CASTELO DE CARTAS
C A P Í T U L O 1 7
CENA 01/STOCK SHOTS/RIO DE JANEIRO/EXT./DIA
FADE IN.
SONOPLASTIA: OBLOCO –
MARIA GADÚ
Amanhece. Movimentos comuns. Pessoas caminham
na orla da praia. Uma mulher empurra um carrinho de bebê. Panorâmica do Cristo Redentor.
O bondinho se move.
SONOPLASTIA CESSA.
Corta para:
CENA 02/MANSÃO TRINDADE/JARDIM/EXT./DIA
Ouve-se o canto dos pássaros. Ingrid e Lucas
indo em direção ao portão.
LUCAS – Eu pensei que a gente ia dar
entrada nisso só ano que vem. Por que não espera mais um pouco, vó?
INGRID – Não, meu filho. Você presenciou o
surto da Maria Fernanda ontem, nós não podemos esperar nem mais um segundo pra
tirar ela do cargo de acionista majoritária e de presidente da Trindade. Ela
não está em condições pra assumir essas responsabilidades!
LUCAS – É verdade. Mas será que hoje os
advogados da empresa estão lá? É dia 25, ainda é Natal.
INGRID – De certo não. Vamos à advocacia de
um deles. Eu tentei ligar várias vezes pro Maximiliano, o advogado preferido do
seu avô, mas ninguém atende.
LUCAS – Estranho. Eu conheci o Maximiliano
desde que o vovô abriu a empresa, ele sempre andava com o celular no bolso.
INGRID – Sim, o Maximiliano sempre foi
assim. Dedicado, se importava com a gente.
Eles abrem o portão, saem e fecham novamente.
LUCAS – E ele que leu o testamento do vovô,
né? Bom, já que a gente não conseguiu contatar o Maximiliano, vamos procurar os
outros advogados da empresa.
INGRID – Lucas, espera um pouco.
Os dois param.
LUCAS – Que foi, vó? Esqueceu alguma coisa?
INGRID – Não, tá tudo na minha bolsa. É que
agora me ocorreu uma coisa.
LUCAS – O quê?
INGRID – Você não acha muito estranho o
Maximiliano ter lido o testamento do Otávio e agora tomar um chá de sumiço?
LUCAS – Vó... a senhora... a senhora não tá
achando...
INGRID – Não, eu não tô achando. Eu tenho
certeza que tem dedo da Maria Fernanda nessa história.
Lucas pasmo. Ingrid pensativa.
Corta para:
CENA 03/MANSÃO TRINDADE/QUARTO FERNANDA/INT./DIA
Maria Fernanda digita alguma coisa no teclado
do computador. Ouvem-se batidas na porta.
MARIA FERNANDA – Pode entrar.
As batidas insistem.
MARIA FERNANDA – Eu já disse que pode entrar, a
porta tá aberta.
Ouvem-se novamente as batidas na porta. Maria
Fernanda se levanta e vai em direção à porta.
MARIA FERNANDA – Ô, agonia. Eu já disse que po/
Maria Fernanda abre a porta. Otávio, coberto de
sangue, bravo.
MARIA FERNANDA – Você? O que você tá fazendo
aqui? Você tá morto! Vai embora!
OTÁVIO – Eu não vou embora enquanto não ter
minha mão de volta.
Otávio levanta o braço decepado.
OTÁVIO – Onde está a minha mão, Fernanda?
ONDE ESTÁ?
MARIA FERNANDA – Sai do meu quarto agora! Sai
daqui!
P.O.V. de Fernanda. Otávio vem em sua direção, com os olhos arregalados e
vermelhos.
MARIA FERNANDA – (off screen) NÃO! NÃO!
Corte descontínuo rápido:
Maria Fernanda levanta da cama, suada e
assustada, gritando. Percebe que foi um sonho.
MARIA FERNANDA – Esse velho quer me
enlouquecer! Mas ele não vai! Não vai, mesmo!
Maria Fernanda sai da cama e vai até uma gaveta
escondida no armário. De lá, ela tira um saco plástico com uma mão dentro.
MARIA FERNANDA – Desgraçado! Vai pro inferno!
Close no saco com a mão de Otávio.
Corta para:
CENA 04/CASA DE ARTURO/SALA/INT./DIA
Arturo deitado no sofá, dormindo. Nenê vem da
cozinha com uma panela e uma colher de pau. Ela bate a panela. Arturo acorda,
espantado.
ARTURO – É panelaço? Tô dentro! Impicha!
Impicha!
NENÊ – Não seja idiota, papai. É
impeachment! Ó, já passa das onze da manhã. Hora de acordar!
ARTURO – Por que eu dormi aqui no sofá?
NENÊ – Você passou da conta ontem, né? A
Sandra foi embora depois da ceia, o senhor começou a chorar igual um bezerro
desmamado e se agarrou com a almofada do sofá.
ARTURO – E por que você não me levou pro meu
quarto?
NENÊ – E o senhor lá tem idade pra dormir
no sofá e acordar na cama, papai? Eu, hein.
Kátia Flávia desce as escadas, de pijama,
bocejando.
KÁTIA FLÁVIA – Ai! Ai, minha cabeça!
NENÊ – Mais uma que bebeu até cair. Eu
posso saber que horas você voltou pra cá, Kátia Flávia?
KÁTIA FLÁVIA – Eu não sei nem em que ano a gente
tá, vou saber que horas eu voltei? Não me lembro de nada que aconteceu ontem!
ARTURO – Essa aí tá pior que eu, mas você
não acorda ela com panelaço, né?
KÁTIA FLÁVIA – Tava tendo panelaço?
NENÊ – Esquece, Kátia Flávia! Vai escovar
esses dentes que dá pra sentir esse fedor de caminhão de lixo daqui!
KÁTIA FLÁVIA – Olha, você não me arrasa não, tá! O
meu nome é Kátia Flávia, a godiva do Irajá.
ARTURO – Que se escondeu na mansão Trindade.
NENÊ – Vamo parar com isso que novela musical
é só no SBT. Eu já deixei o almoço na mesa, quem quiser é só requentar. Agora
eu vou ter que sair e me encontrar com a irmandade!
ARTURO – Almoço às onze? Irmandade? O que tá
acontecendo?
KÁTIA FLÁVIA – Que papo de irmandade é esse,
prima?
NENÊ – Não é da sua conta. Pega que a
panela é tua, papai!
Nenê joga a panela e a colher em cima de Arturo
e sai.
KÁTIA FLÁVIA – Oi?
Kátia Flávia e Arturo confusos.
Corta para:
CENA 05/ADVOCACIA/ESCRITÓRIO/INT./DIA
Lugar amplo, sofisticado. Móveis bonitos e
modernos. Uma mesa com um sofá de um lado e uma poltrona de outro. Na poltrona
está George (cabelo grisalho, olhos castanhos, 50 anos). O telefone toca e
George atende.
GEORGE – Oi, Clarice. (t.) Os da Trindade? (t.)
Tudo bem, pode mandar entrar.
George desliga. Entram Ingrid e Lucas.
INGRID – Bom dia, George.
LUCAS – Bom dia!
GEORGE – Bom dia, Ingrid. Bom dia, Lucas.
Podem sentar. O que os traz aqui em pleno Natal?
Lucas e Ingrid sentam no sofá.
LUCAS – A gente veio aqui pra falar da
questão das ações da empresa. Atualmente a acionista majoritária da Trindade é
a minha mãe, a Maria Fernanda, como consta no testamento do meu finado avô.
GEORGE – É, eu fiquei sabendo.
LUCAS – Pois é. Só que eu e minha avó
estamos achando que ela deu um jeito de forjar o testamento do meu avô,
deixando a maior parte das ações pra ela.
INGRID – Exatamente. Só que eu fiquei com
30% das ações e Lucas com 20. Juntando as nossas ações, obviamente teremos 50%,
assim como Maria Fernanda.
GEORGE – Entendo. Bom, mas o que os leva a
crer que o testamento foi falsificado?
INGRID – Simplesmente Otávio não daria
tamanha responsabilidade para Fernanda. Ele sabia do quanto ela era e ainda é
louca pelo poder.
LUCAS – E essa noite aconteceu uma coisa
estranha. Mamãe deu um surto depois de beber demais na ceia. E o curioso é que
ela só surtou depois de ver o quadro do vovô na parede. Ela disse que ele tava
voltando, uma coisa meio maluca.
GEORGE – Bom, isso prova bastante coisa.
Então vamos ver se eu entendi. Vocês querem unir as ações pra bater de frente
com a Fernanda?
INGRID – Não só bater de frente, como também
tirar a Fernanda de todo e qualquer poder em relação à Trindade. Depois daquele
surto psicótico que ela teve, ela não tem a menor condição de administrar
qualquer parte da empresa, por menor que seja. Ela não pode!
LUCAS – E além disso, a gente queria provas
de que ela falsificou o testamento.
GEORGE – Você sabe que a sua mãe pode ir
presa por isso, não é, rapaz?
LUCAS – Sim, eu tô completamente ciente do
que pode acontecer.
GEORGE – Pois bem. Vamos começar pelo fator
que mais compete a mim, que é, justamente, a falsificação do testamento. É bem
simples provar se ele de fato aconteceu ou não.
INGRID – Como, doutor?
GEORGE – Falando com a pessoa que escreveu o
testamento do seu Otávio. Certamente ele ditou como queria que fosse feita a
divisão dos bens e essa pessou passou pro papel, certo?
LUCAS – Bingo! Como a gente não pensou
nisso logo, vó?
GEORGE – Vocês sabem quem foi que escreveu o
testamento?
INGRID – Eu sei. Aliás, ainda tenho o
contato dele.
Closes alternados entre os três.
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CENA 06/QUARTO ESCURO/INT./DIA
Danilo amarrado na cadeira, acordado. Társis
entra.
TÁRSIS – Já acordado? Que bom! A água tá
pouca esses dias pra ficar te acordando.
Társis tira a fita da boca de Danilo.
TÁRSIS – Fala aí, como é que tá?
Danilo não responde.
TÁRSIS – O gato comeu a tua língua? O que
foi que aconteceu, escurinho?
DANILO – Eu quero que você me solte, Társis.
TÁRSIS – E por que eu faria isso? Até agora
você não me disse que ia largar a minha família, ou disse? Eu não me lembro.
DANILO – Deixa eu sair, Társis. Só hoje!
TÁRSIS – Mas o que é que tem hoje, moleque?
DANILO – Não é da tua conta. Me solta!
TÁRSIS – Se eu não ficar sabendo, não tem porque
eu te soltar. É justo, né?
DANILO – Hoje faz três meses que a minha mãe
morreu.
Társis murcha o sorriso.
TÁRSIS – Ah... é isso?
DANILO – É. E eu queria ir até o lugar onde
eu enterrei minha mãe pra sentir a presença dela.
TÁRSIS – Você que enterrou sua mãe?
DANILO – A gente não tinha dinheiro nem pra
um enterro digno, Társis. Ela morreu de fome.
TÁRSIS – Putz, que ruim...
DANILO – Eu quero sair, só hoje. Conversar
com a minha mãe, porque mãe é a melhor coisa que existe no mundo. Enquanto eu
só quero lembrar da minha mãe que já morreu, você nem sabe da sua mãe, que
ainda tá viva.
Társis desamarra Danilo.
TÁRSIS – Pode ir, Danilo. Mas só porque é
pela sua mãe. Pode não parecer, mas eu sinto falta da minha. E olha que ela tá
tão perto de mim...
DANILO – Pois é. Eu já tô indo. E eu sei que
você não quer que eu me misture com a sua família, por causa da sua mente
extremamente fechada. Mas tudo bem, eu não vou te contrariar. Eu volto daqui a
pouco.
TÁRSIS – Tá certo. Agora vai.
Danilo sai.
NA RUA, Danilo sai do esconderijo e tapa a
porta com algumas lixeiras. Ele sorri.
DANILO – Pensa que preto é burro, Társis? Otário!
Danilo sai correndo.
Corta para:
CENA 07/STOCK SHOTS/RIO DE JANEIRO/EXT./DIA
SONOPLASTIA: O QUE É, O
QUE É – GONZAGUINHA
Pessoas caminham pelas ruas, surfam, correm,
malham. Trânsito engarrafado.
Funde com:
CENA 08/PONTO DE ÔNIBUS/EXT./DIA
Nínive e Rosicler esperam o ônibus.
NÍNIVE – Mãe, será que você não pode ao
menos explicar o que é essa tal irmandade?
ROSICLER – Não tá na cara, Nínive? Eu e as
meninas vamos nos vingar do Greg. Pegar ele de porrada, pra falar no popular.
NÍNIVE – É isso mesmo? Vocês vão resolver
tudo isso batendo no tal do Gregório?
ROSICLER – Nínive, querida, eu não tô com
paciência pra ouvir nem mais uma palavra.
O ônibus chega.
ROSICLER – Bye, daughter!
Rosicler beija o rosto de Nínive e entra no
ônibus. Outras pessoas também entram. O ônibus sai.
PLANO GERAL. Nínive caminha de volta para casa.
Danilo atravessa a rua. Os dois não se veem.
SONOPLASTIA CESSA
Corta para:
CENA 09/CASA DE WALKIRIA/SALA/INT./DIA
Walkiria dança em frente à TV, que passa um
clipe musical animado. O celular toca.
WALKIRIA – Ai, celular! Precisava tocar logo
agora?
Walkiria desliga a TV e atende o celular.
WALKIRIA – Alô? (t.) Como assim adiantado,
Hilary? (t.) O concurso é hoje? (t.) Agora? E você só vem me dizer isso em cima
da hora, Hilary? (t.) Tá, já entendi. Tô indo pra aí agora. Tchau!
Walkiria desliga.
WALKIRIA – Inacreditável, viu? Meu Deus, eu
tenho que me sair bem!
Walkiria suspira. Ela sai de casa.
Corta para:
CENA 10/BOATE/INT./DIA
Dançarinas no fundo do palco. Na frente, Hilary
e Juliana Valcézia. Walkiria entra correndo.
HILARY – Que bom que você veio, Walkiria!
Hilary desce do palco.
WALKIRIA – Menina, eu tô muito nervosa. Eu acho
que vou ter um treco!
HILARY – Eu que vou ter um treco. Você não
tomou nem uma ducha antes de vir pra cá?
WALKIRIA – Hilary, você me liga e diz que eu
tenho que chegar rápido aqui na boate pra ontem e ainda reclama que eu não
tomei banho? É demais, viu?
HILARY – Tá, tá bom. O importante é que você
tá aqui. O concurso já vai começar. Pode subir ao palco que você é uma das
primeiras.
WALKIRIA – Tá.
HILARY – Boa sorte!
As duas se abraçam e Walkiria corre pro palco.
Hilary bate palmas.
HILARY – Ok, meninas! O concurso já vai
começar. Só ressaltando a presença da nossa querida Ju Valcézia. Muito
obrigada, Ju!
JULIANA – Que é isso?! Adorei vir.
HILARY – É... a primeira é Solange. Pode
vir, querida!
Uma mulher loira vai até o meio do palco.
HILARY – DJ Rafa, por favor!
A música começa. A mulher dança. Vemos Walkiria
observando e roendo as unhas.
Corta para:
CENA 11/CASA DE ROSICLER/FRENTE/EXT./DIA
Nínive destranca a porta, abre e entra. Danilo
sai de trás do muro e procura a chave atrás das plantas.
DO OUTRO LADO DA RUA, vemos Társis indo até a
casa de Rosicler. Danilo o vê.
DANILO – O Társis! E agora?
Danilo se esconde atrás do muro novamente.
Társis toca a campainha. Nínive abre a porta.
NÍNIVE – Társis? O que você tá fazendo aqui?
TÁRSIS – Não me convida pra entrar?
NÍNIVE – Claro, entra.
Társis entra e Nínive fecha a porta.
CLOSE em Danilo, apreensivo.
Corta para:
CENA 12/CASA DE VITÓRIA/QUARTO/DIA
Vitória dorme. Ela rola e cai da cama.
VITÓRIA – Ai! Ai, minhas costas!
Vitória levanta e olha o relógio.
VITÓRIA – Gente! Mentira que eu acordei quase
meio-dia!
Vitória calça os chinelos e vai até o banheiro.
NO BANHEIRO, Vitória tira a roupa, liga o chuveiro e entra debaixo dele. Começa a
escorrer sangue por suas PERNAS.
VITÓRIA – O que é isso? Eu nem tô nos dias de
menstruação. Meu Deus, o que é isso? O que tá acontecendo?
Vitória começa a ficar nervosa e a chorar.
VITÓRIA – (grita) Socorro!!!
Vitória arrasta as costas até sentar no chão do
banheiro e abraçar os joelhos.
CLOSE no chão do banheiro, todo sujo de sangue.
FIM DO CAPÍTULO
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