O
barulho da chuva é o único que se consegue ouvir nas ruas de paralelepípedo de
Pitenópolis. É uma manhã chuvosa e por isso, não há quase ninguém na fora de
suas casas. Vários comércios estão fechados.
O
jovem Augusto está em seu quarto na pensão de Hanna Curie. O quarto tem duas
camas, um espelho grande fixo na parede, um grande armário de madeira e duas
poltronas. Augusto olha-se no espelho sujo e vê seu reflexo: um rapaz bonito e
alto de cabelos escuros, curtos e enrolados. Augusto veste uma calça preta um
pouco descolorida e um sweater de lã cinza. Ele depois olha novamente o espelho
e olha que Hanna Curie está logo atrás dele. A dona da pensão aproxima-se de
Augusto. Hanna está com um vestido vermelho longo, sem muitos decotes e
exageros. Hanna possui cabelo curto e de cor castanha clara, já seus olhos são
mais escuros. Hanna, ex-cafetina, possui várias pulseiras no seu braço, além de
brincos chamativos.
–
Bom dia, Augusto. – diz Hanna.
–
Oi Hanna. Como vai?
–
Vou bem, Augusto, mas acho que você não.
–
Por que você acha isso?
–
Você anda tão quietinho. Pode conversar comigo. – fala Hanna, preocupada com
Augusto.
–
Obrigado por ser tão cuidadosa comigo e com meus avós, Hanna. Não sei o que
seria da minha vida sem você e eles.
–
Para mim isso não é nada demais. Eu sempre gostei de vocês.
–
Eu estou gostando de uma moça, mas ainda está muito confuso isso para mim. –
fala Augusto com olhar de paixão.
–
Que bom que está gostando de alguém. Eu nunca me apaixonei por alguém. Minha
vida de cafetina não permitia isso.
–
Mas e agora, Hanna? – pergunta Augusto, curioso.
–
Ainda não encontrei ninguém especial.
–
Por que você mudou seu nome pra Hanna Curie?
–
Eu mesma não sei muito bem. Não gosto muito de Ana Paula. Quando eu virei
cafetina, eu era chamada de Aninha do Bordel, então resolvi trocar por um nome
mais glamouroso.
–
Ah sim.
–
Agora vamos falar de você. Quem é essa jovem especial?
– É
a Ângela Albuquerque.
– A
filha do Jorge e da Regina? – confirma Hanna, surpresa.
–
Ela mesma.
–
Ela é muito bonita. Mas por que você não fala com ela?
–
Você acha que uma pessoa da família mais importante de Pitenópolis vai querer
falar comigo? – questiona Augusto, inseguro.
–
Se você não arriscar, nunca saberá.
–
Você acha que eu devo falar com ela?
–
Claro, Augusto.
A
conversa é interrompida por Cléo, prima de Hanna, que entra no quarto. Ela está
vestida com uma saia mais longa e uma blusa rosa de aparência antiga. Cléo é
uma mulher mais madura, porém inocente, ingênua e nunca se apaixonou.
– O
que foi, Cléo? – pergunta Hanna, incomodada com a presença da prima naquele
momento.
– A
Mary Leh e a Jenny Franc estão lá embaixo.
– O
que essas duas bruxinhas querem aqui?
–
Elas estão fazendo um alvoroço falando que a chuva de hoje é o fim do mundo.
–
Essas duas são duas sem noção. – comenta Augusto.
–
São mesmo. – diz Hanna.
–
Então o que eu faço, Hanna? – pergunta Cléo.
–
Eu vou lá com você. Augusto, depois eu falo com você. Preciso resolver essa
palhaçada lá embaixo.
–
Sem problema, Hanna.
Hanna
e Cléo saem do quarto, porém Álvaro entra nele. Álvaro é um jovem advogado que
divide quarto com Augusto e possui um forte laço de amizade com ele. Ele está
vestido com uma roupa social escura e seu cabelo escuro e charmoso está ainda
desarrumado.
–
Que cara é essa, Augusto? Está meio abatido.
–
Nada demais, Álvaro.
–
Augusto, você sabe muito bem que não precisa esconder nada de mim. Pode falar.
–
Acho que estou amando.
–
Sério? Quem?
–
Ainda é recente. A Ângela Albuquerque.
– A
Ângela?
–
Sim.
–
Você acha que ela vai te dar bola? – brinca Álvaro.
–
Não sei. Por quê?
–
Com todo respeito, Augusto, vocês são de mundos muito diferentes.
–
Mas eu a amo. Isso não diz nada?
–
Claro que diz muita coisa. Você já falou com ela?
–
Ainda não.
–
Você precisa tomar uma atitude, Augusto.
–
Vou tomar sim.
***
Chegando
à recepção da pensão, Hanna depara-se com Mary Leh e Jenny Franc, como Cléo
havia adiantado. A recepção tem um balcão de madeira e algumas poltronas
acolchoadas. Na pequena cidade de Pitenópolis, diz-se
que Mary Leh e sua irmã Jenny fazem cultos de magia negra sacrificando animais.
Mary está alegre e veste um vestido longo e um cachecol colorido.
Diferentemente dos estereótipos, suposta bruxa é jovem, tem somente vinte e
seis anos e seu cabelo escuro seduz rapazes. A pele clara, fina e macia são
nitidamente visíveis em Mary Leh. Jenny Franc, a irmã mais nova de Mary, é mais
discreta, porém também encanta rapazes por seu cabelo longo, escuro e sua boca
marcada por batons escuros. Jenny usa um vestido longo de cor verde além de uma
jaqueta de couro por causa do frio.
– O
que vocês fazem aqui?
–
Olha quem chegou! Tudo bom, Ana Paula Couto? – provoca Mary Leh.
–
Vocês gostam de me provocar, não é?
–
Esse é o nosso maior divertimento. – diz Jenny.
–
Vamos parar de papo furado. Digam logo o que vocês querem aqui.
–
Viemos conversar com seus hóspedes. – fala Mary.
–
Até parece. Sei que vocês adoram me provocar. - fala Hanna.
–
Só viemos aqui por esse motivo porque odeio esse lugar, principalmente por ter
sido um bordel de uma cafetina falida. - diz Jenny, rindo.
–
Ninguém aqui quer falar com vocês e mesmo que alguém quisesse, teria que ir lá
à toca das bruxas. Desculpa, na casa de vocês.
–
Você está insinuando que somos bruxas?
–
Claro que não. Por que eu diria uma coisa dessas? – ironiza a dona da pensão.
–
De vocês espera-se tudo.
–
Acho melhor sairmos daqui, Mary. – diz Jenny.
–
Ah, eu e todos aqui também achamos.
–
Eu não vou sair daqui agora. Preciso divulgar meu trabalho.
–
Não aceito divulgação de bruxaria aqui.
– Você
continua falando que somos bruxas?
– Não
falei nada disso. Saiam já daqui. Estou cheia de vocês na minha vida.
– Quase
não incomodamos você, Aninha do Bordel. – provoca Jenny.
– Mais
respeito, bruxinha.
– Vocês
estão com alguma dificuldade de audição? Está difícil entender que é para sair
daqui? – pergunta Cléo, irritada com a presença das irmãs.
– Então
vamos logo, Jenny. Essas duas aí estão me irritando. – fala Mary, irritada.
–
Já vão tarde. – comenta Hanna, feliz com a decisão de Mary.
Após
insistências, Mary Leh e Jenny saem da pensão de Hanna Curie. Augusto aparece
na recepção sozinho e Hanna o questiona:
– Vai
sair, Augusto?
– Vou
fazer meu trabalho.
– Por
que você não arruma um trabalho direito, Augusto? Você não merece ficar fazendo
bico por aí. Seus avós te educaram bem e você pode fazer coisa muito melhor do
que fazer malabarismo, limpar carro, ser flanelinha... – fala Hanna, preocupada
com Augusto.
– Hanna,
eu gosto do que eu faço. Entendo sua preocupação, mas eu estou bem assim.
– Para
de teimosia, Augusto. Já que você está gostando da Ângela Albuquerque, tenta
arrumar um emprego numa loja ou na vinícola da família dela. Você tem uma amiga
numa loja não é?
– Sim,
a Leia.
– Eu
já reparei que ela gosta de você, Gustavo. Ela é uma excelente moça. Por que
você não dá uma chance para ela?
– Esquece
isso, Hanna. Não tem nada a ver. Somos grandes e antigos amigos.
– Mas
ela não vê vocês como amigos.
– Para
de viajar, Hanna. Agora voltando: eu não sei fazer
essas coisas nas lojas e na vinícola.
– Isso
não é um obstáculo. Você pode aprender ou tentar um emprego na casa deles como
jardineiro ou alguma coisa do tipo.
– Não
sei se conseguiria ficar tão perto assim da Ângela.
– Você
tem que falar com ela, Augusto.
– Eu
vou tentar então. Obrigado, Hanna pela ajuda.
– Não
foi nada, Augusto. Eu adoro você. - fala Hanna, feliz ao ajudar Augusto.
Augusto,
feliz, sai da pensão de Hanna e a ex-cafetina pega uma vassoura para limpar a
pensão.
***
No centro da cidade de Pitenópolis, em frente à praça central,
localiza-se uma das lojas de vinho da família Albuquerque. Na parte interior da
loja, estão Gustavo, o gerente, e Leia, a única vendedora da loja. A loja é
pequena, repleta de prateleiras com vinhos e sucos de uva dos mais vários
tipos, além de duas mesas pequenas e algumas cadeiras para os clientes sentarem
enquanto degustam os produtos. LeiLeiaa tem um cabelo curto e loiro, além de
óculos grandes. A jovem vendedora de aproximadamente vinte e cinco anos veste
uma blusa simples e uma calça jeans que ficam cobertas por um avental vermelho.
Gustavo é um rapaz, alto, bonito e possui um cabelo curto de cor castanha e com
um topete que ele considera elegante. O gerente da loja veste uma blusa
vermelha e observa Leia, que organiza os vinhos nas prateleiras. Um tempo
depois, Gustavo sai da loja e Leia observa Augusto, que anda na rua com a
chuva.
***
Em um banco público coberto próximo à loja, Gustavo senta-se ao
lado de sua mãe Olga, que veste uma blusa amarela e uma calça boca de sino
preta. A mãe de Gustavo possui um cabelo curto e escuro e sua pele já mostra os
traços da idade.
– O que foi, filho? Estava preparando o almoço. – fala Olga, surpresa com a chamada do filho.
– Nosso plano de pegar o dinheiro da família Albuquerque está
dando certo.
– Que bom. Sabia que essa ideia era certeira. Vamos ficar
ricos!
– Calma, mãe. Antes disso, teremos que fazer muita coisa
ainda.
– Como assim?
– Eu ainda preciso conquistar a Ângela.
– Você está esperando o que para fazer isso?
– Hoje mesmo eu pretendo conversar com ela ou fazer algo
romântico.
– Isso! Tem que ser romântico.
***
Enquanto isso, na loja, Leia grita para Augusto:
– Sai da chuva, Augusto. Está fazendo o que? – fala Leia em tom de voz alto.
– Oi Leia. Estou procurando um emprego.
– Entra aqui na loja.
Augusto entra na loja da família Albuquerque e conversa com Leia:
– Está meio difícil de arrumar um emprego.
– Você vai largar seus bicos?
– Preciso de um emprego mais formal.
– Onde está procurando?
– Eu estou aceitando várias coisas.
– Por que você não trabalha aqui na loja? Estão contratando
vendedores e estoquistas.
– Não sei se sirvo para vendedor mas essa vaga de estoquista
me interessou. Cadê o gerente?
– O Gustavo deu uma saída, mas você pode esperar aqui. Quer
beber alguma coisa?
– Não. Posso sentar aqui?
– Claro. Vou sentar com você para conversarmos.
Leia e Augusto sentam-se em duas cadeiras dentro da loja.
***
De volta ao banco público, Olga despede-se de seu filho.
– Agora eu preciso fazer o almoço.
– Está bem, mãe.
– Conquiste essa garota. Você é meu orgulho.
Gustavo dá um beijo no rosto de sua mãe e levanta-se do banco,
após a chuva acabar.
***
Na vinícola da família Albuquerque, Jonas Melo recolhe uvas da
videira e as coloca em barris. Jonas é um rapaz alto, com cabelo de cor
castanha clara e sua barba encanta as mulheres inclusive sua esposa, Aurora,
que também recolhe as uvas. Aurora é uma moça de pele clara e cabelos curtos e pretos. O casal está na
faixa dos trinta anos e veste uma calça preta e uma blusa vermelha, uniforme
dos empregados da vinícola. Aurora deixa um cacho de uvas cair no chão e recebe
uma reclamação de Jonas:
- Aurora, você quer perder dinheiro? O Pedro vai descontar do seu
salário. - fala Jonas, em voz alta, referindo-se a Pedro Brito, que é o chefe
dos trabalhadores da vinícola.
– Jonas, pare de gritar. Eu não me importo de pagar por causa
de um cacho de uvas. – diz Aurora,
insatisfeita com o comentário do marido.
Ouvindo a discussão, Pedro aproxima-se do casal. Pedro é um rapaz
na faixa dos trinta anos alto, loiro, magro e de olhos claros.
– Não precisa se preocupar com isso, Aurora. Você sempre fez
um excelente trabalho. Um cacho caído no chão não é motivo de descontar do seu salário.
- fala Pedro, passando a mão sob o ombro de Aurora.
– Nós vamos pagar sim, Pedro. Faço questão. – diz Jonas, retirando a mão de Pedro sob o ombro de Aurora.
– Jonas, um cacho não é quase nada. Foi um descuido da
Aurora. – insiste Pedro.
– Sem insistências, Pedro. Pagaremos por isso. Agora ela vai
sentir no bolso para não errar mais. Odeio incompetência. – fala Jonas, em tom rude, magoando Aurora, que chora e vai
ao banheiro.
– Jonas, não fale assim com ela. – diz Pedro a Jonas.
– Eu falo como eu quero. Ela é a minha esposa.
– Mas aqui vocês são dois funcionários. Se continuar tratando
assim os outros, vou pedir sua demissão.
– Você não tem coragem de me demitir.
– Tenho sim e se for preciso, eu farei isso.
– Você não vai fazer. Eu te conheço. A Aurora nunca vai te
perdoar e eu sei que você ainda dá em cima dela.
– Eu não dou em cima da sua mulher.
– Até parece. – ironiza
Jonas.
Aurora volta a se aproximar de Jonas e Pedro.
– Vamos voltar ao trabalho, Jonas. – recomenda Aurora.
– Sim. Pedro, não esqueça de descontar as uvas. – insiste Jonas mais uma vez.
– Já que você insiste tanto, eu vou cobrar mesmo não
querendo. Agora voltem ao trabalho. – diz
Pedro, que se afasta do casal.
Jonas e Aurora voltam a recolher as uvas da videira.
***
No escritório da empresa de vinhos da família Albuquerque, no
centro de Pitenópolis, Jorge organiza alguns papéis em sua sala. O ambiente é
claro, com cortinas abertas, uma mesa grande, com um computador e várias
prateleiras com diferentes livros. Jorge tem um cabelo escuro e grisalho, um
bigode e uma pequena barba no queixo. O dona da empresa Albuquerque está na
faixa dos cinquenta anos e veste um terno preto e uma calça social preta.
Regina, esposa de Jorge, entra na sala dele e observa seu marido com cara de
frustração. Ela tem um cabelo preto, longo e usa uma maquiagem bem marcada e um
vestido azul e longo.
– O que foi, Jorge? Você parece irritado com alguma coisa. – diz Regina, preocupada com o marido.
– Nossa produção caiu uma boa porcentagem. Precisamos correr
atrás do prejuízo.
– Quais são seus planos?
– Precisamos intensificar as produções e as vendas também. É
preciso contratar mais funcionários para a vinícola e a loja.
– Jorge, por que você não para de insistência e compra logo
máquinas para a vinícola?
– A nossa vinícola é tradicional, artesanal. Não quero saber
de máquinas na Albuquerque.
– Querido, atualmente ninguém mais quer saber dos nossos
produtos. O nosso suco de uva já ganhou prêmios como melhor das redondezas e
atualmente ninguém mais compra.
– Isso não é verdade.
– Claro que é verdade, Jorge. Só você que não vê isso, ou
não quer ver.
– Para de falar assim da nossa empresa, Regina. Parece que
você não gosta da Albuquerque Vinhos.
– Claro que eu gosto, Jorge. Só estou me preocupando. O
mercado está avançando e não podemos ficar para trás. A nossa mão de obra é
cara e não estamos conseguindo pagar bem os funcionários que pisam nas uvas. E
muitos já estão casados disso, cheios de dores nos pés.
– Então eu exijo uma reunião entre nós dois e todos os
funcionários da loja e da vinícola.
– Chamarei todos então. Onde pode ser essa reunião?
– Lá na própria vinícola. Marque para amanhã e peça para que
fechem a loja e a vinícola durante a tarde.
– Está bem então.
– Desculpe te ocupar dessa forma, meu amor, é que agora não
temos dinheiro para contratar uma secretária.
– Entendo, Jorge.
Jorge beija a boca de Regina, que se afasta da esposa.
– Algum problema, Regina?
– Nada não, Jorge. Estou meio preocupada com a Ângela.
– O que tem a nossa filha?
– Ela anda muito quieta. Desde que a tia Cássia morreu, ela
não tem saído.
– A Ângela sempre gostou muito da sua tia, não é?
– Sim. Elas eram muito grudadas. Eu conversarei com a Ângela
hoje. Ela precisa trabalhar.
– Trabalhar? Regina, temos dinheiro suficiente para não precisar
que ela trabalhe. Você também não precisa trabalhar.
– Dinheiro não é o único objetivo de um trabalho. Com um
trabalho, temos uma ocupação, algo para fazer ao invés de só ficar em casa
fazendo pouquíssimas coisas úteis.
– Onde ela vai trabalhar?
– Ela pode começar sendo sua secretária.
– Minha filha como minha secretária? Não sei se ia conseguir
conviver com isso.
– Então que tal na loja?
– Na loja?
– Sim. Ela pode começar como vendedora.
– Acho melhor colocá-la como gerente.
– E o Gustavo?
– Dane-se o Gustavo. Ele só está nesse cargo porque não
temos muitos funcionários. Por mim, ele ia pisar nas uvas.
– Ele é de uma família nobre.
– Nunca fui com o cara dos pais dele. Olga e Pietro são dois
interesseiros e exploradores do filho.
– A Ângela não pode começar com um cargo tão importante. Ela
precisa aprender do início.
– Então converse com ela e em casa entramos num acordo. –
decide Jorge Albuquerque.
Regina sai da sala de Jorge e ele continua a mexer em papéis.
***
Gustavo aproxima-se da loja, mas Leia e Augusto não veem então ele
coloca o rosto na parede e fica espiando a conversa entre os dois. Sentados à
mesa, Augusto desabafa com Leia:
– Leia, gostaria de um conselho seu.
– Qual? – pergunta Leia e
Gustavo observa a conversa, curioso.
– Eu estou gostando de uma garota e não sei o que fazer.
Somos de classes e mundos muito diferentes.
– Quem é? – pergunta Leia,
aflita já que sempre foi apaixonada por Augusto, mas nunca falou nada.
– A Ângela Albuquerque. – revela
Augusto, deixando Leia e Gustavo de queixos caídos.
– Aquela que mora aqui perto da praça?
– Sim. Os pais dela são seus patrões.
– Eu sei. Eu vou voltar para o trabalho agora. – avisa Leia, triste e com uma cara fechada.
– Está bem então. – fala
Augusto, levantando-se da cadeira.
Ao perceber que Augusto está de saída, Gustavo entra na loja.
– Leia, é impressão minha ou vocês estavam de papo furado? – fala Gustavo, fingindo irritação.
– Desculpa, Gustavo. – diz
Leia.
– É que estávamos esperando a sua chegada. Eu estou
interessado em trabalhar aqui na loja. – conta
Augusto.
– Vá limpar o banheiro, Leia. Quero ter uma conversa então
com esse rapaz. – fala Gustavo.
– Está bem. – responde Leia,
que entra no banheiro.
– Seu nome é Augusto não é? – diz
Gustavo, com cara de desprezo.
– Sim.
– É você mesmo que fica fazendo uns malabarismos por aí,
dando uma de flanelinha, vendendo balas, não é?
– Sim. Algum problema? – pergunta
Augusto, irritado.
– Percebo que você não tem experiência na área de vendas em
lojas, então nem quero ver teu currículo, afinal você nem deve ter um.
– Eu já vendi vários doces no sinal. Sei muito bem como
convencer os clientes.
– Não quero vendedor que fica enchendo o saco dos clientes.
Vendedor da loja Albuquerque tem que ser refinado, saber de vinhos.
– Mas eu posso aprender isso rapidamente.
– Não é questão de aprender. Tem que ter classe. A Leia não é
tão refinada, mas ela tem pose. E os meus patrões não vão gostar de ver um
vendedor de balinha trabalhando aqui.
– Estamos em 2015. Ela que deve escolher com quem ficar. E se
precisar, eu posso conversar com os pais dela e convencê-los.
– Não. Esquece daqui. Vai embora e não volta mais, só se for
comprar alguma coisa.
– Está bem.
– E outra coisa: sai de perto da Ângela. – sussurra Gustavo na orelha de Augusto. – Se eu te
ver perto dela novamente, eu faço questão de desaparecer com você do mapa.
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