domingo, 13 de setembro de 2015

Capítulo 06: Castelo de Cartas


CENA 01/INT./EMPRESA TRINDADE/SALA DE OTÁVIO/DIA
Continuação imediata do capítulo anterior.
(Sonoplastia: The Mass – Era)
Vela acende. Maria Fernanda com o rosto sujo de sangue, rindo do pai morto.
MARIA FERNANDA – Ah, que pena que você morreu... era tão bonzinho! Ainda bem que vai pro Céu, né?
Maria Fernanda pega um saco de lixo e joga a mão cortada de Otávio dentro.
MARIA FERNANDA – Esse é o meu prêmio, papai. Até nunca mais!
CAM foca nos olhos de Maria Fernanda, brilhantes.
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CENA 02/INT./STOCK SHOTS/RIO DE JANEIRO/DIA-NOITE
Clipe com imagens do Rio de Janeiro. Anoitece.
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CENA 03/INT./MANSÃO TRINDADE/SALA DE JANTAR/NOITE
Ingrid e Maria Fernanda sentadas à mesa.
INGRID – Onde será que o Otávio se meteu? Até agora nunca voltou da empresa.
MARIA FERNANDA – Papai é homem sério, que se importa com a empresa. Deve estar trabalhando dobrado para garantir o sucesso.
INGRID – Talvez. E isso é bom, não é? Nossos negócios estão cada vez mais em cima.
MARIA FERNANDA – Papai também está bem em cima (ri).
INGRID – O que você quer dizer, filha?
MARIA FERNANDA – Nada não, esquece. Madalena, por favor, uma jarra de suco!
Entra Madalena, segurando uma jarra de suco de laranja.
MADALENA – Onde a senhora estava o dia todo, dona Fernanda?
MARIA FERNANDA – Não é da sua conta. Você não é paga para saber dos assuntos que me dizem respeito. Agora volta para a cozinha, vá lavar os pratos.
MADALENA – Sim, senhora. Desculpe.
MARIA FERNANDA – Vai logo fazer o que eu te mandei, encosto.
Madalena sai.
INGRID – É impressionante, Maria Fernanda. Impressionante!
MARIA FERNANDA – O que é impressionante, mamãe?
INGRID – O jeito como você trata as empregadas, principalmente a Madalena.
MARIA FERNANDA – Principalmente a Madalena uma ova. Essa daí não tem jeito, é uma incompetente que dá nos nervos. Por mim ela já estava no olho da rua há muito tempo.
INGRID (levanta) – Madalena foi nossa primeira empregada, cuidou de você desde bebê e nunca aumentou o tom de voz para você!
MARIA FERNANDA – Ainda bem que não aumentou o tom de voz, senão tinha o salário dissolvido. Mas quem está fazendo isso agora é você. Por que tanta revolta? Pensei que você não entrasse em TPM há décadas.
INGRID – Escute aqui, Maria Fernanda: eu não te criei dessa forma! Você precisa me respeitar e respeitar a todos, independentemente de raça, condição social, religião, opção sexual...
MARIA FERNANDA – Ih mamãe, nem vem com esse discurso que meus tímpanos já estão carecas de ouvir isso. É sempre o mesmo mimimi de respeito a isso, respeito a aquilo... me poupe, né mamãe?
INGRID – Perdi o apetite, Maria Fernanda. Com licença!
Ingrid sobe as escadas, nervosa.
MARIA FERNANDA – Que mãe clichê eu tenho. Isso aqui não é filme americano pra você sair da sala de jantar sem ao menos ter tocado na comida, ouviu mamãe?
Um barulho abafado de tambores toca.
MARIA FERNANDA – Mas que barulho irritante é esse em frente à minha casa?
Maria Fernanda levanta-se e vai para a frente da mansão.
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CENA 04/EXT./MANSÃO TRINDADE/FRENTE/NOITE
Acontece um desfile. Maria Fernanda sai da mansão.
MARIA FERNANDA – Mas era só o que me faltava. Desfile em frente à mansão Trindade. Ô do desfile, meia volta volver que eu não quero algazarra na frente da minha mansão, ouviu?
Uma professora chega.
PROFESSORA – Olá, eu sou a professora responsável pelo desfile. Alguma reclamação, senhora?
MARIA FERNANDA – Alguma não, todas! Pode me informar do que se trata essa marchinha de crianças?
PROFESSORA – É uma comemoração do dia da independência do Brasil.
MARIA FERNANDA – Como é que é? Hahahaha, essa foi ótima minha querida! Desde quando o Brasil é independente de outro país, fofa?
PROFESSORA – Eu não sei se a senhora frequentou a escola, mas desde o dia 7 de setembro de 1822 o Brasil é oficialmente/
MARIA FERNANDA – Alto lá, solidária professora! Você sabe com quem está falando? É com Maria Fernanda Trindade, e eu frequentei a escola sim. As melhores do mundo! Agora eu acho que quem não frequentou a escola foi você, sua contratada quadrúpede. Será que não sabe que o Brasil depende da economia de outros países para viver?
PROFESSORA – A senhora está me ofendendo e ofendendo os meus alunos também!
MARIA FERNANDA – E eu tô lá ligando pra você ou pra aluno teu? Imagina... comemorar a suposta independência de um país imundo e nojento desse que vive encostado nos países de verdade. É por essas e outras que não vejo a hora de me mudar para Paris.
PROFESSORA – Pois faça bom proveito, porque aqui no Brasil estamos cheios de gente como você!
MARIA FERNANDA – Papinho mole pra boi dormir, que você tem é inveja de mim. Pena que nunca vai chegar no mesmo patamar que eu. Ganhando uma merreca por mês você acha mesmo que tem moral pra discutir comigo?
PROFESSORA – Olha aqui/
MARIA FERNANDA – Eu ainda não terminei. Por obséquio, trate de tirar essas criancinhas imundas daqui neste exato momento. Estou cheia de ver cara feia. Passe muito bem.
PROFESSORA – Pois é assim? Crianças, parem de marchar! O desfile agora vai ser aqui, em frente a essa casa.
As crianças param. Do outro lado da rua, Lucas e Vitória andam observando o desfile.
LUCAS – Olha que legal esse desfile!
VITÓRIA – Tá bem lindo, tudo verde e amarelo. Me dá tanto orgulho de viver nesse país...
LUCAS – Ué, mas por que tá tudo parado? Era para as crianças estarem marchando, né?
VITÓRIA – Estranho, Lucas. Vem cá, aquela ali não é sua mãe discutindo com uma mulher?
LUCAS – Não acredito! Pior que é ela mesmo. Vamo lá, Vitória.
VITÓRIA – Vamos, mas um pouco devagar, ainda não consigo correr.
Lucas e Vitória atravessam a rua.
LUCAS – O que tá acontecendo aqui?
PROFESSORA – Essa distinta senhora está reclamando do desfile do dia da independência.
LUCAS – Infelizmente não é tão distinta pra mim. Mãe, o que você pensa que tá fazendo?
MARIA FERNANDA – Faça-me o favor, Lucas. Quem diabos gosta de algazarra? Ainda mais com essas criancinhas xexelentas fingindo que marcham.
PROFESSORA – Mais respeito com os meus alunos, por favor!
MARIA FERNANDA – Cala a boca, dependente de merreca.
LUCAS – Cala a boca você, mãe!
MARIA FERNANDA – Como é que é?
LUCAS – É isso mesmo que você ouviu. Poxa, as crianças estão fazendo um trabalho lindo, comemorando o fato de nós vivermos em um país independente, o fato de nós termos um povo diverso, uma cultura variada. Custa apreciar isso?
MARIA FERNANDA – Jesus amado, dai-me paciência.
VITÓRIA – Dona Maria Fernanda, eu nunca pensei que a senhora fosse desse jeito.
MARIA FERNANDA – Cale a boca que ninguém te mencionou na conversa, Viagra.
VITÓRIA – É Vitória.
MARIA FERNANDA – O diabo a quatro. Enfim, eu não estou a fim de discutir com ninguém, contanto que essa bagunça não continue e passe longe da minha casa.
PROFESSORA – Isso é um disparate! Eu vou levar a senhora para a Justiça por conta disso.
MARIA FERNANDA – Justiça? Nesse país cheio de fraude e corrupção? Meu amor, você não está comemorando a independência de algum país de primeiro mundo não, só pra lembrar. Agora com licença, eu tenho mais o que fazer.
Maria Fernanda volta para a mansão.
LUCAS – Professora, mil desculpas. A minha mãe é desse jeito mesmo, eu/
PROFESSORA – Não precisa se desculpar, mocinho. Apesar de termos um motivo para comemorar com desfile, esse tipo de gente que desacredita no Brasil merece um minuto de silêncio. Boa noite. Crianças, marchando!
A professora sai.
VITÓRIA – O que significa isso? Essa não é a Maria Fernanda Trindade que eu conheci.
LUCAS – Se acostuma que às vezes ela é pior. Bem pior!
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CENA 05/INT/CASA DE ROSICLER/SALA/DIA
Nínive sentada no sofá, com o celular na mão. Rosicler desce as escadas.
ROSICLER – Que tal, filha? Estou nos trinques?
NÍNIVE – Uau! Isso tudo é pra encontrar o boy do site de relacionamento? Tá podendo, hein?
ROSICLER – Eu tô velha mas não tô morta, minha querida. E o seu irmão, que fim levou?
NÍNIVE – Não sei, não quero saber e tenho raiva de quem sabe. Desde que saiu de manhã, nunca voltou pra casa.
ROSICLER – Típico do Társis mesmo. Bom, eu vou sair. Não se preocupe se eu chegar tarde. Isso será sinal que bateu química e... cama!
NÍNIVE – Vai lá coroa, aproveita. Só não esquece que você é viúva de respeito, viu? Eu nunca superei a morte do papai.
ROSICLER – Eu sou a mãe e você é a filha, a não ser que isso seja uma inversão de papéis. Se for, é culpa do autor.
NÍNIVE – Oi?
ROSICLER – Ah nada, deixa pra lá. Tchauzinho!
Rosicler sai. Nínive disca um número.
NÍNIVE – Alô? Danilo?
DANILO (tel/off) – Oi, Nínive.
NÍNIVE – Que voz é essa? Danilo, você tá chorando?
DANILO (tel/off) – Nínive, desculpa, mas não tem como te falar por telefone. A gente pode conversar?
NÍNIVE – Claro, vem aqui em casa. Pode ser?
DANILO (tel/off) – Tudo bem. Já tô indo. Tchau.
Nínive desliga. Entra Társis.
TÁRSIS – Quem vai fazer uma visita para nós?
NÍNIVE – Társis, onde é que você tava até agora?
TÁRSIS – Quem faz as perguntas aqui sou eu! Quem é que vai vir aqui em casa?
NÍNIVE (levanta) – Não é da sua conta.
Társis a pega pelo braço.
TÁRSIS – É o Danilo? É aquele pretinho?
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CENA 06/INT./SHOPPING/PRAÇA DE ALIMENTAÇÃO/NOITE
(Sonoplastia: Le Freak – CHIC)
Rosicler espera Greg.
ROSICLER – Ai, cadê o gatinho do site? Marcamos pra oito horas, já são nove e nada dele.
Do outro lado, entra Greg.
GREG – Cadê a Roro? Cadê a loirinha gostosa?
Rosicler pega o celular e abre no aplicativo do site de relacionamento. Greg esbarra em Rosicler e derruba seu celular.
ROSICLER – Tá louco? Você sabe quanto custou esse celular?
GREG – Desculpa, minha senhora. Mas veja, nem quebrou a tela.
ROSICLER – Claro, ele caiu com a tela pra cima. Quadrúpede!
GREG – Eu faço a gentileza de pegar o celular.
Greg pega o celular e vê o aplicativo.
ROSICLER – Não te ensinaram que é falta de educação bisbilhotar as coisas dos outros?
GREG – RoroGatinha? É você a loira dos olhos azuis?
Os dois se olham.
Fade out: sonoplastia.
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CENA 07/INT/EMPRESA TRINDADE/CORREDOR/NOITE
Dois secretários caminham pelo corredor.
SECRETÁRIO 1 – Essa câmera já estava quebrada?
SECRETÁRIO 2 – Essa eu não sei, mas e essa daqui?
SECRETÁRIO 1 – Todas estão quebradas. O doutor Otávio já sabe disso?
SECRETÁRIO 2 – Vamos comunicar a ele.
Os secretários saem.
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CENA 08/INT./EMPRESA TRINDADE/SALA DE OTÁVIO/NOITE
Entram os secretários. Otávio no chão, numa poça de sangue.
SECRETÁRIO 2 – Meu Deus! Mataram o seu Otávio!
SECRETÁRIO 1 – Deceparam a mão dele. Pelo amor de Deus, chame os seguranças agora!
Secretário 2 sai.
SECRETÁRIO 1 – Que idiota! Poderia usar o rádio. Meu Deus do céu, quem poderia ter feito uma coisa dessas?
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CENA 09/INT./MANSÃO TRINDADE/SALA/NOITE
Maria Fernanda sentada no sofá. Ingrid bebendo chá na poltrona. O telefone toca.
MARIA FERNANDA – Madalena! Madalena!
Entra Madalena.
MADALENA – Chamou, senhora?
MARIA FERNANDA – Você tá surda? Eu te chamei sim, e para atender o telefone.
Madalena atende.
MADALENA – Alô? (t.) Tu-tudo bem, eu vou avisar. Obrigado.
Madalena desliga.
INGRID – Quem era, Madalena?
MADALENA – Era da empresa, dona Ingrid.
INGRID – E o que aconteceu?
Madalena fica em silêncio.
MARIA FERNANDA – Fala logo, criatura! Mamãe está esperando.
MADALENA – Mataram o seu Otávio.
Ingrid se assusta. Maria Fernanda disfarça um sorriso.
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CENA 10/EXT./EMPRESA TRINDADE/FRENTE/NOITE
Três viaturas em frente à empresa. Uma multidão faz um burburinho. A família Trindade, Vitória e Madalena à porta da empresa. Ingrid chora, sendo acalmada por Lucas.
LUCAS – Como foi isso? Explicaram pelo telefone?
MADALENA – Seu Lucas, só disseram que encontraram o seu Otávio morto no escritório, com uma mão decepada.
MARIA FERNANDA – Nossa, quem será que faria tamanha barbaridade?
Chega Kátia Flávia.
KÁTIA FLÁVIA – Eu vim o mais rápido que eu pude. Vi no jornal agora há pouco. Mataram o velho, foi isso?
LUCAS – Kátia Flávia, mais respeito!
KÁTIA FLÁVIA – Vem cá, o que a Vitória Palmatória tá fazendo aqui? Nem da família ela é...
LUCAS – Agora não é o momento, Kátia Flávia. Se controla!
VITÓRIA – Você não tá vendo o estado em que a dona Ingrid está, garota?
KÁTIA FLÁVIA – Quem você pensa que é pra falar assim comigo? Semi-aleijada!
VITÓRIA – Olha aqui, sua naja, me respeita!
LUCAS – Chega!!! Calem a boca, vocês duas. Kátia Flávia, e daí que ela está aqui? Todo o apoio é válido nessas horas. Em vez de estar se preocupando que mataram meu avô, fica dando chilique por besteira. Por favor, né?
INGRID (chora) – Eu... eu quero ver ele pela última vez.
LUCAS – Estão trazendo o corpo numa maca, vovó.
Ingrid se dirige a Otávio.
INGRID – Meu amor... ah, meu amor. Por quê? Por que logo agora, Otávio? Eu te amava muito, ainda te amo. Não vai! Não vai!
Os médicos levam o corpo de Otávio para a ambulância. Ingrid se ajoelha no chão, chorando.

INGRID (grita) – Otávio!!!


FIM DO CAPÍTULO

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