todo mundo está ainda mais chocado que antes, não acreditando naquilo. Lucas se aproxima dela, meio sensibilizado.
LUCAS – Mãe/
MARIA FERNANDA – (corta) Não me venha com ‘mãe’, seu franguinho! Eu não vou deixar que nenhum de vocês me faça passar por louca, ouviram? Se esse é o plano de vocês pra me destruir, vocês falharam miseravelmente!
 Maria Fernanda vai até a bolsa de Kátia Flávia, pega a arma dela, destrava e atira quatro vezes na direção do quadro. Se vira para todos e mira neles, um olhar perdido, surtada. Eles recuam, com medo nos olhos. Ela atira em um vaso perto, que explode em mil pedaços, e é contida por Lucas, que toma a arma. Ela consegue se soltar e corre até as escadas, sobe.
MARIA FERNANDA – Ele não vai voltar pra me enlouquecer! Eu não vou deixar! Isso é só o começo, eu não tô pra brincadeira.
 Ela sobe até o segundo andar. Lucas e Vitória se abraçam, Ingrid senta no sofá, aterrorizada. Madalena traz um copo de água. Kátia Flávia senta também, muda.
VITÓRIA – Alguém pode me explicar o que foi isso?
INGRID – A minha filha enlouqueceu. Tá surtada!
MADALENA - Ela estava bêbada, dona Ingrid.
INGRID – Bêbada e totalmente descompensada. Eu ainda não acredito nessa cena toda. Estou perplexa demais pra sequer julgar a atitude dela.
LUCAS – O mais estranho é ela disse que viu o vovô. E fez tudo isso. A troco de que? Toda essa cena? Eu não entendo.
KÁTIA FLÁVIA – Ainda tenho dúvidas se isso é só um efeito da bebida ou se eu vi esse surto mesmo. E eu pensei que seria a estrela da noite.
ANGÉLICA – Acho que não tem como competir com Maria Surtada Fernanda.
MADALENA – Angélica!
INGRID – Ela tá certa, Madalena. Deixa. Eu acho que isso foi o estopim, não acham? Melhor cada um se retirar e ir pra casa.
KÁTIA FLÁVIA – Já que é assim, eu vou-me já. Adeus, família linda, até o próximo barracão.
Kátia Flávia se despede de cada um deles, menos de Vitória, e sai.
LUCAS – Vitória vai dormir comigo hoje, vó. Boa noite e feliz natal... Se é que isso é possível.
 Lucas e Vitória sobem.
MADALENA - Sinto muito por tudo, dona Ingrid. Até mais.
ANGÉLICA – Boa noite, dona Ingrid.
 Angélica e Madalena saem. Ingrid fica ali, solitária, refletindo. Vai até o quatro de Otávio, perfurado, e passa a mão sobre a tela.
INGRID – Será que ela teria sido capaz?
 Ela sobe as escadas, derrotada.
Corta para:

CENA 29/ QUARTO DE MARIA FERNANDA/ INT./ DIA
 Pouca luz. Iluminada por um abajur, Maria Fernanda picotado algumas fotos de Otávio.
FERNANDA – Desgraçado. Você não vai conseguir me enlouquecer, ouviu papai? Nem com todo empenho do mundo, juro que não vai. Nem que eu mate um por um deles. E antes que eu me esqueça... Feliz natal.
 Ela começa a rir, enquanto acende um isqueiro e queima a última foto de Otávio.


FIM DO CAPÍTULO
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