domingo, 24 de janeiro de 2016

Episódio 03: THE FIVE

episódio escrito por
RENNAN LOPES


Santas e Devassas


CENA 01. MORRO DA ROCINHA. EXT. NOITE.
FADE IN.
SONOPLASTIA: MULHERES – MARTINHO DA VILA
Takes noturnos. Casas coloridas se sobressaem sobre outras sem pintura. Algumas pessoas caminham pelas vielas. Último take na frente da casa dos Marinho.
SONOPLASTIA CESSA.
Corta para:
CENA 02. CASA DOS MARINHO. QUARTO. INT. NOITE.
Quarto escuro. As meninas caminham de um lado para o outro. Giovana ainda de toalha.
Ana Júlia – Gente, como é que pode uma coisa dessas? A gente mal chegou nesse casebre e já cortaram nossa luz? Assim não tem como.
Fabíola – Eu nunca me imaginei num lugar desses, e ainda por cima sem luz. Não tem como piorar esse negócio.
Giovana – Meu Deus do céu! Cala essa boca, Fabíola! Parece que não assiste filme. Quando a pessoa fala que não pode piorar, é aí que piora. Não dá mais nem um pio.
Dilma – Até lá em Cuba era melhor do que esse morro. Vocês sentem o cheiro? O cheiro, gente, pelo amor de Deus! Isso é um odor que só pode vir lá do rubro. Só eu que detesto esse fedor de belzebu?
Ana Júlia – Claro, só você! Diferentona, rainha do Nilo, miss olfato, Rodrigo Faro, padre que não dá a bênção/
Fabíola – (corta) É isso! É isso que a gente vai fazer pra se livrar dessa situação!
Giovana – Quê que é? A gente vai no programa do Rodrigo Faro ganhar um graninha?
Fabíola – Claro que não, pouca sombra! Não sei se vocês sabem, mas eu sou muito religiosa.
Ana Júlia – (murmura) Pecadora desse jeito, parece mais que vem do andar de baixo...
Fabíola – É o que, fofa? Não entendi!
Ana Júlia – Recomendo um aparelhinho de ouvido. Mas continua aí o seu plano.
Fabíola – Pois bem, eu acredito que isso seja castigo divino. A gente tá se apegando demais ao material, às coisas carnais. A gente tem que se conectar com o espiritual, com o divino. Entendem?
Giovana – Ô Fabíola, eu não sei se você tá querendo ser hippie ou presidente da Câmara dos Deputados, e nem me interessa saber. Eu quero é que você desembuche de uma vez como é que a gente vai sair desse miserê.
Fabíola – É simples! A gente vai confessar nossos pecados pro padre, aí ele diz quantas orações a gente tem que fazer, e pronto! É só esperar a bênção vir.
Ana Júlia – Tá, mas primeiro a gente tem que resolver o problema da luz, né?
Dilma – E o que você tem em mente, Ana Júlia?
Ana Júlia – Gente, não tem outra saída! A gente vai fazer um gato nessa fiação.
Fabíola – Gato? Eu não sou mulher de ficar subindo em qualquer poste.
Giovana – Há controvérsias, viu? Mas eu também não vou fazer gato nenhum, até porque eu não alcanço nem a campainha das casas, quanto mais a fiação.
Dilma – Eu passo as férias no exterior e quando volto pro Brasil tenho que dar uma de eletricista ilegal? Nada disso!
Todas olham para Ana Júlia.
Ana Júlia – Tá bom! Tá bom! Eu faço o gato.
Fabíola – E você sabe fazer isso, Ana Júlia?
Ana Júlia – Menina, eu fui criada no interior, falo porrrta, porrrteira e porrrtão. Cê acha mesmo que eu não sei fazer gato? Tenho mestrado e doutorado, minha filha! Vambora!
Giovana – Primeiro eu vou me vestir, peraí.
Dilma, Ana Júlia e Fabíola saem de casa. Giovana fica trocando de roupa.
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CENA 03. CASA DOS MARINHO. FRENTE. EXT . NOITE
As três saem de casa e ficam em frente ao poste.
Dilma – Vamo lá, Ana Júlia. Vai que é tua!
Ana Júlia se agarra no poste e começa a subir. Dilma e Fabíola vão levantando o olhar até Ana Júlia chegar na parte de cima do poste.
Ana Júlia – Cheguei!
Fabíola – Você não vai precisar de umas ferramentas não, Ana Júlia?
Ana Júlia – Já te disse que eu fui criada no interior. Lá não tinha essas mordomias não. Vou com a mão mesmo.
Ana Júlia começa a mexer com os fios. Giovana sai de casa, já vestida.
Giovana – Como é? Ela já tá arrumando a luz?
Dilma – Já sim.
Giovana levanta o olhar e vê Ana Júlia com o shortinho rasgado.
Ana Júlia – E aí, o que vocês acham? Já tá bom?
Giovana – Tá bom não, tem que mandar costurar!
Dilma – É da fiação que ela tá falando, idiota. Ainda não voltou a luz aqui não, Ana Júlia!
Lúcio chega andando.
Lúcio – Quê que é isso? O que a Ana Júlia tá fazendo?
Fabíola – Tá vendo não, Lucin? É um gato na energia elétrica. A gente ficou sem luz. Parece que o dono da casa esqueceu de pagar, né?
Lúcio – (grita) Ana Júlia do céu, desce daí! Vai dar merda, hein!
Ana Júlia – Vai nada, Lúcio! Eu já até terminei!
Ana Júlia tira um chiclete da boca e gruda dois fios.
A luz da casa acende. Ana Júlia começa a ser eletrocutada e cai do poste. Lúcio a agarra.
CLOSE-UP. Ana Júlia suja e com o cabelo armado.
Lúcio – Eu te disse que ia dar merda, Ana Júlia...
Dilma – Gente, que maravilha! A luz voltou. Vou assistir a novela.
Fabíola – É isso aí! Vitória na guerra!
Giovana – Não, gente, tá passando Vai que Cola. Eu que vou assistir. Tem a Tatá Werneck!
As três correm pra dentro de casa.
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CENA 04. CASA DE DONA MAGDA. SALA DE ESTAR. INT. NOITE.
Robson e Jéssica sentados no sofá, abraçados.
Robson – Ô mãe, essa batata frita sai hoje ou não sai?
Magda vem da cozinha segurando uma vasilha grande com batatas fritas.
Magda – Robson, eu já te disse que eu não gosto quando você me trata como uma escrava. Não se esqueça que essa casa é minha e eu que dou as ordens por aqui.
Jéssica – (pegando uma batata frita) Calma, sogrinha. Que estresse é esse?
Magda – Eu não sou e nem nunca serei a sua sogrinha, ouviu? Essa relação entre você e o meu filho não passa de um devaneio da juventude. Se bem que de jovem você não tem nada, né?
Robson – Mas é como diz a música, mãe. Panela velha é que faz comida boa!
Jéssica – Tá me chamando de velha, traste? Velha é a senhora sua mãe!
Magda – Senhora essa que é dona da casa e pode te botar daqui pra fora em dois palitos. Me respeite, sua energúmena!
Magda volta para a cozinha.
Jéssica – Se as coisas continuarem assim, eu não fico mais nem um minuto nessa casa.
Robson – Calma, pepequinha! As coisas ainda vão se acertar. O meu plano pra conseguir dinheiro é infalível!
Jéssica – Bem, eu falava da relação entre eu e a sua mãe. Mas dinheiro me interessa. Me conta mais desse plano.
Robson – Há um tempo eu levei minha mãe pra igreja. Ela queria se confessar, fazer promessa, não sei o que era... Daí, eu fui procurar o banheiro da igreja e acabei entrando sem querer no confessionário, aquele lugar onde o padre fica ouvindo as confissões das pessoas. E foi aí que eu vi uma gavetinha.
Jéssica – Calma aí, Robson! Calma aí! Eu acho que eu já entendi tudo. Curioso do jeito que você é, você abriu aquela gaveta e encontrou um monte de dinheiro. Acertei?
Robson – Na mosca! E, bom, você sabe que a situação aqui em casa não tá nas melhores, né?
Jéssica se levanta e vai até a janela, onde fica olhando a rua.
Jéssica – Não, não, não! Eu não vou assaltar uma igreja. Imagina cometer um pecado na frente de Deus. Eu vou ficar no purgatório pra sempre!
Robson vai até ela e a abraça por trás.
Robson – Os pastores fazem isso sempre e ninguém diz nada. Vamo lá, pepequinha. A gente precisa de uma grana.
Jéssica – Não sei, Robson, não sei!
Robson – Jéssica, você perdeu o Lúcio, que era a nossa fonte de grana. Agora que a fonte secou, a gente precisa achar um jeito de sair da merda.
Jéssica – Ai, tá bom, Robson. Você me convenceu. Mas a gente tem que fazer isso amanhã cedinho, antes da missa começar, pra ninguém ver!
Robson – É assim que se fala!
Os dois se beijam.
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CENA 05. STOCK SHOTS. RIO DE JANEIRO. EXT. NOITE-DIA
SONOPLASTIA: MALANDRO É MALANDRO – DIOGO NOGUEIRA
Takes da transposição da noite para o dia. Ainda é cedo. Poucas pessoas na rua.
SONOPLASTIA CESSA
Funde com:
CENA 06.IGREJA.EXT. DIA
PLANO GERAL. Igreja grande, branca, com portas de madeira envernizada. Robson e Jéssica vêm andando e param na frente ad igreja, olhando para todos os lados.
Jéssica – Não tem ninguém aqui ainda, né?
Robson – Não sei. Tem um carro estacionado aqui na frente. Acho que o padre já chegou.
Jéssica – Vê aí no seu relógio que horas são.
Robson olha pro relógio.
Robson – Cinco e quarenta.
Jéssica – Seu palerma! A essa hora o padre já tá na igreja preparando a missa. Por que você não acordou mais cedo?
Robson – Eu acordei três da madrugada, Jéssica. Você que demorou pra acordar.
Jéssica – Tá bom, tá bom. Isso são detalhes. Agora a gente tem que achar um jeito de apagar esse padre.
Eles procuram alguma coisa no chão. Jéssica vê uma TÁBUA DE MADEIRA e a pega.
Jéssica – Já temos nossa arma.
Closes alternados entre os dois.
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CENA 07.IGREJA.INT.DIA
Jéssica e Robson entram na igreja. Eles fazem o sinal da cruz. O padre de costas para a porta. Jéssica esconde a tábua atrás dela.
Jéssica – A bênção, padre.
O padre se vira.
Padre – Deus os abençoe. Mas o que fazem aqui a essa hora? A missa só começa às seis.
Robson – É que... é que a gente veio se confessar pro senhor. A gente cometeu um pecado gravíssimo.
Padre – Foi pecado capital?
Jéssica – O nosso caso é a falta de capital. Nós podemos ir ao confessionário?
Padre – Claro. Vamos lá.
Os três vão até o confessionário. O padre senta-se atrás de uma fina proteção. Jéssica e Robson se ajoelham.
Padre – (O.S.) Podem confessar; eu sou todo ouvidos.
Jéssica – Seu padre, eu fico até meio receosa de contar pro senhor.
Padre – Não se preocupe, cara alma. O arrependimento e o perdão podem sim te fazer entrar no Reino dos Céus.
Jéssica pisca para Robson e entrega a tábua para ele. Robson levanta e caminha de fininho para trás do padre.
Jéssica – Padre, é o seguinte...
Robson bate com a tábua na cabeça do padre, que desmaia. Jéssica ri e vai até Robson. Eles abrem a gaveta, onde há muito dinheiro.
Robson – Beleza! A gente tá rico agora.
Jéssica – Quem diria que ser padre dava tanto dinheiro assim... tô pensando em virar freira, o que você acha?
Robson – Nem vem, pepequinha. Freira não pode namorar.
Os dois se beijam.
Giovana – (O.S.) Pena que a Ana Júlia não veio, por causa do choque.
Jéssica e Robson interrompem o beijo e olham para a porta da igreja. Fabíola, Dilma e Giovana entrando, com véus nas cabeças.
Dilma – Pena nada. Sorte do padre, que não vai ouvir todos os pecados daquela garota. Aquela ali, minha filha, não passa de uma devassa.
Fabíola – Isso é verdade. Ela peca mais que nós três juntas.
Giovana – Concordo com vocês. Agora vamo logo confessar que eu não aguento mais acordar e tomar café preto em vez de chá inglês.
As três vão até o confessionário. Jéssica e Robson nervosos.
Giovana, Fabíola e Dilma se ajoelham.
Dilma – Bom dia, seu padre. A benção.
Jéssica faz um gesto pra Robson.
Robson – (engrossando a voz) É... Deus te abençoe e te crie para o bem, minha filha. O que as trás aqui tão cedo?
Giovana – A gente veio botar pra fora tudo que a gente fez. A nossa família caiu numa pindaíba que só Deus na causa mesmo.
Jéssica abre a boca, surpresa.
Fabíola – Pois é, seu padre. Aí eu tive a ideia da gente vir se reconciliar com Deus e confessar nossos pecados.
Robson – Bom... é... fazem muito bem! Podem falar, minhas filhas.
Closes alternados entre todos da cena.
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CENA 08. CASA DOS MARINHO. SALA. INT. DIA
Lúcio sem camisa deitado no sofá, assistindo um programa de TV. Ana Júlia vem do quarto, se espreguiçando. Ela grita. Lúcio se assusta e se levanta.
Lúcio – O que foi, meu benzinho? Não sente mais nada do choque?
Ana Júlia – O que você tá fazendo na minha casa, seu bandido? De que merda de choque você está falando? Socorro! Tem bandido na minha casa!
Lúcio – Ana Júlia, você não tá se lembrando? Sou eu, Lúcio, seu marido querido.
Lúcio tenta abraçar Ana Júlia, que se esquiva e corre para outro lado da sala.
Ana Júlia – Não me toca! Não me toca, seu maníaco! E quem te disse que o meu nome é Ana Júlia, hein?
Lúcio – Amorzinho, você perdeu a memória? Esse é o seu nome. Ana Júlia do Céu Marinho!
Ana Júlia – Botaram bosta na sua cabeça, foi? Eu não conheço nenhuma Ana Júlia e nem quero conhecer. Eu sou Dercy Gonçalves!
Lúcio se assusta. Closes alternados entre ele e Ana Júlia, com as mãos na cintura.
Corta para:
CENA 09. IGREJA. INT. DIA
SONOPLASTIA: CARNE E OSSO – ZÉLIA DUNCAN
DIVISÃO DE QUADRO. As três meninas se confessam. Robson e Jéssica ficam assustados a cada confissão. Jéssica pega o celular e começa a gravar.
Giovana – Eu sou ninfomaníaca, e como o meu marido não é lá tão ativo pra essas coisas, eu traí ele com um carneiro.
Dilma – Quando eu tava em Cuba, eu me prostituía pra comer cheeseburguer.
Fabíola – Eu tenho um brinquedinho erótico escondido no armário e uso quando o Lucin não tá em casa.
As meninas continuam se confessando. As vozes delas se embaralham.
PLANO GERAL. As meninas se levantam.
Dilma – É isso, seu padre. A gente botou pra fora tudo de errado que a gente fez e ainda faz. E aí, será que o pessoal lá de cima vai dar uma melhorada na nossa situação? Porque eu não sou mulher pra dormir em favela toda a vida não.
Robson – É... claro... claro. Estão perdoadas. Agora rezem três Ave Marias todas as noites. Obrigado por se confessarem, e não repitam mais isso.
Giovana – Falou, padre. Tamo indo embora. Valeu aí.
As três vão embora. Jéssica para de gravar.
Robson – Por que você gravou a confissão das moças, Jéssica? Vai que isso é pecado.
Jéssica – Pelo amor de Deus, você é burro, Robson? De que Lúcio você acha que elas tavam falando? É do meu Lúcio. Essas são as outras mulheres dele. Só faltou uma alien insuportável que ainda bem que não veio.
Robson – Ah, entendi. Tu vai usar isso contra elas, né, Jéssica?
Jéssica – Elementar, meu caro Robson. Isso aqui que a gente tem é ouro!
Closes alternados entre Robson e Jéssica, rindo.

FIM DO EPISÓDIO

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