sábado, 24 de outubro de 2015

Capítulo 24: Escrúpulos

Entrou na rádio. A recepcionista foi falar com o radialista. Tudo saía como ele planejava. Aproveitando a repercussão do caso e como estratégia para segurar e alavancar a audiência, o locutor entrevistou o dono do Jornal Matinal. Fez suspense para os ouvintes e no final do programa entrevistou.
- Caros ouvintes, estou aqui com o senhor Marlon, dono do Jornal Matinal. Ele nos contará tudo o que ocorreu de fato. Não é isso, senhor Marlon?
- Isso mesmo.
-Relate a sua versão.
- Bom dia caros ouvintes, fiz questão de vim numa rádio com credibilidade e explicar o que de fato ocorreu. Afinal, vocês tem o direito de saber o que aconteceu.
As velhas, que lavavam roupas, louças e faziam o almoço, aumentaram o volume. Cada uma tinha sua opinião.
- Como é que agride a mulher e ainda tem a cara de pau de ir até a rádio falar mentiras. Seu verme! – gritou a velha que morava na Rua Cleores, numa casa verde. – É claro que eu acredito mais no Jornal Correspondência.
A velha que mora na Rua Pinheiros, num casebre azul, aproximou-se logo do rádio.
- Deixa eu aumentar, mais esse volume. – aproximou-se do aparelho. Rodou o botão. Não escutava nada. – Esse homem fala baixo de mais. Vou colocar no máximo. – Quando aumentou todo o volume, as vizinhas começaram a brigar.
A outra que morava na Rua Granha, numa casa vermelha, parou de mexer na panela e foi em direção do rádio.
- É o Marlon. O dono do Jornal mais popular da cidade. Como esse povo tem inveja! Com certeza a notícia que saiu no outro jornal é mentira. Quem vai de deixar de acreditar na inocência dele?
Marlon continuava a falar:
- Quando cheguei na minha sala, a faxineira estava fechando a gaveta e estava com o dinheiro na mão. Não pude acreditar que aquela mulher, que eu tinha acabado de contratar, estava me roubando. – fez uma pausa. – Eu intendo, caros ouvintes, a situação  da mulher. Na entrevista de emprego, eu perguntei se estava desempregada. Ela contou sobre a sua história. Estava passando fome e ia ser despejada de sua casa. Sabei que a atitude dela foi errada, por isso a mandei embora. Mas não pedi o dinheiro de volta. Eu sabia que ela estava necessitando, então não pedi de volta. Ela quis me dá, mas não aceitei. Sei que eu também fiquei nervoso e gritei, mas quem não gritaria, vendo que alguém rouba o que é seu? Não quero que ela seja presa. A justiça de Deus vale mais do que a dos homens.
As velhas ficaram derretidas. Todas ficaram a favor de Marlon. Toda a cidade apoiou. A velha que não acreditava inocência do homem, jogou o jornal da oposição no lixeiro.
- Como pude me enganar com essa porcaria de jornal. – disse olhando para o lixeiro.
A velha que acreditava, vibrou:
- Eu sabia. O jornal dele é direito. Ele nunca ia ser capaz de encostar um dedo nos seus funcionários.
- A outra idosa ficou parada, sentada em sua cadeira:
- Vou ter que comprar outro negócio desse. – apontou para o rádio. – Não sei se é problema nessa parafernália ou é esse povo que fala baixo. Não escutei nada. Eles falaram um quilo e eu não entendi uma grama sequer.
As vizinhas gritavam, em suas casas:
- Finalmente, essa velha surda abaixou o volume desse rádio. Ela queria que a cidade todo escutasse. Aí é maluca.
Marlon saiu da rádio e entrou no táxi. Murmurava:
- Acho que todos caíram direitinho. Usei a palavra Deus, que todo mundo teme, e usei a solidariedade no meu discurso. Essa já foi.
O taxi estacionou no Jornal. Entrou.
- Eu ouvi o senhor falar no rádio. Nós acreditamos na sua inocência, senhor. O povo é que fala demais e o outro jornal está com inveja do seu sucesso.
- Obrigado, Fabrício. E por favor não me chame de senhor. Somos amigos. Já se esqueceu?
- Claro que não.
- Vou para a minha sala. – passou pela recepção. – Oi, Mônica!
- Oi, chefinho.
- Me chame de Marlon. Somos amigos.
- Eu acredito na sua inocência... Marlon.
- Obrigado, Mônica.
Ele subiu as escada. Entrou. Sentou-se e ficou pensando no ocorrido. Olhava a sala, vendo o reflexo de Madalena.
Na rodovia, uma mulher ia caminhando. Comprou a passagem e ia para outra cidade.
- Quero uma passagem para Serra das pedras.
- Pois não.
Ela entrou. Assim que o ônibus partiu, ela pensava no que tinha ocorrido nas últimas vinte e quatro horas.
- Tenho que ir embora. Não posso fazer nada. Se eu for contar para a polícia, acabo morta. Como pude ser tão imbecil, quando jovem. Ele era apaixonado por mim. Tinha bons sentimentos. E como tola, preferi o bad boy. Como pude fazer tão má escolha? Ele me chutou ao saber que estava grávida. – caiu em lágrimas. – Numa loucura, fiquei sem ele e sem o bebê. Queria meu filho aqui, nos meus braços. Matei-o e também matei o Marlon. Nós o transformamos em um monstro. – colocou as mãos na face.
Marlon andava desesperadamente de um lado para o outro. Não parava. Pensava em como resolveria suas diferenças com o dono do jornal da oposição. Não poderia deixar passar em branco. De repente, ele parou:
- Vou agora mesmo falar com ele. – pensou. -  Toda a cidade acreditou. Não vou deixar que ele novamente denegrir a minha imagem.
Ligou para um companhia de taxi e saiu. Não via a hora de chegar.
- Quero saber quem ousa me desafiar. O Medeiros, nunca faria isso comigo. Agora que está morto, quem ocupou o seu lugar? – questionava-se.
O taxi parou.
- Espere aqui.
- Está bem.
Marlon entrou e disse para a recepcionista:
- O dono está?
- Está sim. Vou anunciar a chegada do senhor.
A moça pegou o telefone. Depois de poucos segundos, colocou-o no gancho.
- Pode entrar.
O homem estava sentado. Marlon entrou.
- Sente-se.
Marlon sentou-se. Olhou para a mesa e viu o nome do homem que ocupara o lugar de Medeiros. Tiago. Ficou surpreso. Vendo que o visitante estava olhando para a mesa, falou:
- Não sei porque você ficou surpreso. Não sabia que sou o dono? Ah! O senhor Medeiros, que Deus o tenha, morreu. Como não tinha família e eu era o seu braço direito, deixou tudo isso pra mim... ou melhor eu dei um jeitinho. Mas a que devo essa honra, Marlon?
- Vim falar sobre a notícia que saiu sobre mim.
Tiago levantou-se.
- Como não percebi! A faxineira era a minha adorada Madalena e você é o otário do Marlon. Que coincidência. Acho que eu só falei a verdade. É só encaixar as peça do quebra cabeça. Você deve ter agredido. É lógico! Ela não te quis no passado.
- Finalmente alguém me reconheceu. Os seus quatro amigos não me reconheceram. Não sei como você pode me identificar.
- Não se esqueça que trabalho no mesmo ramo que você. Nos jornais, só sai o nosso nome, poucas pessoas nos conhecem. Raramente saímos numa foto ou na mídia. Agora todos sabem quem é você, depois da agressão. – deu uma gargalhada.
Marlon deu um soco no rosto. Tiago caiu. Marlon abaixou e disse:
- Você não sabe com quem está mexendo.
- Com um otário! – gritou. – Amanhã sairá outra notícia com seu nome, seu merda.
- É melhor você ficar calado...
- Agora você se transformou em valentão! – levantou-se. – Não tenho medo de suas ameaças. Amanhã você terá outra surpresinha.
- Vamos ver quem vence essa guerra.

Marlon saiu. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário