TERRA LIVRE
C
A P Í T U L O 0 1
CENA
01/ PORTO DE TRIESTE/ EXT./ DIA.
SONOPLASTIA: CON
TE PARTIRÒ – ANDREA BOCELLI
Legenda: Itália -
1900
Imagens aéreas mostrando uma grande embarcação, parada
em um porto. Pessoas entrando com malas no navio. Alguns felizes, outros
tristes. Suor escorrendo deles.
VICENTE - (OFF) Que
coisa entendeis por uma nação? Plantamos e ceifamos o trigo, mas nunca provamos
pão branco. Cultivamos a videira, mas não bebemos o vinho. Criamos animais, mas
não comemos a carne. Apesar disso, vós nos aconselhais a não abandonarmos a
nossa pátria? Mas é uma pátria a terra em que não se consegue viver do próprio
trabalho?
Corte
Descontínuo - A CAM se aproxima de HELENA (cabelos longos
e descuidados, 29 anos, vestido amarelo surrado) corre ao lado de VALTER (barba
aparada, 58 anos, pele e roupa sujas), com duas malas nas mãos. Ela não muito
feliz. Olha a embarcação. FOCA em seu olhar. Cai uma lágrima.
VALTER - Temos que partir, filha
mia! Temos um longo caminho a percorrer até chegar ao Brasil!
Helena, em silêncio, limpa as suas lágrimas.
MÚSICA AINDA TOCANDO. Helena sorri.
Valter atrás. GERMANA (cabelos negros, 57 anos, olhos profundos e pretos,
roupas simples e brancas) se aproxima dos dois.
GERMANA - Andiamo... Andiamo... Temos
que entrar no navio! Per favore!
HELENA - Tenho medo de sofrer
no Brasil, padre! Muito medo!
VALTER - Já sofremos o
suficiente aqui em Itália. Temos que evoluir.../
Valter e Germana ficam em silêncio. Helena
muda de feição.
HELENA - Andiamo... O navio
já está para partir!
Os três entram abraçados no navio.
Corta
para/
CENA
02/ NAVIO/ INT./ DIA.
Tumulto no navio. VICENTE (loiro, barba
grande, 30 anos) colocando as malas no chão. Helena se aproxima dele, com a
mala nas mãos, suando. Ele se vira e olha para ela. Os dois se entreolham.
Closes alternados.
VICENTE - (a Helena) Quer
ajuda?
HELENA - Non... Grazie! Não
precisa!
VICENTE - Qualquer coisa. Estou às
ordens, senhorita!
HELENA - Grazie!
Os dois se encaram
novamente. Valter observa.
A MÚSICA CESSA
Corte
descontínuo – Vicente se aproximando de CHIARA (loira,
aparência triste, muitas linhas de expressão, 60 anos), que está sentada sobre
um caixote e olhando para o mar. Vicente se senta ao lado dela.
VICENTE - Está preocupada. O que está
pensando, madre?
CHIARA - Em nostro futuro,
filho mio! Esta viagem marca uma nova fase em nostra vida!
VICENTE - As condições no navio são
péssimas!
CHIARA - Temos que enfrentar
isto para chegar no Brasil. Tenho esperanza que lá a nostra vida há de
melhorar!
VICENTE - Por que tem tanta fé nisso?
Acredita demais, madre!
CHIARA - Tuo padre... Tuo
padre falando dentro de mim... Me dando força! Me dando esperanza!
Chiara suspira. A CAM os
pega de costas. Vicente abraça Chiara.
INSTRUMENTAL DE
DRAMA
Corta Para/
OUTRO
LADO DO NAVIO – Valter, Helena e Germana sentados em volta
de uma mesa de madeira. Helena com uma aparência melhor. Valter olha para ela.
VALTER - Perdóname! Sei que
você não queria/
HELENA - (corta) Nada
me importa mais, padre. Sei que ficarei longe desta maledetta terra que só me
trouxe desgraça.
VALTER - (estranha) O
que te fez mudar de opinião?
HELENA - Sei que em Brasil
não irão atentar contra nós, não irão atentar contra nostra família. Eu nunca
irei perdoar o que aconteceu conosco em Itália!
VALTER - Nunca superou a
morte de vossos irmãos. Estou certo?
HELENA - É vero! Mas... Não
quero falar de isto agora!
Helena se levanta chateada
e se debruça na polpa do navio.
MULHER - (grita/ O.S) SOCORRO!
Helena se vira e vê uma
mulher deitada no chão, agonizando, suada. Ela corre até lá e se ajoelha no
chão, ao lado dela.
HELENA - O que está
acontecendo?! Digam-me! O que está acontecendo?
MULHER - (com dificuldade) Vou
morrer... Dio mio! Salve-me! Vou morrer!
HELENA - Per favore, não diga
isto! Me conte... O que aconteceu com você?
MULHER - Fui picada por um bicho no
porão... Está doendo muito... Dói muito! Estou me sentindo muito tonta!
Uma multidão se forma em
volta deles. Vicente chega, assustado.
VICENTE - O que está acontecendo?
HELENA - Não vê? Essa mulher
está morrendo!
Tempo. Vicente observa
tudo. Helena firme.
HELENA - Anda! Me ajude, per
favore!
Vicente se ajoelha ao lado
de Helena. A mulher ficando vermelha.
VICENTE - O que está sentindo?
MULHER - Muita dor... Minha boca
está ficando seca!
A mulher vomita. Helena
segura a cabeça da mulher, que vai embranquecendo.
VICENTE - Está indo! Não vai durar
por muito tempo!
HELENA - Esta mulher não pode
partir! Não pode!
VICENTE - Busque água... Alguém
busque água, per favore!
A mulher vai fechando os
olhos lentamente, e morre nos braços de Helena. Ela se levanta com os olhos carregados
de lágrimas. O comandante (senhor de sessenta anos, cabelos grisalhos, roupa
formal) se aproxima deles. Vicente se levanta também. Helena fica de frente ao
comandante.
HELENA - (grita) É
isto ai! QUANTAS PESSOAS VÃO TER QUE MORRER PARA ESTE COMANDANTE TOMAR UMA
MEDIDA?!
COMANDANTE
– Se
acalme!
HELENA – Não vou me acalmar! Essa mulher
morreu por causa das condições horríveis do seu navio! Disgraziato! A culpa é
desse descaso conosco! Entrei há pouco tempo neste navio e já vi a tamanha
falta de higiene. Culpa tua, disgraziato!
Helena bate no peito do Comandante. Vicente
tentando puxá-la. TODOS assustados, observando a situação.
COMANDANTE
– Segurem
essa mulher!
Vicente levanta e segura os
braços de Helena. Ela se vira e os dois se entreolham, muito próximos. Tempo.
Helena tenta se livrar dos braços de Vicente.
HELENA – Me deixe ir!
VICENTE –
Você
precisa se controlar.
HELENA – Aquela
pobre senhora morreu pela falta de higiene de questo navio. Eu tenho razão em
me rebelar. Me deixe ir!
Vicente solta Helena, que enxuga as lágrimas e
corre para o outro lado do navio, onde novamente se debruça. Valter se aproxima
dela.
VALTER – Filha/
HELENA –
(corta) Saia daqui, padre! Me deixe sozinha!
Valter sai. Helena chora.
Vicente se aproxima e põe a mão sobre o ombro de
Helena.
VICENTE –
Ragazza/
HELENA –
(corta) Já disse pra me deixar em paz. Eu não quero falar com ninguém agora. Vá
embora... Per favore!
VICENTE –
Eu só
queria dizer que você foi muito corajosa em enfrentar o comandante. Não é todo
dia que vemos alguém com tamanha coragem. Foi guerreira!
HELENA – Grazie,
mas só fiz o que devia fazer. É horrível ver esse descaso que têm conosco.
VICENTE –
Capisco!
HELENA – Eu não
gosto de ver pessoas sofrendo. Já senti muitas dores no passado por conta
disso.
VICENTE – O que quer dizer?
HELENA – Eu não
vou dar satisfações da minha vida para você. Nem o tuo nome eu sei.
VICENTE –
Meu nome
é Vicente, piacere. E tuo nome, como é?
HELENA – Me chamo
Helena. Piacere, Vicente.
VICENTE –
Agora já
pode me contar o que aconteceu?
HELENA – Como você
é insistente!
Vicente levanta as sobrancelhas. Helena fica em
silêncio por segundos. Olha para ele.
HELENA – Va bene,
eu vou lhe contar.
Imagem
funde com/
FLASHBACK
1 - CASA DE VALTER/ EXT./ NOITE./
JARDIM.
EFEITO: Imagem
envelhecida.
LEGENDA: Alguns
meses atrás...
Várias pessoas dançando e bebendo, felizes. Valter
andando pelo local. Helena passando e servindo a todos.
HELENA –
(off) Mios três irmãos, nostros amigos e eu estávamos comemorando meu
aniversário em nostra casa. Estávamos todos muito felizes.
Os três irmãos ao lado de Helena comemorando.
Valter e Germana felizes.
FLASHBACK
2 - CASA DE VALTER/ EXT./ NOITE/ CAMPOS.
Ambiente escuro. Homens com capas pretas se
aproximando dos campos, montados em cavalos, com grandes tochas de fogo em
mãos. Eles começam a tacar fogo nas plantações. O fogo começa a ficar cada vez
maior. Os homens saem correndo em seus cavalos. Valter vê de longe o fogo.
TODOS vão se aproximando do campo, correndo.
VALTER - (grita) DIO MIO!
Me ajudem! Me ajudem!
Os irmãos e Helena vão correndo para o local. Os
convidados também. Germana chora junto a Valter. Os irmãos entram no campo com
baldes imensos de água. Uma imensa árvore no meio do campo.
HELENA - Cuidado! Pelo amor de Dio...
Cuidado irmãos!
A árvore cai em cima dos irmãos, que gritam. O fogo
começa a consumir tudo. Helena gritando desespera, sendo segurada por Valter.
Germana gritando no chão.
Corta
para/
CENA 03/
NAVIO/ DIA/ INT./ PARTE DE CIMA DA EMBARCAÇÃO.
FIM DO
EFEITO. CONTINUAÇÃO DA CENA 02.
Helena chora. Vicente se comove, e a abraça.
VICENTE - Dio santo! Muito triste tua
história! Nunca poderia imaginar!
HELENA - Mios irmãos não conseguiram se
salvar. O fogo alcançou nostra casa tempos depois. Não houve muito o que fazer!
Helena seca as lágrimas. Vicente abaixa a cabeça.
Ela olha para ele.
VICENTE - Perdóname, Helena/
HELENA - (corta) Já contei
o que queria saber. Deve estar feliz! Stupido!
VICENTE - Já pedi tuo perdono! Eu não sabia
que você já tinha enfrentado perdas!
Corta para/
Corta para/
Do outro
lado do navio – Valter caminha lentamente, observando o mar. Chiara
vem correndo e esbarra nele.
VALTER - Não olha por onde anda, caspitta!
CHIARA - Perdono, senhor. Eu não tive/
Chiara olha para o rosto de Valter e ri. Ele a
encara também.
CHIARA - (cont.) Valter
Beluzzo?! É você?
VALTER - Non pode ser! Chiara Fregnani!
CHIARA - Mio amigo! Valter!
Os dois se abraçam fortemente.
CHIARA - Há quanto tempo não nos vemos,
non?!
VALTER - (triste) Sim.
Desde a tragédia/
CHIARA - (corta) Perdónamo.
Não me lembrava do incêndio. Sinto muito!
VALTER - Eu também... Como sinto!
Silêncio por tempo. Os dois, cabisbaixos, perto um
do outro.
CHIARA - Bem... Percebo que também irá ao
Brasil!
VALTER - Sim... Não aguento mais viver em
questa terra maledetta!
CHIARA - Não fale assim/
VALTER - Você perdeu tuo marito de uma
forma tão cruel quanto a minha. Sabe o quanto dói dentro de nostro peito!
CHIARA - Não queria saber, mas
infelizmente sei. E como sei!
VALTER - Pois é!
CHIARA - Mas enfim, as oportunidades em
Brasil parecem ser bem mais fáceis, non?
VALTER - Tenho esperanza que sim. Mas a
vida é uma cartola de surpresas, nunca sabemos o que acontecerá no dia de
amanhã, non?!
Os dois começam a rir e se abraçam novamente.
Corta
para/
CENA 04/
NAVIO/ INT./ DIA./ CONVÉS.
Algumas pessoas agonizando. Vicente desce as
escadas e vê tudo. Ele corre e vê um ferido, sangrando pelo braço. Rasga a sua
camisa e enrola no braço do homem.
VICENTE - Fique calmo! Confie em Dios! Tudo
vai dar certo!
Helena vê Vicente e desce as escadas correndo. Ela
o ajuda.
HELENA - Quando este inferno vai acabar?
VICENTE - Não sei!
HELENA - Fico contente em ver você
ajudando nostro povo. Sempre foi assim?
VICENTE - A morte de mio padre me ajudou
bastante!
HELENA - Sinto muito. Não sabia que tu
padre já és morto!
VICENTE - Sim... Foi morto de uma forma
muito cruel! Você me contou tua história, agora é hora de contar a mia
história!
FLASHBACK
3. CASA DE VICENTE/ INT./ NOITE./ COZINHA.
Casa humilde. Matteo (aproximadamente sessenta
anos, cabelos grisalhos, olhos fundos e azuis, simples) sentado na ponta da
mesa junto a Vicente e Chiara.
MATTEO - Estamos ficando cada vez mais
ricos, filho mio!
VICENTE - Sabe bem que non gosto muito
dessa ideia de ficar rico, padre!
CHIARA - Deixa tuo padre sonhar, filho! Um
dia iremos vencer na vida!
BATIDAS NA PORTA.
MATTEO - Io atendo!
Matteo vai em direção à porta. Um homem encapuzado
aponta um revólver para ele. FOCA no revólver. Vários tiros disparados. Matteo
cai, já morto, no chão. O homem vai embora. Escuta-se apenas os relinchos do
cavalo em OFF. Vicente e Chiara vão desesperados na sala. Se jogam sobre o
corpo de Matteo.
VICENTE - (grita) PADREEE!
Corta
para/
CENA 05/
NAVIO/ DIA/ INT./ PARTE DE CIMA DO NAVIO.
CONTINUAÇÃO DA CENA 04.
Vicente limpa as lágrimas do olho. Helena abismada.
VICENTE - E foi isso!
HELENA - Temos histórias bem parecidas...
Sinto muito!
VICENTE - Sim temos. Eu perdi mio padre, e
tu perdestes tuos irmãos! Gosto de você! Me traz energia, capite?!
HELENA - Sinto o mesmo!
SONOPLASTIA: No Soy El Aire – Thalia
Helena e Vicente vão se aproximando lentamente.
Suas bocas ficam quase coladas. Eles se entregam ao momento, mas Helena recua,
e se levanta.
HELENA - Preciso subir! Preciso dar o
apoio a mio padre e mia madre!
Helena sobe as escadas rapidamente. Vicente
pensativo.
Corta
para/
CENA 06/ NAVIO/
INT./ DIA/ PARTE DE CIMA DA EMBARCAÇÃO.
Germana e Valter sentados em volta da mesa de
madeira, com um baralho em mãos. Algumas pessoas dançando em volta da mesa.
GERMANA - Lá no Brasil precisamos casar
nostra filha com algum homem rico.
VALTER - Caspitta! Caspitta! Só pensa em
dinheiro, Germana!
GERMANA - Vi os olhares de nostra filha com
aquele ragazzo... Filho de falecido Matteo!
VALTER - E isto te importa?
GERMANA - Me importo com o futuro de nostra
filha, Valter. Non importa de qual forma! Tenho medo de que ela tenha um futuro
parecido com o nostro!
VALTER - Temos um longo caminho pela
frente... Serão trinta dias de viagem segundo o Comandante. Non podemos ficar
nos precipitando. Quando chegar em Brasil iremos decidir o que fazer. Capitte?!
GERMANA - Capisco!
Corta para/
Do outro
lado do navio – LORENZO (cabelos encaracolados e castanhos, olhos
castanhos, roupa simples, olhar fundo) sentado em um barril, observando os
outros dançando. O comandante se aproxima dele.
COMANDANTE
– Sabe que
só está aqui por conta de tuo primo, capitte?
LORENZO - Não sou burro, comandante! Mio
primo manda naquele país. Se eu quisesse mandaria ele colocar todos desse
maledetto navio em baixo deste grande oceano! Non duvide de mim!
COMANDANTE
– Non duvido
nada. Conheço de longe gente mau caráter como você!
Lorenzo se levanta do barril, e aperta o pescoço do
Comandante.
LORENZO - Você non sabe com que está
mexendo, maledetto! Sou um Leroy, um legítimo Leroy... Non importa se estou
dentro desse navio, o que importa é que devo ser tratado como um nobre que
sou... Capite?
Lorenzo solta o Comandante e vai dançar junto aos
outros. O Comandante se estressa.
COMANDANTE
– Disgraziato!
Corta
para/
CENA 07/
NAVIO/ INT./ EXT./ PORÃO.
Escuridão. ROGÉRIO (negro, cabelos crespos, alto,
bom físico) encolhido no canto do navio, tremendo. Vicente abre a porta do
porão. Rogério se assusta. Vicente vai se aproximando, e vê Rogério.
ROGÉRIO - Per favore, non faça nada comigo!
Eu imploro!
VICENTE - Quem é você? O que faz aqui?
Rogério fica em silêncio. Vicente se aproxima dele.
ROGÉRIO - Vim escondido para cá. Non posso
entrar neste navio. Sou negro, e como deve saber, negros non podem entrar neste
maledetto navio!
VICENTE - Mas você pretende ficar aí até
morrer? Por que é isso que vai acontecer se continuar aí. Independente de cor,
você é de nostra terra, é de nostro povo. É nostro irmão! Non merece ficar
aí.../
ROGÉRIO - (corta) Você não
me entende, porque é branco. É italiano de raiz. Non posso ser hipócrita!
Eles se encaram. Closes alternados.
Corta
para/
CENA 08/
NAVIO/ INT./ DIA./ PARTE DE CIMA DO NAVIO.
Vicente olhando o mar. O Comandante se aproxima
dele.
COMANDANTE
– Hoje foi
um dia complicado pra você.
VICENTE - Sim. Larguei esta terra mia.
Estou partindo para outro continente, outro lado do mundo, e nem sei se vai dar
certo a minha vida lá. Tudo muito incerto...
COMANDANTE
– É vero!
Sabe... Comandei muitas embarcações, e nunca fico satisfeito com essas coisas
que acontecem, capitte?! Nunca mesmo... Já vi pessoas se dando bem, outros não.
Prefiro continuar em nostra Itália, mia Itália!
VICENTE - Você non é o primeiro a dizer
isso a mim. Tentamos fugir dos problemas, tentamos de todas as formas. Não
conseguiremos nunca.
COMANDANTE
– Não é uma
maneira correta fugir dos problemas. Ninguém consegue fugir fisicamente, de um
problema que está no interior da gente, capitte?
VICENTE - Caspico! Dói... Dói dentro da
gente, dentro de nostro peito, mas é preciso enfrentar, por mais nos sangre,
nos machuque! Non tenho medo de enfrentar. Sabe... Uma vez mio padre seguiu até
o Brasil, e lá ouviu uma coisa inteligente... Ele disse que os brasileiros
sempre repetiam uma frase. Usavam esta frase sempre quando perdiam uma batalha,
tanto física, quanto emocional, capitte?!
COMANDANTE
– E que
frase é essa?
VICENTE - Sou brasileiro e non desisto
nunca! Eu não sou brasileiro, mas levo comigo a partir de agora o meu eu
brasileiro!
O comandante e Vicente se abraçam, emocionados. Se
solta, e se dispersam.
TODOS dançando e cantando felizes. Germana e Valter
se levantam e dançam juntos. P.V de Helena subindo as escadas do porão para a
parte de cima do navio. A CAM se afasta. Gira em torno dela, que respira
ferozmente.
HELENA - (grita) O QUE
ESTÁ ACONTECENDO NESTE MALEDETTO NAVIOOO?! PAREEM!
A música para. Todos encaram Helena. Closes
alternados. Helena chora de raiva. Ela se aproxima da mesa de madeira e joga
tudo no chão. Ritmo. O comandante aparece rapidamente e segura os braços dela.
HELENA - ME SOLTA! ME SOLTA, DISGRAZIATO!
É isso?! Isso que vocês querem para nostra vida? Querem destruir o que ainda há
dentro de nós?! (grita) HIPÓCRITAS!
Querem comemorar... Vão comemorar! Longe de mim... Non vou ficar aqui tendo que
ver pessoas morrerem a cada dia, sem nenhuma piedade. E o que vocês fazem?!
Dançam, cantam, gritam! Se não conseguem lutar por nostro povo... Como vão
lutar por nostras terras?! Como?! Se é para seguir até esta
maledetta terra, iremos seguir, mas não iremos perder os habitantes de nostra
terra... Itália!
O comandante solta o braço de Helena. Ela
sai do local. Vicente vê tudo de longe.
Corta
para/
Do
outro lado do navio – Helena chorando sentada em uma das
pontas do navio. Vicente se aproxima dela.
VICENTE - Non vale a pena... Non vale
a pena lutar por este povo que non se une, Helena. Não chore por eles... Ei/
Helena levanta a cabeça e olha para Vicente.
SONOPLASTIA: No Soy Aire – Thalia.
Vicente acaricia os cabelos de Helena. Os dois vão
se aproximando. Suas bocas vão se aproximando. Germana chega ao local.
GERMANA - (a Helena) Vamos...
Temos muito o que conversar, filha mia!
VICENTE - Vai... Vai com tu madre...
HELENA - (sorri) É vero!
Helena se levanta e vai andando com Germana.
Vicente fica olhando-a.
Corta
para/
CENA
09/ NAVIO/ INT./ QUARTO.
Germana com
uma foto de seus três filhos na mão, olhando emocionada. A CAM gira nela. CAM
foca no retrato. Cai uma lágrima sobre ele. BATIDAS NA PORTA. Valter entra.
VALTER -
Eu estava te procurando por todo lugar,
caspitta.../
Valter
observa Germana olhando o retrato, em silêncio.
VALTER -
(cont.) Eram lindos... Fortes,
non?!
GERMANA -
(limpa a lágrima) Mios...
Nostros filhos eram seduttori, Valter. Todas as mulheres de Florença queriam
ter algum deles como marido. Antes eu tivesse os entregue para alguma delas, só
assim não estaria sofrendo com a perda deles!
VALTER -
Não se culpe pela morte deles... Era o momento
da partida, não poderíamos fazer mais nada. Capite?!
GERMANA -
Capisco,
marito... Mas io queria eles aqui comigo!
VALTER -
Não podemos mais nos fechar a vida, mia donna!
Precisamos lutar para sobreviver. Temos Helena viva.../
GERMANA -
(cont.) Non quero saber...
Entregarei Helena solo para aquele que tiver dinheiro... Que puder nos
sustentar...
VALTER -
(grita) Quis fazer o mesmo com
nostros filhos, e acabou os perdendo. Queres o mesmo fim para Helena?
Germana fica
em silêncio por um tempo, a andar pelo local. Valter esperando resposta.
GERMANA -
Lembra do que disse, marito?
VALTER -
Quando?!
GERMANA -
Se algo de errado acontecer com Helena será o
momento da partida... Seja o que Dio quiser! Licenza!
Germana sai
do local. Valter olhando desconfiado.
Corta para/
CENA
10/ NAVIO/ INT./ DIA/ CENTRO DE COMANDO.
Lorenzo sentado em um sofá rasgado, com uma
taça e uma garrafa de vinho na mão. O comandante entra, se assusta.
COMANDANTE
– O
que significa isso aqui?!
LORENZO - Oi amico... Vem... Vamos
tomar um vinho juntos?!
COMANDANTE
– O
Barão deve ter te mando para atormentar a mim... Maledetto!
LORENZO - Olha bem como fala do mio
primo.../
COMANDANTE
– Aliás...
Muito estranho... O Barão non entregou nenhuma carta avisando que você
partiria.
LORENZO - Caspita... Vamos parar de
falar de mio primo e vamos tomar um vinho!
Corta
para/
CENA 11/ STOCK-SHOTS/
DIA./ EXT.
LEGENDA: Monte Velho - BRASIL
SONOPLASTIA: Todo Azul do Mar – Flávio
Venturinni.
Imagens aéreas da cidade de Monte Velho. Igrejas
lindas e decoradas. Pessoas indo e vindo de suas casas, felizes. A CAM vai indo
até um grande sítio. A MÚSICA CESSA.
Corta
para/
CENA 12/
MANSÃO DE AFONSO/ DIA./ INT./ SALA DE ESTAR.
Um homem, humilde com roupa de trabalhador, entra
na sala. MARIA TEREZA (cabelos cacheados, olhos pretos e profundos, uma pinta
ao lado da boca, 40 anos, bonita, vestido preto) o vê e o para.
M. TEREZA - Onde você pensa que vai?
HOMEM - Vou ir até o Barão, dona Maria
Tereza.
M. TEREZA - E por acaso você veio até a mim
pedir permissão?
HOMEM - Pensei que não precisava. Me
desculpa!
M. TEREZA - Quem governa toda essa mansão sou
eu. Então tente da próxima vez não errar, ou senão os seus filhos não terão o
que comer com um pai desempregado, não é mesmo?
HOMEM - Sim, senhora. Com licença!
O homem sobe as escadas da mansão rapidamente. FOCA
em Maria Tereza, rindo.
Corta
para/
CENA 13/
MANSÃO DE AFONSO/ INT./ DIA./ QUARTO DE AFONSO.
Local escuro. BARÃO AFONSO (cabelos grisalhos,
longa barba, olhos escuros, 65 anos) sentado em uma cadeira imensa de costas a
porta. BATIDAS NA PORTA.
AFONSO - (OFF) Entre!
O homem entra, coloca o chapéu na barriga. CAM
focada apenas no homem.
AFONSO - (OFF) O que
quer aqui?
HOMEM - Eu vim trazer uma notícia pro
senhor. Uma notícia que me pediram pra avisar ao senhor!
AFONSO - (OFF) Pois
então fale... Não tenho muito tempo!
HOMEM - Os italianos.../
AFONSO - (OFF/ corta) O que tem
os italianos? Resolveram exterminar toda aquela raça maledetta?!
HOMEM - Não... Os italianos estão
chegando ao Brasil. Me parece que em uma embarcação lotada deles. Existem
camponeses, mercadores... Eles estão em busca de terras livres, senhor.
Afonso vira a cadeira, fica de frente ao homem, com
uma expressão carregada, e o encara. FOCA em Afonso, espumando de ódio.
Corta
para/
CENA 14/
STOCK-SHOTS/ EXT.
Anoitece. TAKES do navio por fora. Movimentação por
dentro. ÚLTIMO TAKE em Vicente, segurando uma grande sacola.
Corte
rápido para/
CENA 15/
NAVIO/ NOITE/ INT./ PARTE DE CIMA DA EMBARCAÇÃO.
Vicente soando, pegando uma sacola imensa, pesada.
Helena se aproxima dele, preocupada.
HELENA - Dio santo. Quando vai parar de
trabalhar tanto?
VICENTE - Quando io morrer.
HELENA - É orgulhoso mesmo... Non tem
jeito!
VICENTE - Non fui acostumado a ficar a toa.
Capitte?!
HELENA - Capisco! Mas pelo menos me deixe
te ajudar.../
Vicente se levanta, olha fixamente nos olhos de
Helena. Sorriso no rosto.
VICENTE - Pronto... Serviço feito!
A CAM aproxima-se da porta que leva até o porão. Um
REVÓLVER apontado. A porta entreaberta. PV MISTERIOSO olhando Vicente e Helena
conversando, em off, sem ouvir o som.
SONOPLASTIA: Purgação.
FOCA no revólver, sem ver o restante do navio.
DISPARO DE UM TIRO. A porta entreaberta se fecha. GRITO.
EFEITO
FINAL: Congela na porta FECHADA.
ESCRITA POR JOÃO CARVALHO
COLABORAÇÃO DE RENNAN LOPES
AGRADECIMENTOS A:
RAMON FERNANDES
JP
(C) 2016
Direitos Reservados Ao TVN
"Essa é uma obra de ficção. Qualquer semelhança com a realidade terá sido mera coincidência"
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