sábado, 29 de agosto de 2015

Capítulo 04: Castelo de Cartas


CENA 01/INT./HOSPITAL/QUARTO/DIA
    (Sonoplastia: The Mass – ERA)
Maria Fernanda encara Vitória.
VITÓRIA – Então, dona Fernanda...
MARIA FERNANDA (interrompe) – Dona não, isso é coisa pra velho.
VITÓRIA – Ah, desculpa. Fernanda, eu...
MARIA FERNANDA (interrompe) – Que insolência! Cadê o seu respeito?
VITÓRIA – Ué, se eu não posso te chamar de dona nem só de Fernanda, do que eu posso te chamar?
MARIA FERNANDA – Que tal de carrasco?
    Maria Fernanda desliga os aparelhos de Vitória. Começa a ecoar pelo quarto um bipe atrás do outro. Maria Fernanda vai embora.
    NO CORREDOR, Maria Fernanda se esconde atrás de uma planta. Dois médicos entram no quarto correndo. Maria Fernanda sai do hospital rindo.
    (Fade out: The Mass)
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CENA 02/INT./MANSÃO TRINDADE/QUARTO CASAL/DIA
    Ingrid está deitada em sua cama. Um médico mede sua pressão. Otávio e Madalena do lado. Lucas e Kátia Flávia chegam.
LUCAS – Vó? O que aconteceu com ela?
MADALENA – Ela desmaiou de repente. O doutor está procurando a causa desse desmaio.
MÉDICO – Dez por seis. Pressão bastante baixa.
OTÁVIO – Mas o que deve ter causado essa queda tão grande, doutor?
MÉDICO – Existem vários fatores que podem ter contribuído para isso. Como por exemplo o estresse ou cansaço devido a um período muito longo em atividade.
KÁTIA FLÁVIA – Período muito longo em atividade? Batata! A dona Ingrid se cansou muito com a noite de ontem com o seu Otávio e ploft! Desmaiou.
MÉDICO – Do que a senhorita está falando?
KÁTIA FLÁVIA – Pílula, safadeza, os velhinhos se divertem...
LUCAS – Doutor, não liga pra ela. Deve ter sido o estresse mesmo. O que o senhor receita para ela melhorar?
MÉDICO – Bom, chamam isso de clichê de todo médico, mas eu recomendo que ela apenas fique em repouso e tome cuidado com a alimentação. E por enquanto nada de agitações!
OTÁVIO – Mas doutor, quando ela acorda? Tá há muito tempo desmaiada...
MÉDICO – Desmaiada ela não está mais. Ela está apenas dormindo, o que é muito bom.
LUCAS (aperta a mão do médico) – Muito obrigado mesmo, doutor. Até mais!
    O médico vai embora.
KÁTIA FLÁVIA – Ai, que coisa horrível dizer ‘até mais’ pra um médico. Parece até que você quer ficar doente de novo.
LUCAS – Para de besteira, Kátia Flávia! Você é maluca, isso todo mundo sabe, mas hoje passou do limite, hein? Dá um tempo.
    Lucas sai. Otávio e Madalena olham pra Kátia Flávia.
KÁTIA FLÁVIA – Que é? Nunca me viram? Madalena, vem aqui comigo.
    Kátia Flávia puxa Madalena para um canto do quarto e Otávio senta-se na cama, ao lado de Ingrid.
KÁTIA FLÁVIA – Eu tava aqui pensando com os meus botões...
MADALENA – Pensando morreu um burro.
KÁTIA FLÁVIA – Quê que é isso, Madalena? Me respeita que eu sou da família, viu? Agora deixa eu terminar.
MADALENA – Pode falar.
KÁTIA FLÁVIA – Eu tava aqui pensando e acho que esse desmaio aí tem alguma coisa a ver com aquele mexerico.
MADALENA – Mexerico? Ué, eu pensei que ainda estivesse no tempo da jaca.
KÁTIA FLÁVIA – Ai meu Deus, depois dizem que eu sou a tapada. Eu tô falando daquele tititi que você e a dona Ingrid tanto conversavam, lembra?
MADALENA (nervosa) – Eu não sei do que a senhorita está falando, não lembro de tititi nenhum. Agora me dê licença por favor, eu tenho que comprar uns remédios para a dona Ingrid. Passar bem.
    Madalena sai.
KÁTIA FLÁVIA – Nesse coelho tem toca... espera, é ao contrário... não...
OTÁVIO – Por que a Madalena saiu desse jeito? O que você fez, garota?
KÁTIA FLÁVIA – Ai, por que vocês sempre acham que eu faço tudo aqui? Fique o senhor sabendo que a Madalena foi comprar remédios para a dona Ingrid. Madalena, não esquece do azulzinho!
OTÁVIO – Como é que é? Sua sem-vergonha! Saia do quarto!
KÁTIA FLÁVIA – Calma seu Otávio, eu tava...
OTÁVIO – Vá embora.
    Kátia Flávia e Otávio fazem uma confusão; Otávio empurra Kátia para fora, ela volta e assim por diante.
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CENA 03/EXT./EMPRESA TRINDADE/FRENTE/DIA
    (Sonoplastia: The Mass – ERA)
Um carro preto estaciona em frente à empresa. O vidro baixa e vemos Maria Fernanda, de óculos escuros e rindo.
MARIA FERNANDA – Nada como matar alguém e ir trabalhar depois.
    O motorista sai do carro e abre a porta. Maria Fernanda desce. CAM em ângulo baixo mostra-a caminhando até pisar no tapete da empresa e a porta de vidro se abrir.
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CENA 04/INT./EMPRESA TRINDADE/SAGUÃO/DIA
    Maria Fernanda entra na empresa e tira os óculos escuros. CAM focaliza em Danilo sentado no banco de espera olhando para ela. Maria Fernanda vê o menino.
MARIA FERNANDA – O que esse menino tá fazendo aqui?
DANILO – Eu vim trazer meu currículo pro seu Otávio.
MARIA FERNANDA – Como assim? Você acha que essa empresa é feita pra gente da sua laia trabalhar? Vai procurar uma carroça pra catar lixo! Olha seu estado, todo fedorento.
DANILO – A senhora tá...
MARIA FERNANDA – Cala a boca, seu moleque! Vamos, saia daqui ou eu chamo os seguranças.
SECRETÁRIA – Dona Maria Fernanda, os seguranças só chegam às três.
MARIA FERNANDA – Porcaria! Ah, mas pensando bem é até melhor que eu mesmo te boto daqui pra fora, seu delinquente.
DANILO (levanta-se) – Eu não saio daqui sem entregar o meu currículo. Eu tenho que sustentar minha mãe e pagar minha faculdade?
MARIA FERNANDA – Não é problema meu.
Maria Fernanda abre a bolsa e de lá tira um par de luvas, que calça em suas mãos.
MARIA FERNANDA – Se não vai por bem, vai por mal.
    Maria Fernanda pega Danilo pela gola da camisa e o arrasta para fora da empresa aos berros.
DANILO – Me larga! Eu vou te denunciar!
MARIA FERNANDA – Eu quero ver se você tem coragem, pretinho. Com o dinheiro que eu tenho eu posso comprar quantas e quais armas eu quiser, sabia? Ah desculpa, esqueci que você não sabe nem nunca vai saber o que é dinheiro.
    Maria Fernanda empurra Danilo em cima de sacos de lixo.
MARIA FERNANDA – Esse sim é o seu lugar! Perto do lixo, de onde você veio e nunca devia ter saído. Nunca mais pisa dentro da empresa, seu preto imundo!
    Danilo começa a chorar em cima dos sacos de lixo.
Foco no currículo de Danilo jogado na calçada. Maria Fernanda o vê.
MARIA FERNANDA – Ah, e antes que eu me esqueça...
    Maria Fernanda pisa no currículo de Danilo até o papel rasgar. Desfoque do pé de Fernanda para a expressão desanimada de Danilo.
DANILO (chorando) – Você não pode fazer isso.
MARIA FERNANDA – E como posso... agora eu acho que já perdi tempo demais aqui. Até nunca mais, imundície!
    Fernanda tira as luvas, põe-nas na bolsa novamente, limpa o ombro e adentra à empresa novamente.
    Os funcionários olham para ela com olhar assustado.
MARIA FERNANDA – Tão olhando o quê? Nunca me viram? Isso que eu acabei de fazer nunca aconteceu, entendido?
    Maria Fernanda aperta o botão do elevador e entra.
    MUSIC FADE. Corta para:
CENA 05/INT./HOSPITAL/QUARTO/DIA
    Os enfermeiros cuidam de Vitória, que está adormecida. Lucas entra.
LUCAS – O que aconteceu? Cadê a minha mãe?
ENFERMEIRO – Nós achamos que os aparelhos da Vitória não estavam bem conectados, porque quando chegamos eles estavam caídos e ela estava à beira da morte. Quanto a sua mãe, eu nem cheguei a ver ela.
LUCAS – Que estranho... eu vou ligar pra ela.
    Lucas sai do quarto e disca o número de Maria Fernanda.
MARIA FERNANDA (off) – Alô?
LUCAS – Mãe, onde é que cê tá?
MARIA FERNANDA (off) – Eu tô na empresa, por quê?
LUCAS – Fazendo o quê? Eu não disse pra você ficar com a Vitória?
MARIA FERNANDA (off) – Ah filho, ela já se recuperou. Não há nenhum problema em deixar ela umas horinhas sem ninguém por perto.
LUCAS – Tem problema sim. Sabia que os aparelhos da Vitória ficaram desligados e ela quase morreu?
MARIA FERNANDA (off) – Quer dizer que ela não morreu?
LUCAS – Você sabia disso, mãe?
MARIA FERNANDA (off) – É... claro que não. Que bom que ela resistiu, né? Agora eu preciso resolver umas coisas. Até mais.
    Maria Fernanda desliga. Lucas fica desconfiado.
    MATCH CUT: Maria Fernanda senta na cadeira do escritório.
MARIA FERNANDA – Droga! A infeliz não morreu. Preciso pensar em alguma coisa pra acabar de vez com a família Vasconcelos.
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CENA 06/INT./CASA DE ROSICLER/SALA/DIA
    Rosicler lê um livro deitada no sofá. Társis desce as escadas.
TÁRSIS – Falou, mãe.
ROSICLER – Falei o quê? Aonde você tá indo?
TÁRSIS – Eu vou num 0800 e volto umas nove da noite.
ROSICLER – 0800? O que é isso? Társis...
    Társis vai embora.
ROSICLER – Ai, que educação eu dei pra esse menino.
    Rosicler vê um notebook em cima da mesa de centro.
ROSICLER – O computador dele! Tá na hora de dar uma passadinha no site de relacionamento...
    Rosicler pega o notebook, liga e entra no site de relacionamento. Nínive chega da cozinha e fica atrás da mãe.
NÍNIVE – Site de relacionamento, dona Rosicler?
ROSICLER – Que susto, Nínive! Quer matar sua mãe do coração?
NÍNIVE – Coração é uma coisa sua que não morre nunca. Tá procurando um partidão é?
ROSICLER – Algum problema? Tô velha mas não tô morta.
NÍNIVE – Não é isso mãe, é que a morte do papai ainda tá muito recente.
ROSICLER – E você quer o quê? Que eu vá todos os dias no cemitério, abra o caixão dele e beije a carcaça? Faça-me o favor, Nínive. Eu amei muito o seu pai e amo até hoje, mas o que eu posso fazer? Ele já tá a sete palmos do chão.
NÍNIVE – Tudo bem, sua sem-coração. Deixa eu te ajudar a criar um perfil.
ROSICLER – Criar um perfil? Você tá desatualizada, minha filha. Eu já tenho 132 amigos no site.
NÍNIVE – Tudo isso? Ô mãe, quando foi que você se cadastrou nesse site?
    Rosicler faz o número três com a mão, envergonhada.
NÍNIVE – Três meses, mãe?
ROSICLER – Anos.
NÍNIVE – Meu Pai eterno, você namora pela internet há três anos? Tá podendo, viu? Qual é o seu nick?
ROSICLER – Meu nick? O que é isso? É em gota ou comprimido?
NÍNIVE – Não, sua boba. Nick é o seu nome no site.
ROSICLER – Ah bom. Esse meu tal de nick é RorrôLoveGatinha.
NÍNIVE – Que horror, mãe! Podia criar um melhor, né?
ROSICLER – E o que a senhorita sugere?
NÍNIVE – Anjo do Amor, Apaixonada, Rosa Juvenil...
ROSICLER – Que brega, Nínive. Prefiro continuar com o meu mico de sempre mesmo.
NÍNIVE (rindo) – É nick, mãe!
ROSICLER – Tanto faz. Agora me ajuda a encontrar um boy magia.
NÍNIVE – Tá bom.
    As duas conversam e mexem no site. Altas risadas.
    Corta para:
CENA 07/INT./BOATE/DIA
    (Sonoplastia: Pretty Girls – Britney Spears)
    Acontece um ensaio na boate. Walkiria está no palco ao lado de outras dançarinas. O celular dela toca.
WALKIRIA – Eu só vou atender e já volto, tá?
    Walkiria desce do palco e atende o celular.
WALKIRIA – Oi, Társis.
TÁRSIS (off) – Onde você tá, Walkiria?
WALKIRIA – Ensaiando na boate, por quê?
TÁRSIS (off) – Eu já disse pra você parar de dançar nessa boate. Toda noite é isso; fica se mostrando pra todo mundo igual uma...
WALKIRIA (corta) – Tá com ciúme, Társis?
TÁRSIS (off) – Nada a ver, Walkiria. Agora se arruma aí que eu tô indo te buscar. Tchau.
WALKIRIA – Nossa, que grosso. Meninas, eu já tenho que ir. Amanhã eu volto pra ensaiar de novo, tá bom? Beijo!
    Walkiria arruma suas coisas e vai esperar Társis na frente da boate.
    Corta para:
CENA 07/EXT./BOATE/FRENTE/DIA
    Walkiria sai da boate mexendo no celular. Um homem, moletom preto, óculos escuros, observa-a e corre até ela.
HOMEM – Passa o celular!
    Walkiria se assusta. O assaltante põe uma faca no pescoço dela.
WALKIRIA – Me larga, por favor. Socorro!
HOMEM – Se der mais um pio eu te mato, gostosa.
    Walkiria fica ofegante.


FIM DO CAPÍTULO

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