CENA 01/QUARTO
ESCURO/INT./DIA
Continuação imediata do capítulo anterior.
Greg parado em frente a Társis. Danilo amarrado em uma cadeira e
com uma fita na boca.
TÁRSIS -
Responde! Quem é você? Tá fazendo o que aqui?
GREG - O meu nome
é Greg. Eu tô fugindo de umas pessoas e encontrei esse lugar. O que é... aqui?
TÁRSIS - Não é da
tua conta. Vaza!
Corta para Danilo, que ouve a conversa.
GREG - (off
screen) Calma, eu só queria saber. Não é comum encontrar um esconderijo
assim num beco da Gomes Freire.
Danilo surpreende-se. Corta para Társis e Greg.
TÁRSIS - Cala a
boca! Não fala onde a gente tá.
GREG - Por que
não? A avenida mudou de nome, não é mais Gomes Freire?
TÁRSIS - Calado,
seu idiota! O que você tá fazendo aqui, afinal?
GREG – Eu já
disse! Me escondendo de umas mulheres que... enfim, eu tô me escondendo.
TÁRSIS - Só que eu
não tenho nada a ver com isso. Vaza!
GREG - Tá bom! Eu
já tô indo!
Greg sai. Társis vai até Danilo e arranca a fita da boca dele.
TÁRSIS - O que foi
que você ouviu dessa conversa?
Closes alternados entre Danilo, suando frio, e Társis, bravo.
Corta para:
CENA 02/CASA
DE ARTURO/SALA/INT./DIA
Arturo assiste TV. Kátia Flávia come uma barra de chocolate e se
suja.
KÁTIA
FLÁVIA – (boca cheia) Ô tio Arturo, cadê aquele poste vestido de
gente da Sandra? Ainda tá arrumando o quarto?
ARTURO – (sem
olhar para Kátia) Poste vestido de gente é a senhora sua vó.
KÁTIA
FLÁVIA – A senhora minha vó é a senhora sua mãe, cê sabe, né?
ARTURO – Mamãe era
alta mesmo. Quando ela tomava um iogurte, ele só chegava no estômago quando já
tava vencido.
KÁTIA
FLÁVIA – Tá, chega de falar da família. Cadê a Sandra?
ARTURO – Tá no
quarto, arrumando tudo. Ela é muito da eficiente, viu?
KÁTIA
FLÁVIA – Sei, eficiente. Eu até podia fazer um trocadilho com isso, mas
agora eu sou uma mulher madura, que não vê graça nessas coisas.
Arturo se vira para Kátia Flávia e a vê toda suja.
ARTURO – Se diz
madura mas não sabe comer uma barra de chocolate sem se sujar.
KÁTIA
FLÁVIA – Eu tô muito suja, tio Arturo?
ARTURO – Só no rosto
todo.
KÁTIA
FLÁVIA – Meu Deus do céu, o que o Lucas acharia de mim se me visse assim?
ARTURO – Veja pelo
lado bom; não é chocolate branco. Se fosse, ele acharia pior de você.
KÁTIA
FLÁVIA – Que cômico você tá hoje, tio Arturo! Tô rindo muito!
Kátia Flávia limpa a boca e lambe os dedos.
ARTURO - Falando em
chocolate branco, eu vou ali falar com a Sandra. Juízo aí!
Arturo levanta e sobe as escadas.
KÁTIA
FLÁVIA – É, não vai se empolgando muito não, porque a coisa mais próxima
de chocolate branco que pode sair de você é a sua baba!
Kátia Flávia põe os pés sobre a mesa de centro.
KÁTIA
FLÁVIA – Ah, mulher madura não faz isso.
Corta para:
CENA 03/MANSÃO
TRINDADE/SALA/INT./DIA
Ingrid sentada no sofá. Lucas e Vitória em outro sofá, se
beijando. Maria Fernanda desce as escadas.
MARIA
FERNANDA – A minha mansão virou motel pro casalzinho ficar se
pegando toda hora? Tratem de desgrudar essas bocas agora mesmo!
Vitória e Lucas coram. Maria Fernanda senta ao lado de Ingrid.
MARIA
FERNANDA – E aí, mamãe? Como é que vai?
INGRID – Ainda com
uma dor de cabeça, mas nada que me incomode muito.
MARIA
FERNANDA – Isso é bom! Muito bom! E... a senhora não lembrou de
nada que aconteceu antes do desmaio?
INGRID – Não, até
agora nada.
LUCAS – Que atenção
toda é essa agora, mãe?
MARIA
FERNANDA – Ora, eu só estou preocupada com a minha mãe. Aliás,
você deveria fazer o mesmo. Desde que você era criança, nunca mais se preocupou
com as coisas que acontecem comigo, nem nada. Mãe também é carente, tá?
LUCAS – Até parece,
dona Fernanda.
MARIA
FERNANDA – Eu tô falando sério. Gente, eu não sou uma boa mãe?
Silêncio. Todos se entreolham. Maria Fernanda levanta-se.
MARIA
FERNANDA – Pois bem! Eu vou sair, e, se alguém se importa,
eu volto à noite. Bye, bye!
Maria Fernanda sai.
VITÓRIA – Ah, gente.
Que pena dela! Olha só isso, parece que ela mudou.
LUCAS – Pena? Pena,
Vitória? Depois de tudo que ela fez, humilhou a Madalena, fez alguma coisa pra
minha avó desmaiar, você tá com pena dela? Tá na cara que isso é teatrinho pra
ela ser a última suspeita de ter feito alguma coisa aqui. Você ainda cai na
conversinha dela, Vitória?
VITÓRIA – Calma, eu
só pensei. Mas agora que você falou, faz todo o sentido ela se fazer de
oprimida, boazinha.
LUCAS – E essa
mudança foi repentina, né?
VITÓRIA – Repentina,
exatamente! Nossa, realmente ela tem alguma culpa no cartório.
LUCAS – Isso aí.
Angélica sai da cozinha correndo, com um pote de chocolate na
mão. Madalena corre atrás dela.
MADALENA – Volta aqui,
Angélica! Menina, esse chocolate é pros brigadeiros de antes da ceia!
ANGÉLICA – Eu não vou conseguir
aguentar até amanhã, tia Madá! Não tem como!
Angélica come mais um pouco do chocolate.
MADALENA – Mas esses
brigadeiros são justamente pros apressadinhos que não aguentam esperar até meia
noite. Devolve aqui esse chocolate. Você pode se cortar com a embalagem!
LUCAS – Calma,
Madalena. Deixa ela comer, daqui a pouco a gente compra quantos potes forem
precisos.
VITÓRIA – Mas será
que a gente não vai poder comer nem um pouquinho?
ANGÉLICA – Claro.
Angélica vai até Lucas e Vitória e eles tiram um pouco de
chocolate do pote. Madalena e Ingrid sorriem.
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CENA 04/QUARTO
ESCURO/INT./DIA
Danilo amarrado, suando, e Társis à sua frente.
TÁRSIS – Responde,
carvão! O que foi que você ouviu dessa conversa?
DANILO – Que... que
conversa? Eu não ouvi nada, Társis.
TÁRSIS – Você não tá
me enganando não, né? Porque, se eu souber que eu tô sendo feito de idiota por
você...
Társis tira uma arma do bolso e põe no pescoço de Danilo.
TÁRSIS – Já sabe!
DANILO – Eu... eu
juro! Eu não ouvi nada, nem sabia que... tinha alguém aqui. Eu juro!
Társis baixa a guarda e tira a arma do pescoço de Danilo.
TÁRSIS – Fica
esperto, moleque!
Társis põe outra fita na boca de Danilo e sai.
Corta para:
CENA 05/CASA
DE ARTURO/QUARTO/INT./DIA
Sandra limpa um lugar alto com um espanador, em cima de uma
escada, e Arturo observa, animado.
ARTURO – Sandrinha, minha
deusa, você podia subir mais um pouquinho nessa escada pra limpar lá em cima?
SANDRA – Lá eu já
limpei, seu Arturo.
ARTURO – Mas eu
ainda tô vendo uma sujeirinha ali. Limpa só mais um pouquinho.
SANDRA – Olha lá,
hein! Eu tô achando que isso é estratégia sua pra ver a minha calcinha. Se for isso,
pode ir/
ARTURO –
(corta) Sandra, como é que você pode pensar isso de mim? De um
senhorzinho inocente, que está apenas vivendo seus últimos dias de vida que
ainda restam. Eu nunca tive essa intenção.
SANDRA – Tá bom, seu
Arturo. Eu limpo de novo.
Sandra sobe dois degraus. Sua calcinha fica visível.
ARTURO – Que dádiva!
SANDRA – É o que,
seu Arturo?
ARTURO – Digo, o
dia. O dia está uma dádiva dos deuses. Um sol lindo, nenhuma nuvem no céu, da
janela eu posso ver até a calcinha... quer dizer, a pracinha sem nenhum lixo.
Uma obra de arte!
Sandra volta a limpar, desconfiada. Arturo ri.
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CENA 06/RIO
DE JANEIRO/RUA/EXT./DIA
(SONOPLASTIA: MUITO GELO E POUCO WHISKY – MÁRCIA
FELLIPE)
Takes de Rosicler, Mayara e Nenê procurando por Greg. Elas
procuram atrás de latas, em arbustos, em todo lugar. Não o acham.
Funde com:
CENA
07/CASA DE ROSICLER/EXT./DIA
SONOPLASTIA CONTINUA.
Rosicler, Mayara e Nenê bufam de cansaço, apoiadas num muro.
NENÊ – Ah! Ah! Eu
já não tenho mais idade pra ficar correndo atrás de macho, não.
MAYARA – Até eu,
novinha como sou, não aguento nem mais dar um passo. Desisto de encontrar
aquele traste.
ROSICLER – Pelo amor
de Deus, de Nossa Senhora e de todo o povo lá de cima... para tudo que eu quero
descer! Meus pés viraram umas pipocas e minha coluna, uma vara de pescar.
NENÊ – Tá ficando
escuro, é melhor cada uma ir pra sua casa. Mas nós ainda vamos dar o troco
naquele safado do Greg!
MAYARA – Ah, se
vamos!
Elas põem uma mão sobre a outra e levantam.
Corta para:
CENA 08/RIO
DE JANEIRO/STOCK SHOTS/EXT./DIA-NOITE
SONOPLASTIA CONTINUA.
Movimentos rotineiros. A cidade toda enfeitada para o Natal. Anoitece
e as luzes dos prédios e casas se acendem. Mercados se fecham.
Amanhece. Pessoas saem de suas casas em trajes despojados.
Trânsito engarrafado nas avenidas. Praias lotadas. Shoppings cheios.
Anoitece novamente. Cidade brilhando com os enfeites natalinos. Engarrafamento
na saída da cidade.
SONOPLASTIA CESSA.
Corta para:
CENA 09/MANSÃO
TRINDADE/SALA/INT./NOITE
A mansão toda decorada de modo natalino. Luzes pra lá e pra cá. Todos
reunidos na sala. Lucas e Vitória conversam. Maria Fernanda observa tudo com
desdém. Ingrid chega da cozinha batendo numa taça com um garfo.
INGRID – Atenção!
Atenção! Já são quase 12 horas, já podemos começar o amigo secreto!
MARIA
FERNANDA – Tomara que a pessoa que sorteou você lhe dê um jogo
de taças de cristal novinho, mamãe. As taças não são pra ficar servindo de
sino, não.
LUCAS – Mãe, bem
menos.
INGRID – Bem, se não
tivermos mais interrupções, eu começo.
Ingrid vai até a árvore de Natal e pega um embrulho vermelho e
branco.
INGRID – O meu amigo
oculto é uma pessoa muito bonita/
MARIA
FERNANDA – Ah, mamãe. Obrigada pelo elogio! O que é? Taças
novas?
INGRID – Eu posso
continuar?
Silêncio.
INGRID – Pois bem...
essa pessoa chegou há pouco em nossas vidas, mas já nos faz muito bem. Ela pode
ser considerada uma pessoa famosa mundialmente por esbanjar sua beleza nas
passarelas de vários países. O meu presente é pra Vitória Vasconcelos!
Todos aplaudem. Vitória levanta-se, abraça Ingrid e recebe o
presente. Ingrid senta-se na poltrona. Vitória pega uma caixa verde média
embaixo da árvore de Natal.
VITÓRIA – A pessoa
que eu sorteei é loira, muito linda e... não é o meu namorado. Hahaha! Maria
Fernanda, é pra você!
Aplausos. Maria Fernanda levanta-se e recebe o presente. Vitória
tenta abraça-la, mas ela se esquiva.
MARIA
FERNANDA – Não precisa disso, garota.
Vitória vai para seu lugar, sem graça, e abre o presente. Maria
Fernanda pega um embrulho azul com bolinhas brancas.
MARIA
FERNANDA – Eu quero pedir que não notem no embrulho com essa
estampa cafonérrima, mas vocês sabem, né? Aquelas meninas gordas de óculos que embalam
os presentes não sabem nada de modernidade. Enfim, a pessoa que eu sorteei não
gosta de tomar banho desde a infância, até hoje tem aquele cecê horrível e vive
encostado aqui em casa, porque emprego nunca foi procurar. Vem pra cá, Lucas,
meu amor!
Lucas se levanta, sem graça, recebe o presente e Maria Fernanda
vai sentar no sofá.
LUCAS – Você falou
do meu cecê, mas nessa estendida de não pra me dar o presente, o mau cheiro
veio de você. Fica esperta, mãe!
Todos riem, menos Fernanda. Lucas pega um embrulho cor-de-rosa
na árvore.
LUCAS – Bom, o meu
amigo oculto, logicamente é a minha avó. Mas mesmo assim, eu faço questão de
falar dela. A dona Ingrid é uma mulher guerreira, humilde, até hoje é linda e,
acima de tudo, feliz! Vovó, é pra você.
Ingrid levanta-se, emocionada, e abraça Lucas.
INGRID – Desse jeito
eu vou chorar!
LUCAS – Te amo, vó!
Os dois ficam ali, abraçados.
Corta para:
CENA
10/CASA DE ROSICLER/SALA/INT./DIA
CAM chicote mostra a casa toda decorada. Guirlanda na porta,
alguns anjinhos pendurados no corrimão da escada e uma árvore de Natal média
embaixo da escada.
CAM chega à sala de jantar, onde estão Rosicler e Nínive, sentadas
e desanimadas. Mesa farta, com um peru no centro e uma garrafa de champanhe.
ROSICLER – Eu queria
tanto que o meu filho estivesse aqui, passando o Natal com a gente. Onde será
que ele tá agora? Será que tá passando fome? Será que tá com frio?
NÍNIVE – O Társis
sabe se virar. Ele deve estar morando na casa da Walkiria, e, provavelmente,
nem se lembrando da gente. O que me preocupa é o Danilo. O que aconteceu com
ele?
ROSICLER – É, minha
filha... esse é o pior Natal que a gente já passou. A família toda desestruturada.
Agora só temos uma à outra.
NÍNIVE – E é assim que
nós vamos passar esse Natal. Só nos duas, mas sempre juntas.
Nínive pega na mão de Rosicler. As duas são um sorriso faceiro.
Corta para:
CENA 11/QUARTO
ESCURO/INT./NOITE
Danilo dorme, amarrado. Társis entra, com um copo d'água. Ele
bate na cabeça de Danilo, que acorda, assustado. Társis tira a fita de sua
boca.
DANILO – O que você
quer agora, Társis?
TÁRSIS – Calma! Vim
te dar um feliz natal. Pena que, pra você, não vai ser tão feliz. Tó, pra matar
a sede.
Társis põe o copo na boca de Danilo, que bebe a água
rapidamente. Társis tira o copo da boca dele.
DANILO – Eu quero
mais.
TÁRSIS – Ah, quer
mais? Vai ficar querendo, pivete! Agora eu vou na casa da minha gata passar o
natal com ela. Só que hoje eu tô bonzinho, então vou te deixar passar essa
noite sem a fita na boca. Pode gritar o quanto quiser, ninguém vai ouvir mesmo.
Tá todo mundo na sua casa comemorando o Natal. E, se você não tivesse saído do
seu lugar, que é na favela, você também poderia estar fazendo isso. Feliz
Natal!
Társis sai. Danilo chora.
DANILO –
(grita) Desgraçado!!!
Corta para:
CENA 12/MANSÃO
TRINDADE/SALA/INT./NOITE
Todos sentados no sofá, rindo, conversando e vendo seus
presentes. Maria Fernanda toma um vinho do lado da escada, olhando torto pra
todo mundo.
Vitória mexe o nariz.
VITÓRIA – Gente,
vocês também estão sentindo esse cheiro?
LUCAS – É, agora
que você falou, eu também tô sentindo. Parece coisa queimada.
INGRID – O peru!
Maria Fernanda, minha filha, vá até a cozinha e veja se o peru passou do ponto.
MARIA
FERNANDA – Eu? Euzinha aqui? Me fazendo de escrava no Natal!
Que feio, mamãe!
VITÓRIA – É bom ir
logo, porque se o peru ainda estiver bom, podemos comer.
MARIA
FERNANDA – “Se o peru ainda estiver bom, podemos comer”. Claro
que podemos comer, sua anta! Pois bem, eu vou, mas quero receber meu décimo terceiro
por isso.
Maria Fernanda vai até a cozinha.
Corta para:
CENA 13/MANSÃO
TRINDADE/COZINHA/INT./NOITE
Maria Fernanda entra e abre o forno. De lá, tira um peru todo
preto, queimado.
MARIA
FERNANDA – É, peruzinho. Não vai dar pra fazer nada por você.
Maria Fernanda joga o peru na lixeira, com bandeja e tudo.
Corta para:
CENA 14/
MANSÃO TRINDADE/ SALA/ INT./ NOITE
Da cozinha, vem Maria Fernanda. Ela vai até o sofá, onde Lucas,
Vitória e Ingrid, tomam vinho e conversam alegres. Maria Fernanda fica ali,
olhando eles, até que é notada.
LUCAS – Pode
sentar ai, mãe.
MARIA
FERNANDA – E você acha que eu estava esperando a sua permissão, moleque?
Não, eu não estava, eu não preciso que ninguém me diga o que fazer. Eu só
estava achando engraçado a família do comercial de margarina enchendo a cara
enquanto eu, euzinha, fico de escrava. Vem cá, hein, de quem foi a brilhante
ideia de dispensar os serviçais logo no natal?
INGRID – Minha. E
foi mesmo uma brilhante ideia, pois como você mesma lembrou, hoje é natal, dia
de passar com a família. E nós daremos conta, não é o fim do mundo.
MARIA FERNANDA – Ah é?
Ótimo, então vai dar um jeito lá na cozinha que o peru queimou.
VITÓRIA – Ah, mas
eu já vim prevenida. Eu trouxe um peru pra ceia.
MARIA FERNANDA – Como
assim, garota? Olha, meu filho, eu não sei você, mas eu acho o cúmulo da
bizarrice alguém andar armado com um peru. Essa garota é doida.
VITÓRIA – Eu
trouxe pra não vir de mãos vazias, apenas. Mas daí o Lucas disse que não era
preciso e eu deixei na geladeira... Acho que agora nós vamos precisar.
LUCAS – E dessa
vez é melhor alguma pessoa ficar na cozinha vigiando, porque nós não temos
estoque.
MARIA FERNANDA – Tudo
bem. A magricela vai lá.
VITÓRIA – Eu?
MARIA FERNANDA – Viu só,
Lucas? Se a gente adestrar direitinho ela até responde pelo nome.
INGRID – Maria
Fernanda, comporte-se! Hoje é natal.
MARIA FERNANDA – Com toda
essa decoração idiota eu juro que cheguei a pensar que era carnaval...
INGRID – Chega,
Maria Fernanda! E pondo fim na discussão, eu mesma vou preparar o peru para a
ceia. Quando eu era nova, adorava fazer isso.
MARIA FERNANDA – Não
sabia que na sua época já tinham inventado a cozinha.
INGRID – Você
pode até achar graça, mas adorava quando eu cozinhava. Infelizmente, com os
empregados, eu acabei deixando de praticar. Hora de voltar à cena. Se divirtam,
eu volto logo.
MARIA FERNANDA – Não vá morrer
em cima do peru, ouviu?
VITÓRIA – Não quer
ajuda, dona Ingrid?
INGRID – Não.
Muito obrigada, mas hoje você é convidada do meu neto, minha querida.
Aproveite.
Ingrid sorri e sai, deixando os outros ali, silenciosos, um
clima desagradável no ar. Maria Fernanda claramente entediada.
MARIA FERNANDA – Hoje não
tem especial Roberto Carlos na TV?
VITÓRIA – Não, já
passou.
MARIA FERNANDA – Tá, cala
a boca.
LUCAS – MÃE!
Isso são modos?
VITÓRIA – Deixa,
Lucas. É natal, não vamos discutir.
MARIA FERNANDA –
Engraçado como as pessoas acham que hoje é um dia especial, né? O ano todo a
gente se mata e hoje você quer se fazer de Santa, como se sua alma fosse pro
céu por isso. Me poupe. Ah, que tédio! Eu nunca pensei que fosse dizer isso,
mas bem que a Kátia Flávia podia estar aqui, né? Aquela favelada sabe como
animar o ambiente.
VITÓRIA – Olha, eu
poderia fazer/
MARIA FERNANDA
– (corta) Muito obrigado, mas se for pra armar presépio de natal e fazer oração
pro papai do céu eu recuso. Ah, que se dane. Vou ver televisão que eu ganho
mais.
Maria Fernanda liga a televisão, onde é exibido um desenho
animado qualquer.
Corta para:
CENA
15/MANSÃO TRINDADE/COZINHA/INT./NOITE
Ingrid colocando uma forma com um peru no forno. Ajusta o
aparelho e vai até o balcão, onde começa a picar alguns tomates, com um olhar
distante.
INGRID –
Otávio... A gente jurou que ia passar todos os natais juntos um do outro. Mas
agora... Eu me sinto tão vazia.
Sons de batidas na madeira. Madalena e Angélica paradas na porta
da cozinha.
INGRID –
Madalena? Ainda está aqui?
MADALENA - Oi, dona
Ingrid, feliz natal. Eu vim avisar que, já que a senhora dispensou os
funcionários, eu e a Angélica vamos passar o natal na rua, numa lanchonete
qualquer. A senhora ainda vai precisar de alguma coisa?
INGRID – Não, de
nada. Tenha um feliz Natal, Madalena. E você também, Angélica!
Madalena assente e vai saindo. Ingrid parece refletir.
INGRID – Mas...
Pensando bem, a ceia tá farta. Tá faltando gente pra tanta coisa. Que tal vocês
duas passaram o natal conosco, Madalena? Você se incomoda?
MADALENA – Seria
ótimo dona Ingrid. Mas eu não sei se posso. Dona Maria Fernanda não ficaria
feliz/
INGRID – Eu ainda
sou a dona dessa casa, não é mesmo? Pelo menos eu acho que aquele pedaço de
papel é uma grande farsa. Bem, você fica, eu já decidi. A menos que você
realmente não queira... Mas eu ficaria muito sentida. Sempre gostei de passar o
natal em família, e como você bem sabe, Otávio me faz muita falta.
MADALENA – Tudo bem,
dona Ingrid. Eu e a Angélica ficamos. Mas com uma condição.
INGRID – Qual?
MADALENA – Eu ajudo
a senhora aqui na cozinha. Quando terminarmos eu me junto aos demais. Tudo bem?
INGRID – Se é
assim que você quer, que assim seja. Angélica, pode ir ver TV na sala.
ANGÉLICA – Muito
obrigado, dona Ingrid.
Angélica sai. Ingrid e Madalena começam a ler um livro de
receitas e cortar legumes.
Corta para:
CENA 16/
MANSÃO TRINDADE/ SALA/ INT./ NOITE
Lucas e Vitória namorando no sofá. Maria Fernanda vendo
televisão na poltrona. Entra Angélica, correndo, e senta na poltrona ao lado
dela.
MARIA FERNANDA – Que foi?
O ministério dos sem teto invadiu a casa pra passar o natal?
ANGÉLICA – Não. A
dona Ingrid disse pra eu ver TV na sala.
MARIA FERNANDA - E tua tia, a tal da Madá? Desencarnou?
ANGÉLICA – Ela tá
ajudando a sua mãe na cozinha.
MARIA FERNANDA – Então a
velha, que de boba não tem nada, deu um jeito de botar a criada pra ralar, é?
Gostei.
ANGÉKICA – Não. Nós
vamos passar o natal aqui, com vocês.
MARIA FERNANDA – Aqui?
Comigo?
ANGÉLICA – É. E sua
mãe disse que ela quem manda na casa.
MARIA FERNANDA – Minha
mãe tá senil, garota, não manda nem nos próprios remédios da cabeça! A casa é
minha, tá no testamento de papai.
LUCAS – Mãe, o
que aconteceu?
MARIA FERNANDA – A
revolta do proletariado, meu filho. Isso aconteceu.
VITÓRIA – Oi,
Angélica. Tudo legal?
ANGÉLICA – Tudo. Eu
e minha tia Madá vamos passar o natal com vocês.
LUCAS – Que boa
notícia! Essa casa estava precisando de mais gente pra aproveitar toda aquela
comida, mesmo.
A campainha começa a tocar. Todos se encarando, esperando alguém
tomar atitude.
ANGÉLICA – A
senhora é dona da casa, dona Maria Fernanda.
FERNANDA – E você é
sobrinha da empregada.
LUCAS – Mãe!
Deixa que eu abro. Meu braço não vai cair.
Ele vai até a porta, e abre. Kátia Flávia lá, parada, sorrindo.
KÁTIA
FLÁVIA – Adivinha quem veio para o jantar? Jingle Bell!
LUCAS – Kátia
Flávia, é você?
KÁTIA
FLÁVIA – E agora loiríssima!
Lucas encarando ela, um pouco chocado. Da sala, Maria Fernanda
sorri. Vitória constrangida.
Corta para:
CENA 17/CASA
DE WALKIRIA/SALA/INT./NOITE
Társis e Walkiria sentados no sofá, se beijando. Walkiria faz o
beijo cessar.
TÁRSIS – Que foi?
Não tava gostando?
WALKIRIA – Não é isso,
eu tava adorando. É que agora eu lembrei de te dar uma notícia, tipo,
espetacular.
TÁRSIS – Manda aí.
WALKIRIA – Eu me
inscrevi num concurso pra ser bailarina do Faustão.
TÁRSIS – Como é que
é? Concurso?
WALKIRIA – Isso. Dá um
dinheirão e, se eu ganhar, vou ter uma posição de destaque.
TÁRSIS – Mas o
Domingão do Faustão é gravado em São Paulo. Você vai ter que ir pra lá?
WALKIRIA – É, eu vou.
Ai, mas vai ser fantástico. Imagina eu, todo domingo, no Faustão, dançando pro
Bra/
Társis interrompe Walkiria com um beijo.
TÁRSIS – Eu não
quero você só aos domingos. Eu te quero todo dia.
O beijo fica cada vez mais quente.
Corta para:
CENA
18/CASA DE WALKIRIA/QUARTO/INT./NOITE
(SONOPLASTIA: PRA SER SINCERO – ENGENHEIROS DO HAWAII)
Vemos as sombras de Walkiria e Társis projetadas na parede do
quarto. Eles tiram as roupas, vagarosamente. Um beija todo o corpo do outro.
Começam a fazer movimentos repetidos, sentados na cama. Por fim, se beijam.
SONOPLASTIA CESSA. Corta para:
CENA 19/
MANSÃO TRINDADE/ SALA/ INT./ NOITE
Kátia Flávia vai entrando, fazendo uma pose diferente, ereta.
Lucas fecha a porta, e ambos vão até a sala.
KÁTIA
FLÁVIA – Bom dia, povo belo. E bom dia pra você também, Vitória
Palmatória. Se bem que não é bom dia, é boa noite... Mas é quase meia noite,
né? E a noite é uma criança.
MARIA FERNANDA – Kátia
Flávia! Que alegria ver você aqui!
KÁTIA
FLÁVUA – Alguém substituiu minha ex-sogrinha por um clone do bem? Ou
ela bateu a cabeça?
MARIA FERNANDA – Me
afoguei, querida. Me afoguei nas águas do tédio que é passar uma hora inteira
com a Maria Magrela. Mas sente-se, vamos conversar. A empregada e a minha mãe
estão fazendo a gororoba, logo tá na mesa.
KÁTIA
FLÁVIA – Tudo bem. Mas não sei se devo me adequar a sua conversa de
falar mal das pessoas, pois eu estou mudada, como bem podem ver. Sou outra
pessoa.
MARIA FERNANDA – Ah,
ótimo. A Derrota e a Desistência, ambas reunidas aqui, na minha sala. Quem mais
vem? O suicídio? Se bem que o suicídio tá lá na cozinha, recheando um peru...
Que baixo nível.
Vitória se retrai.
LUCAS – Talvez o
problema esteja na senhora, mãe. Nunca satisfeita com nada. Já parou pra pensar
que é sempre você quem começa os problemas?
MARIA FERNANDA – Pronto.
A Derrota, a Desistência, o Suicídio e o Panaca. O clube está reunido. Eu
mereço...
Lucas se levanta, exaltado.
LUCAS – Não,
você não merece. Não merece um filho como eu, uma mãe como a vovó, uma nora
como a Vitória. Nem uma ex nora como a Kátia Flávia a senhora merece, e olha
que isso aí é chave de cadeia.
KÁTIA
FLÁVIA – Eu tô aqui...
LUCAS – Seu
problema, mãe, é que a senhora não merece nada disso aqui, e mesmo assim não
vai embora. Insiste em estragar a felicidade alheia. Quer saber? Eu vou embora.
Vamos, Vitória.
Vitória se levanta.
FERNANDA – Eu não
quis/
LUCAS –
(corta) Quis sim. E como quis. Estragar a vida das pessoas que te cercam
é tudo que você mais quer.
MARIA FERNANDA – Trégua!
Uma trégua natalina, é o que eu proponho. Não vai embora meu filho, não faz
isso comigo... Nem com a sua avó. Você acha que ela aguenta mais uma decepção?
VITÓRIA – Lucas,
releva. Dessa vez, por favor.
Lucas baixa a guarda. Dá as mãos pra Vitória.
LUCAS – Pela
minha avó.
KÁTIA
FLÁVIA – Que barraco, meu povo. E eu pensava que vocês precisavam de
mim pra isso.
MARIA FERNANDA – Ninguém
precisa de você aqui pra nada. Nem meu filho, que não é lá muito inteligente,
quis você. Você é sempre a última opção, Kátia. Tanto é que tá aqui, agora. E a
sua família? Cadê? Não devem ter suportado olhar mais um pouco pra essa sua
cara ridícula.
Silêncio desagradável. Kátia Flávia tocada, recua.
KÁTIA
FLÁVIA – Eu... Acho que é melhor pra todo mundo aqui que eu vá embora.
Não quero estragar o natal de ninguém. Jingle Bell!
Ela sai. Lucas encara Maria Fernanda, incrédulo.
LUCAS – Você
pegou pesado.
MARIA FERNANDA – Eu nunca
pego leve.
LUCAS – Você é
um ser humano horroroso.
MARIA FERNANDA – E você
tem meu sangue, querido. Vai ter que lidar com isso como um homem. Ou não. Ou
você deixa isso te devorar, como o covarde que talvez você seja.
VITÓRIA – Cala a
boca, Maria Fernanda! Até eu cansei desse seu show ridículo! Eu vou atrás dela.
Vitória sai. Maria Fernanda ri.
MARIA FERNANDA – Maria
Derrota e Katia Desistência amiguinhas. Vai ter festa hoje, hein, filho?
Lucas encara ela, furioso. Angélica observa tudo, comendo
algumas uvas que pegou da mesa, parecendo estar se entretendo.
Corta para:
CENA 20/
MANSÃO TRINDADE/ EXT./ NOITE
Muito vento. Kátia Flávia indo em direção ao portão, com um
olhar meio perdido. Vitória vem correndo atrás, alcança.
VITÓRIA – Não liga
pro que ela disse. Eu já desisti de tentar saber o que se passa na cabeça dessa
louca.
KÁTIA FLÁVIA
–
Talvez se passe um pouco de verdade. Qual o sentido de eu estar aqui, sendo
humilhada, Vitória Palmatória?
VITÓRIA – A única
pessoa que te humilhou hoje foi a Maria Fernanda, e ela não é muito boa da cabeça.
Se eu te disser que gostei da sua presença aqui, hoje, você diria que eu
enlouqueci. Mas é verdade. Natal e época de perdão e/
KÁTIA
FLÁVIA – (corta) Tá bom, eu volto, mas cala essa boca, pelo amor de
Deus. Ninguém merece te ver falar.
Kátia volta, nariz em pé.
Vitória ri e volta também.
Corta para:
CENA 21/
MANSÃO TRINDADE/ SALA/ INT./ DIA
Lucas e Maria Fernanda sentados, ignorando um a presença do
outro. Angélica vendo desenho na televisão. Entram Vitória e Kátia Flávia.
KÁTIA FLÁVIA – Adivinha
quem veio pra ceia? Eu mesma. Inimigas que me engulam, gatinhos que me beijem.
Lucas, isso é uma indireta.
VITÓRIA – (sussurra no ouvido de Kátia) Te chamei
de volta pra você se sentir bem. Chega perto do Lucas e eu quebro sua perna.
LUCAS – Nunca
pensei que diria isso, mas fico feliz em te ver, Kátia Flávia.
MARIA FERNANDA – Nunca
pensei que diria isso, mas eu quero morrer. Eu preciso de uma arma.
Kátia Flávia tira da sua bolsa uma arma e estende pra Maria
Fernanda. Todos recuam, horrorizados, pois Katia manuseia de forma errada.
MARIA FERNANDA – Eu estou
cercada de psicopatas! A atual do meu filho carrega um peru congelado, e a ex
tem uma arma! Será que na bolsa da minha mãe tem um membro do meu pai, como
Perpétua já fazia?
LUCAS – Kátia
Flávia, o que diabos é isso?
Kátia Flávia guarda na bolsa e senta ao lado de Angélica.
KÁTIA
FLÁVIA – Uma arma, ué. Eu tenho que proteger minha virtude.
VITÓRIA – Esse
negócio é registrado?
KÁTIA
FLÁVIA - Registrado? Que piada. Claro que não. Mas não interessa. Cadê a
comida?
Madalena e Ingrid entram, carregando o peru e outras coisas
mais. A mesa, no fim, está farta e muito bonita. Todos parecem admirados, menos
Maria Fernanda, que se senta e começa a comer.
INGRID – Nós
fazemos sempre uma oração.
MARIA FERNANDA – Pois
pelo que me lembro, ainda não cortei sua língua. Faça a oração que quiser.
MADALENA – Eu posso
sugerir uma oração? Quando eu era nova, estudava num convento e as irmãs me
ensinaram uma muito linda.
LUCAS – Então
vamos todos fazer uma corrente.
Todos dão as mãos. SOBE SONOPLASTIA CALMA.
MADALENA – Deus, Pai
de misericórdia, criador de todas as coisas. Invocamos o Teu Espírito Santo
sobre este lar e seus moradores.
Corta para:
CENA
22/CASA DE ARTURO/SALA/INT./NOITE
Sandra, Arturo e Nenê brindam.
MADALENA –
(V.O.) Assim como visitante e abençoaste a casa de Abraão, de Isaac e
de Jacó, visita-nos e guarda-nos na tua luz.
Corta para:
CENA 23/QUARTO
ESCURO/INT./NOITE
Danilo chora, amarrado.
MADALENA –
(V.O.) Guarda estas paredes de todos os perigos: do incêndio, da
inundação...
Corta rapidamente para:
CENA
24/CASA DE ROSICLER/SALA/INT./NOITE
Nínive e Rosicler se abraçam e conversam em off, felizes.
MADALENA –
(V.O.) ... do raio, dos assaltos, de todo e qualquer mal. Venham teus
anjos portadores de paz.
Corta para:
CENA 25/CASA
DE WALKIRIA/QUARTO/INT./NOITE
Társis e Walkiria nus, cobertos por lençóis. Társis afaga o
cabelo de Walkiria. Os dois se beijam.
MADALENA –
(V.O.) Suplicamos também a proteção e a saúde para todos os que aqui
habitam. Afasta-os da divisão e da falta de fé.
Corta para:
CENA
26/MANSÃO TRINDADE/SALA/INT./NOITE
Todos continuam com as mãos dadas, de olhos fechados.
MADALENA – Abençoa e
guarda este lar, e todos que o visitam. Por Cristo Jesus...
TODOS – Amém.
Todos abrem os olhos.
INGRID – Linda
oração, Madalena.
ANGÉLICA – A tia Madá
é ótima em orações. Já me ensinou várias!
VITÓRIA – Um
brinde, então. Um brinde ao que cada um de nós agradece por ter nesse natal. Eu
brindo a ter um namorado lindo que me ama na mesma medida que eu o amo.
LUCAS – Eu
brindo por ter você na minha vida, Vitória.
INGRID – Eu
brindo por todos vocês aqui, reunidos, e pela alma do Otávio. Que ele esteja em
bom lugar.
MADALENA – Eu brindo
a essa mesa farta e a todos nós.
ANGÉLICA – Eu
brindo... Não brindo a nada, eu nem bebo.
KÁTIA
FLÁVIA – Eu brindo a todos vocês, queridos, que moram no fundo do meu
encéfalo.
INGRID – Katia
Flávia, encéfalo não é coração, é o cérebro.
KÁTIA
FLÁVIA - E quem disse que eu ia dizer coração? Se manca, vovó, vocês
moram no cérebro mesmo, e olha lá.
INGRID – E você,
Maria Fernanda?
Maria Fernanda se levanta, ergue a taça e sorri, diabólica.
MARIA FERNANDA – Eu
brindo aos Trindade e agregados. Brindo a nossa família, que 2016 seja ainda
mais produtivo para a Trindade e pra todos nós... Eu brindo a todos vocês. Que
nunca saiam de perto de mim... Família.
Todos erguem as suas
taças, desconfiados. Brindam, sentam e começam a comer.
Corta para:
CENA
27/CASA DE ARTURO/SALA DE JANTAR/INT./DIA
Mesa farta. Todos alegres, comendo.
SANDRA – Muito
obrigada pra me chamarem pra ceia de vocês. É tão chato passar o Natal sozinha.
ARTURO – Aqui você é
muito bem-vinda, Sandrinha, minha ninfa! Fonte do meu pecado! Cachorra!
NENÊ – Papai, que
é isso?
ARTURO – O quê?
Eu... é... Nenê, por que você só tá comendo as verduras? O peru dá e sobra pra
todo mundo.
NENÊ – A partir de
hoje, eu começo uma dieta. Eu estou determinada a encontrar um homem e esfregar
na cara daquele... Beijo Grego.
ARTURO – Beijo Grego
não, senão você se apega de novo. Presente de Grego!
NENÊ – Que seja.
É... cadê Kátia Flávia?
ARTURO – Saiu. Diz
que foi passar o Natal na mansão do ex-namorado dela.
SANDRA – É muito
abusada mesmo, não é? Deus me livre e guarde!
NENÊ – Tomara que
nesse ano que vem ela tome jeito.
Todos riem.
Corta para:
CENA 28/
MANSÃO TRINDADE/ SALA DE JANTAR/ INT./ DIA
Todos comendo a
sobremesa. Nada de comida na mesa, apenas ossos do Peru e garrafas vazias de
vinho, sendo quatro delas perto de Kátia Flávia e cinco perto de Maria
Fernanda. Kátia vai pegar mais uma, mas Lucas impede.
LUCAS – Você já
tá bêbada. Melhor parar.
KÁTIA
FLÁVIA – Vai me regular agora, palhaço? Lembre-se que além de você não
ser mais meu namorado, você também não manda em mim.
MARIA FERNANDA – Isso
mesmo, Catarina, te dou total apoio.
KÁTIA
FLÁVIA – Meu nome é Katia Flávia.
MARIA
FERNANDA – Ah, ninguém liga. Quem tem mais uma garrafa aí? Eu quero!
INGRID – Não acho
que você deva beber mais, filha.
MARIA FERNANDA – E eu não
pedi sua opinião. Quem tá pagando? Eu! Papai deixou tudo pra mim, então eu me
governo.
Ela pega mais uma garrafa
e começa a beber no gargalo. Compartilha com Kátia Flávia.
KÁTIA
FLÁVIA – Eu estava pensando aqui, e... Que tal remexer o esqueleto?
VITÓRIA – Como
assim?
KÁTIA
FLÁVIA – Fica fria ai que ninguém vai te sacudir, Maria Magrela. Bora,
Maria Fernanda?
MARIA FERNANDA – Não
tenho nada a perder... Só minha dignidade. Mas não é lá essas coisas, né?
Dane-se.
Elas vão até a sala, ligam a televisão num clipe de funk.
Começam a dançar, indo até o chão, com suas garrafas de vinho em mãos. Os
demais vão até lá e ficam apenas olhando, pasmos.
KÁTIA
FLÁVIA - (cantando) Tô mamada, tô bebinha, não adianta tu chorar.
Dança, dança, na garrafa, que a vida vai melhorar.
MARIA FERNANDA – (cantando) Tchu, tcha, tcha, tchu,
tchu, tcha.
LUCAS – Nunca
pensei que eu viveria pra ver isso...
VITÓRIA – Deixa
elas. Pelo menos estão se divertindo.
P.O.V. DE MARIA FERNANDA, vendo tudo girar. Ela observa Kátia Flávia dançando,
Lucas e Vitória rindo, Ingrid e Madalena pasmas e Angélica gravando, com o celular.
Maria Fernanda cambaleia na direção da garota, tentando pegar o celular, mas
acaba caindo. Ponto de vista fixo num quadro próximo à lareira, a imagem de
Otávio. Ela fica encarando até que a imagem dele parece se movimentar, com um
olhar julgador, e faz que ‘não’ com a cabeça.
IMAGEM VOLTA AO NORMAL.
Maria Fernanda grita,
histérica, e recua, derrubando um abajur.
LUCAS – Calma,
mãe, foi só um tombo.
MARIA FERNANDA – Ele
voltou! Ele voltou pra me assombrar, alguém me ajuda, por favor!
Ela levanta, cambaleia,
se põe atrás de Lucas. Todos ali muito assustados, Angélica põe o celular
estrategicamente próximo a um quadro, gravando.
INGRID – Ele
quem, Maria Fernanda?
MARIA FERNANDA – Ele!
Maria Fernanda aponta pro
quadro. Horror nos olhos dos presentes.
MADALENA – Dona
Maria Fernanda, acho que a senhora exagerou na bebida.
MARIA FERNANDA – Cala a
boca, desgraçada! Ninguém te chamou aqui! Tá dizendo que eu tô louca, é isso?
Que eu sou maluca?
INGRID –
Recomponha-se, Maria Fernanda.
MARIA FERNANDA –
Recomponha-se você, sua idiota! Todos vocês, pro inferno! Vão pro inferno, seus
malditos!
Agora todo mundo está
ainda mais chocado que antes, não acreditando naquilo. Lucas se aproxima dela,
meio sensibilizado.
LUCAS – Mãe/
MARIA
FERNANDA – (corta) Não me venha com ‘mãe’, seu franguinho! Eu não vou
deixar que nenhum de vocês me faça passar por louca, ouviram? Se esse é o plano
de vocês pra me destruir, vocês falharam miseravelmente!
Maria Fernanda vai até a
bolsa de Kátia Flávia, pega a arma dela, destrava e atira quatro vezes na
direção do quadro. Se vira para todos e mira neles, um olhar perdido, surtada.
Eles recuam, com medo nos olhos. Ela atira em um vaso perto, que explode em mil
pedaços, e é contida por Lucas, que toma a arma. Ela consegue se soltar e corre
até as escadas, sobe.
MARIA FERNANDA – Ele não
vai voltar pra me enlouquecer! Eu não vou deixar! Isso é só o começo, eu não tô
pra brincadeira.
Ela sobe até o segundo
andar. Lucas e Vitória se abraçam, Ingrid senta no sofá, aterrorizada. Madalena
traz um copo de água. Kátia Flávia senta também, muda.
VITÓRIA – Alguém
pode me explicar o que foi isso?
INGRID – A minha filha
enlouqueceu. Tá surtada!
MADALENA - Ela estava
bêbada, dona Ingrid.
INGRID – Bêbada e
totalmente descompensada. Eu ainda não acredito nessa cena toda. Estou perplexa
demais pra sequer julgar a atitude dela.
LUCAS – O mais
estranho é ela disse que viu o vovô. E fez tudo isso. A troco de que? Toda essa
cena? Eu não entendo.
KÁTIA
FLÁVIA – Ainda tenho dúvidas se isso é só um efeito da bebida ou se eu
vi esse surto mesmo. E eu pensei que seria a estrela da noite.
ANGÉLICA – Acho que
não tem como competir com Maria Surtada Fernanda.
MADALENA – Angélica!
INGRID – Ela tá
certa, Madalena. Deixa. Eu acho que isso foi o estopim, não acham? Melhor cada
um se retirar e ir pra casa.
KÁTIA
FLÁVIA – Já que é assim, eu vou-me já. Adeus, família linda, até o
próximo barracão.
Kátia Flávia se despede de cada um deles, menos de Vitória, e
sai.
LUCAS – Vitória
vai dormir comigo hoje, vó. Boa noite e feliz natal... Se é que isso é
possível.
Lucas e Vitória sobem.
MADALENA - Sinto
muito por tudo, dona Ingrid. Até mais.
ANGÉLICA – Boa
noite, dona Ingrid.
Angélica e Madalena saem.
Ingrid fica ali, solitária, refletindo. Vai até o quatro de Otávio, perfurado,
e passa a mão sobre a tela.
INGRID – Será que
ela teria sido capaz?
Ela sobe as escadas,
derrotada.
Corta para:
CENA 29/
QUARTO DE MARIA FERNANDA/ INT./ DIA
Pouca luz. Iluminada por
um abajur, Maria Fernanda picotado algumas fotos de Otávio.
FERNANDA – Desgraçado.
Você não vai conseguir me enlouquecer, ouviu papai? Nem com todo empenho do
mundo, juro que não vai. Nem que eu mate um por um deles. E antes que eu me
esqueça... Feliz natal.
Ela começa a rir, enquanto
acende um isqueiro e queima a última foto de Otávio.
FIM
DO CAPÍTULO
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