CENA 01/INT./EMPRESA TRINDADE/SALA DE OTÁVIO/DIA
Continuação imediata do capítulo anterior.
(Sonoplastia: The Mass – Era)
Vela acende. Maria Fernanda com o rosto sujo de sangue, rindo do
pai morto.
MARIA FERNANDA – Ah, que
pena que você morreu... era tão bonzinho! Ainda bem que vai pro Céu, né?
Maria Fernanda pega um saco de lixo e joga a mão cortada de
Otávio dentro.
MARIA FERNANDA – Esse é o
meu prêmio, papai. Até nunca mais!
CAM foca nos olhos de Maria Fernanda, brilhantes.
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CENA 02/INT./STOCK SHOTS/RIO DE JANEIRO/DIA-NOITE
Clipe com imagens do Rio de Janeiro. Anoitece.
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CENA 03/INT./MANSÃO TRINDADE/SALA DE JANTAR/NOITE
Ingrid e Maria Fernanda sentadas à mesa.
INGRID – Onde será que o Otávio se
meteu? Até agora nunca voltou da empresa.
MARIA FERNANDA – Papai é
homem sério, que se importa com a empresa. Deve estar trabalhando dobrado para
garantir o sucesso.
INGRID – Talvez. E isso é bom, não é?
Nossos negócios estão cada vez mais em cima.
MARIA FERNANDA – Papai
também está bem em cima (ri).
INGRID – O que você quer dizer,
filha?
MARIA FERNANDA – Nada não,
esquece. Madalena, por favor, uma jarra de suco!
Entra Madalena, segurando uma jarra de suco de laranja.
MADALENA – Onde a senhora estava o dia
todo, dona Fernanda?
MARIA FERNANDA – Não é da
sua conta. Você não é paga para saber dos assuntos que me dizem respeito. Agora
volta para a cozinha, vá lavar os pratos.
MADALENA – Sim, senhora. Desculpe.
MARIA FERNANDA – Vai logo
fazer o que eu te mandei, encosto.
Madalena sai.
INGRID – É impressionante, Maria
Fernanda. Impressionante!
MARIA FERNANDA – O que é
impressionante, mamãe?
INGRID – O jeito como você trata as
empregadas, principalmente a Madalena.
MARIA FERNANDA – Principalmente
a Madalena uma ova. Essa daí não tem jeito, é uma incompetente que dá nos
nervos. Por mim ela já estava no olho da rua há muito tempo.
INGRID (levanta) – Madalena
foi nossa primeira empregada, cuidou de você desde bebê e nunca aumentou o tom
de voz para você!
MARIA FERNANDA – Ainda bem
que não aumentou o tom de voz, senão tinha o salário dissolvido. Mas quem está
fazendo isso agora é você. Por que tanta revolta? Pensei que você não entrasse
em TPM há décadas.
INGRID – Escute aqui, Maria Fernanda:
eu não te criei dessa forma! Você precisa me respeitar e respeitar a todos,
independentemente de raça, condição social, religião, opção sexual...
MARIA FERNANDA – Ih mamãe,
nem vem com esse discurso que meus tímpanos já estão carecas de ouvir isso. É
sempre o mesmo mimimi de respeito a isso, respeito a aquilo... me poupe, né
mamãe?
INGRID – Perdi o apetite, Maria
Fernanda. Com licença!
Ingrid sobe as escadas, nervosa.
MARIA FERNANDA – Que mãe
clichê eu tenho. Isso aqui não é filme americano pra você sair da sala de
jantar sem ao menos ter tocado na comida, ouviu mamãe?
Um barulho abafado de tambores toca.
MARIA FERNANDA – Mas que
barulho irritante é esse em frente à minha casa?
Maria Fernanda levanta-se e vai para a frente da mansão.
Corta para:
CENA 04/EXT./MANSÃO TRINDADE/FRENTE/NOITE
Acontece um desfile. Maria Fernanda sai da mansão.
MARIA FERNANDA – Mas era
só o que me faltava. Desfile em frente à mansão Trindade. Ô do desfile, meia
volta volver que eu não quero algazarra na frente da minha mansão, ouviu?
Uma professora chega.
PROFESSORA – Olá, eu
sou a professora responsável pelo desfile. Alguma reclamação, senhora?
MARIA FERNANDA – Alguma
não, todas! Pode me informar do que se trata essa marchinha de crianças?
PROFESSORA – É uma
comemoração do dia da independência do Brasil.
MARIA FERNANDA – Como é
que é? Hahahaha, essa foi ótima minha querida! Desde quando o Brasil é
independente de outro país, fofa?
PROFESSORA – Eu não
sei se a senhora frequentou a escola, mas desde o dia 7 de setembro de 1822 o
Brasil é oficialmente/
MARIA FERNANDA – Alto lá,
solidária professora! Você sabe com quem está falando? É com Maria Fernanda
Trindade, e eu frequentei a escola sim. As melhores do mundo! Agora eu acho que
quem não frequentou a escola foi você, sua contratada quadrúpede. Será que não
sabe que o Brasil depende da economia de outros países para viver?
PROFESSORA – A senhora
está me ofendendo e ofendendo os meus alunos também!
MARIA FERNANDA – E eu tô
lá ligando pra você ou pra aluno teu? Imagina... comemorar a suposta
independência de um país imundo e nojento desse que vive encostado nos países
de verdade. É por essas e outras que não vejo a hora de me mudar para Paris.
PROFESSORA – Pois faça
bom proveito, porque aqui no Brasil estamos cheios de gente como você!
MARIA FERNANDA – Papinho
mole pra boi dormir, que você tem é inveja de mim. Pena que nunca vai chegar no
mesmo patamar que eu. Ganhando uma merreca por mês você acha mesmo que tem
moral pra discutir comigo?
PROFESSORA – Olha
aqui/
MARIA FERNANDA – Eu ainda
não terminei. Por obséquio, trate de tirar essas criancinhas imundas daqui
neste exato momento. Estou cheia de ver cara feia. Passe muito bem.
PROFESSORA – Pois é
assim? Crianças, parem de marchar! O desfile agora vai ser aqui, em frente a
essa casa.
As crianças param. Do outro lado da rua, Lucas e Vitória andam observando
o desfile.
LUCAS – Olha que legal esse desfile!
VITÓRIA – Tá bem lindo, tudo verde e
amarelo. Me dá tanto orgulho de viver nesse país...
LUCAS – Ué, mas por que tá tudo
parado? Era para as crianças estarem marchando, né?
VITÓRIA – Estranho, Lucas. Vem cá,
aquela ali não é sua mãe discutindo com uma mulher?
LUCAS – Não acredito! Pior que é ela
mesmo. Vamo lá, Vitória.
VITÓRIA – Vamos, mas um pouco devagar,
ainda não consigo correr.
Lucas e Vitória atravessam a rua.
LUCAS – O que tá acontecendo aqui?
PROFESSORA – Essa
distinta senhora está reclamando do desfile do dia da independência.
LUCAS – Infelizmente não é tão
distinta pra mim. Mãe, o que você pensa que tá fazendo?
MARIA FERNANDA – Faça-me o
favor, Lucas. Quem diabos gosta de algazarra? Ainda mais com essas criancinhas
xexelentas fingindo que marcham.
PROFESSORA – Mais
respeito com os meus alunos, por favor!
MARIA FERNANDA – Cala a
boca, dependente de merreca.
LUCAS – Cala a boca você, mãe!
MARIA FERNANDA – Como é
que é?
LUCAS – É isso mesmo que você ouviu.
Poxa, as crianças estão fazendo um trabalho lindo, comemorando o fato de nós
vivermos em um país independente, o fato de nós termos um povo diverso, uma
cultura variada. Custa apreciar isso?
MARIA FERNANDA – Jesus
amado, dai-me paciência.
VITÓRIA – Dona Maria Fernanda, eu
nunca pensei que a senhora fosse desse jeito.
MARIA FERNANDA – Cale a
boca que ninguém te mencionou na conversa, Viagra.
VITÓRIA – É Vitória.
MARIA FERNANDA – O diabo a
quatro. Enfim, eu não estou a fim de discutir com ninguém, contanto que essa
bagunça não continue e passe longe da minha casa.
PROFESSORA – Isso é um
disparate! Eu vou levar a senhora para a Justiça por conta disso.
MARIA FERNANDA – Justiça?
Nesse país cheio de fraude e corrupção? Meu amor, você não está comemorando a
independência de algum país de primeiro mundo não, só pra lembrar. Agora com
licença, eu tenho mais o que fazer.
Maria Fernanda volta para a mansão.
LUCAS – Professora, mil desculpas. A
minha mãe é desse jeito mesmo, eu/
PROFESSORA – Não
precisa se desculpar, mocinho. Apesar de termos um motivo para comemorar com
desfile, esse tipo de gente que desacredita no Brasil merece um minuto de
silêncio. Boa noite. Crianças, marchando!
A professora sai.
VITÓRIA – O que significa isso? Essa
não é a Maria Fernanda Trindade que eu conheci.
LUCAS – Se acostuma que às vezes ela
é pior. Bem pior!
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CENA 05/INT/CASA DE ROSICLER/SALA/DIA
Nínive sentada no sofá, com o celular na mão. Rosicler desce as
escadas.
ROSICLER – Que tal, filha? Estou nos trinques?
NÍNIVE – Uau! Isso tudo é pra
encontrar o boy do site de relacionamento? Tá podendo, hein?
ROSICLER – Eu tô velha mas não tô
morta, minha querida. E o seu irmão, que fim levou?
NÍNIVE – Não sei, não quero saber e
tenho raiva de quem sabe. Desde que saiu de manhã, nunca voltou pra casa.
ROSICLER – Típico do Társis mesmo. Bom,
eu vou sair. Não se preocupe se eu chegar tarde. Isso será sinal que bateu
química e... cama!
NÍNIVE – Vai lá coroa, aproveita. Só
não esquece que você é viúva de respeito, viu? Eu nunca superei a morte do
papai.
ROSICLER – Eu sou a mãe e você é a
filha, a não ser que isso seja uma inversão de papéis. Se for, é culpa do
autor.
NÍNIVE – Oi?
ROSICLER – Ah nada, deixa pra lá.
Tchauzinho!
Rosicler sai. Nínive disca um número.
NÍNIVE – Alô? Danilo?
DANILO (tel/off) – Oi,
Nínive.
NÍNIVE – Que voz é essa? Danilo, você
tá chorando?
DANILO (tel/off) – Nínive,
desculpa, mas não tem como te falar por telefone. A gente pode conversar?
NÍNIVE – Claro, vem aqui em casa.
Pode ser?
DANILO (tel/off) – Tudo bem.
Já tô indo. Tchau.
Nínive desliga. Entra Társis.
TÁRSIS – Quem vai fazer uma visita
para nós?
NÍNIVE – Társis, onde é que você tava
até agora?
TÁRSIS – Quem faz as perguntas aqui
sou eu! Quem é que vai vir aqui em casa?
NÍNIVE (levanta) – Não é da
sua conta.
Társis a pega pelo braço.
TÁRSIS – É o Danilo? É aquele
pretinho?
Corta para:
CENA 06/INT./SHOPPING/PRAÇA DE ALIMENTAÇÃO/NOITE
(Sonoplastia: Le Freak – CHIC)
Rosicler espera Greg.
ROSICLER – Ai, cadê o gatinho do site?
Marcamos pra oito horas, já são nove e nada dele.
Do outro lado, entra Greg.
GREG – Cadê a Roro? Cadê a loirinha
gostosa?
Rosicler pega o celular e abre no aplicativo do site de
relacionamento. Greg esbarra em Rosicler e derruba seu celular.
ROSICLER – Tá louco? Você sabe quanto
custou esse celular?
GREG – Desculpa, minha senhora. Mas
veja, nem quebrou a tela.
ROSICLER – Claro, ele caiu com a tela
pra cima. Quadrúpede!
GREG – Eu faço a gentileza de pegar
o celular.
Greg pega o celular e vê o aplicativo.
ROSICLER – Não te ensinaram que é falta
de educação bisbilhotar as coisas dos outros?
GREG – RoroGatinha? É você a loira
dos olhos azuis?
Os dois se olham.
Fade out: sonoplastia.
Corta para:
CENA 07/INT/EMPRESA TRINDADE/CORREDOR/NOITE
Dois secretários caminham pelo corredor.
SECRETÁRIO 1 – Essa
câmera já estava quebrada?
SECRETÁRIO 2 – Essa eu
não sei, mas e essa daqui?
SECRETÁRIO 1 – Todas
estão quebradas. O doutor Otávio já sabe disso?
SECRETÁRIO 2 – Vamos comunicar
a ele.
Os secretários saem.
Corta para:
CENA 08/INT./EMPRESA TRINDADE/SALA DE OTÁVIO/NOITE
Entram os secretários. Otávio no chão, numa poça de sangue.
SECRETÁRIO 2 – Meu Deus!
Mataram o seu Otávio!
SECRETÁRIO 1 – Deceparam
a mão dele. Pelo amor de Deus, chame os seguranças agora!
Secretário 2 sai.
SECRETÁRIO 1 – Que
idiota! Poderia usar o rádio. Meu Deus do céu, quem poderia ter feito uma coisa
dessas?
Corta para:
CENA 09/INT./MANSÃO TRINDADE/SALA/NOITE
Maria Fernanda sentada no sofá. Ingrid bebendo chá na poltrona.
O telefone toca.
MARIA FERNANDA – Madalena!
Madalena!
Entra Madalena.
MADALENA – Chamou, senhora?
MARIA FERNANDA – Você tá surda? Eu te chamei sim, e para atender o telefone.
MARIA FERNANDA – Você tá surda? Eu te chamei sim, e para atender o telefone.
Madalena atende.
MADALENA – Alô? (t.) Tu-tudo bem, eu
vou avisar. Obrigado.
Madalena desliga.
INGRID – Quem era, Madalena?
MADALENA – Era da empresa, dona Ingrid.
INGRID – E o que aconteceu?
Madalena fica em silêncio.
MARIA FERNANDA – Fala
logo, criatura! Mamãe está esperando.
MADALENA – Mataram o seu Otávio.
Ingrid se assusta. Maria Fernanda disfarça um sorriso.
Corta para:
CENA 10/EXT./EMPRESA TRINDADE/FRENTE/NOITE
Três viaturas em frente à empresa. Uma multidão faz um
burburinho. A família Trindade, Vitória e Madalena à porta da empresa. Ingrid
chora, sendo acalmada por Lucas.
LUCAS – Como foi isso? Explicaram
pelo telefone?
MADALENA – Seu Lucas, só disseram que
encontraram o seu Otávio morto no escritório, com uma mão decepada.
MARIA FERNANDA – Nossa,
quem será que faria tamanha barbaridade?
Chega Kátia Flávia.
KÁTIA FLÁVIA – Eu vim o
mais rápido que eu pude. Vi no jornal agora há pouco. Mataram o velho, foi
isso?
LUCAS – Kátia Flávia, mais respeito!
KÁTIA FLÁVIA – Vem cá, o
que a Vitória Palmatória tá fazendo aqui? Nem da família ela é...
LUCAS – Agora não é o momento, Kátia
Flávia. Se controla!
VITÓRIA – Você não tá vendo o estado
em que a dona Ingrid está, garota?
KÁTIA FLÁVIA – Quem você
pensa que é pra falar assim comigo? Semi-aleijada!
VITÓRIA – Olha aqui, sua naja, me
respeita!
LUCAS – Chega!!! Calem a boca, vocês
duas. Kátia Flávia, e daí que ela está aqui? Todo o apoio é válido nessas
horas. Em vez de estar se preocupando que mataram meu avô, fica dando chilique
por besteira. Por favor, né?
INGRID (chora) – Eu... eu
quero ver ele pela última vez.
LUCAS – Estão trazendo o corpo numa
maca, vovó.
Ingrid se dirige a Otávio.
INGRID – Meu amor... ah, meu amor.
Por quê? Por que logo agora, Otávio? Eu te amava muito, ainda te amo. Não vai!
Não vai!
Os médicos levam o corpo de Otávio para a ambulância. Ingrid se
ajoelha no chão, chorando.
INGRID (grita) – Otávio!!!
FIM DO CAPÍTULO
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