segunda-feira, 7 de setembro de 2015

Capítulo 06: Escrúpulos



Marlon e o detetive Devis saíram do beco. A noite estava sombria, os pássaros voavam pela cidade. Essa é a hora do dia em que os mendigos transformavam bancos, papelões, calçadas e pontes em cama. Aquelas ruas eram os quartos dos pobres. Dormir era o maior desejo. Ninguém olhava para eles e quando olhava disfarçadamente, se enojavam. Eles não são culpados de terem aquela vida. Poucos declaravam-se não importarem com aqueles restos de vida, mas muitos cuspiam da boca, que sentiam pena, queriam ajudar, mas nunca deram comida, roupas usadas, atenção, carinho, nem respeito. Muitos dizem que não dão dinheiro, porque eles vão gastar em bebidas alcoólicas. Cadê os escrúpulos? Não culpo os que dizem a verdade. Desprezo os que utilizam uma máscara para dizerem o bem e agirem com o mal.
Depois de várias ruas com esse público, Marlon estacionou na porta do detetive Devis.
- Espero que em breve tenho notícias corretas.
- Desculpe-me senhor Marlon, mas é como te expliquei. É como se eu procurasse seis agulhas num grande palheiro.
- Sou eu que peço desculpas Devis. Estou tão nervoso e ansioso, que me alterei. Perdão.
- Entendo que queira ver seus amigos. Tenho que ir. Amanhã cedo vou reiniciar as minhas buscas.
-  Espero que você encontre-os logo, não sabe a vontade que tenho de vê-los cara a cara novamente.
Muitos diriam que  é tamanha falta de respeito e prepotência. Isso é mais um escrúpulo besta dessa nossa sociedade hipócrita. Até entendo que devemos respeitar os mais velhos. Mais o título de senhor causa uma certa distância. O  título você, aproximam as pessoas. Se têm respeito com palavras sensatas e atitudes honrosas. Um você e um tu não quer dizer que não se tenha respeito, mas sim uma aproximação e um coleguismo cordial.
- Até logo senhor Marlon. – disse o detetive ao sair do carro.
- Até logo detetive Devis.
Marlon ligou o carro e foi em direção a sua casa. Agora o caminho era outro. Os personagens também. Em cada esquina que passa, haviam prostitutas. Mais um julgamento da sociedade. Muitos dizem que é falta de vergonha na cara, outros dizem que é ganhar dinheiro na moleza. Alguém parou e se perguntou qual era o passado de cada uma? O que elas sofreram no passado? Cabe analisar o ponto de vista de cada um. Se é o que ela gosta de fazer, tudo bem, a escolha é dela. É dela a vida e ninguém tem o direito de se intrometer. Agora parem essa leitura e se pergunte, “ Por que aquela pessoa que pega um(a) e outros(as) e não estão na esquina, não são mal vista pela sociedade ?”  As que estão na esquina é por dinheiro. E as(os) outras(os) fazem por prazer e sem amor. Não estou colocando em questão o trabalho, mas sim a atitude de um envolvimento sem amor.
 Marlon continuava com suas “esquisitices”. Creio que ele é o único que vê o mundo com outros olhos. Possuía a visão de raio-x para ver a essência da alma das pessoas, da vida. Ele dirigia e via aquelas mulheres trabalhando, isso mesmo, trabalhando. Ele imaginava elas saindo do motel, indo para o supermercado e comprando o leite de seu filho. As oportunidades aparecem para pouco e ela era mais uma vítima do destino.
Depois de percorrer várias ruas, Marlon finalmente chegou em sua casa. Desceu do carro. Entrou em casa. Rodou a chave na fechadura e o seu celular tocou.
- Alô.
- Alô. Aqui é a Solange. A nova repórter.
- Como vai Solange?
- Vou bem. E o senhor?
- Vou bem.
- Liguei para saber se o senhor poderia vim aqui na minha casa. É que tenho uma nova matéria e queria que o senhor desse uma olhadinha.
- Posso ir. Chego já aí.
Marlon desligou o celular. Rodou a chave e saiu no seu carro. Lá estava estampado novamente os artistas na rua. Depois de alguns minutos, Marlon chegou. Solange escutou o barulho do carro e foi logo abrindo a porta.
- Que bom que o senhor veio.
- Estou ansioso para saber qual é essa matéria.
- Pode entrar.
- Obrigado.
Marlon foi entrando e olhando a casa de sua repórter. A sala era bem simples, aliás todo o restante da casa era simples. Solange era uma moça simples. Nasceu num sítio, próximo da cidade. Com muita batalha, ela conseguiu terminar a faculdade de jornalismo.
- Pode sentar-se senhor.
- Obrigado. Então, qual é essa matéria?
- Espere um momentinho, vou buscar.
Solange chega com a matéria.
- Quer um cafezinho?
- Não, obrigado.
- Quer um chazinho?
- Não, obrigado.
- Quer uma aguinha?
- Vou aceitar.
 Depois de muita insistência, Marlon aceitou. Enquanto ele bebia a água, ia lendo a matéria.Era sobre a ponte que iria inaugurar na cidade. Solange conseguiu que muitas autoridades falassem a respeito.
- Muito boa essa matéria.
- Que bom que o senhor gostou. Fiquei o dia todo esperando que o prefeito chegasse. Ele marcou para às nove horas e chegou às dez e meia. Fiquei torrando naquele sol escaldante.
Depois que Marlon acabou de beber a água, Solange perguntou:
- Quer uns biscoitinho amanteigados?
- Aceito.
Enquanto ela foi a cozinha, um carro estacionou. A porta se abriu e entrou o seu namorado, Júlio. Quando Júlio viu Marlon, sua fisionomia mudou. O sorriso se transformou em fúria nos olhos.
- Cadê a Solange?
- Ela está na cozinha.
Júlio foi em direção a ela. Assim que viu Solange, a briga começou.
- O que aquele sujeito está fazendo na sala.
- Ele é meu chefe.
- E o que ele está fazendo aqui? Que eu saiba, agora não é o horário do expediente.
- Eu liguei pra ele e chamei para que ele lesse a minha nova matéria.
- Foi você que ligou pra ele? Que cara de pau.
- Mais não teve nada de mais.
- Se teve nada ou tudo de mais, não quero saber. Me dediquei esses anos todos a você e é assim que recebo sua gratidão.
Os dois vão para a sala. Marlon sai e os dois  no calor da discussão, nem percebem. Os gritos e berros dão para ouvir da calçada.

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