segunda-feira, 25 de abril de 2016

Capítulo 01 - Terra Livre [ESTREIA]





TERRA LIVRE

C A P Í T U L O   0 1







CENA 01/ PORTO DE TRIESTE/ EXT./ DIA.
SONOPLASTIA: CON TE PARTIRÒ – ANDREA BOCELLI

Legenda: Itália - 1900

Imagens aéreas mostrando uma grande embarcação, parada em um porto. Pessoas entrando com malas no navio. Alguns felizes, outros tristes. Suor escorrendo deles.
VICENTE       - (OFF) Que coisa entendeis por uma nação? Plantamos e ceifamos o trigo, mas nunca provamos pão branco. Cultivamos a videira, mas não bebemos o vinho. Criamos animais, mas não comemos a carne. Apesar disso, vós nos aconselhais a não abandonarmos a nossa pátria? Mas é uma pátria a terra em que não se consegue viver do próprio trabalho?
Corte Descontínuo - A CAM se aproxima de HELENA (cabelos longos e descuidados, 29 anos, vestido amarelo surrado) corre ao lado de VALTER (barba aparada, 58 anos, pele e roupa sujas), com duas malas nas mãos. Ela não muito feliz. Olha a embarcação. FOCA em seu olhar. Cai uma lágrima.
VALTER         - Temos que partir, filha mia! Temos um longo caminho a percorrer até chegar ao Brasil!
Helena, em silêncio, limpa as suas lágrimas. MÚSICA AINDA TOCANDO. Helena sorri. Valter atrás. GERMANA (cabelos negros, 57 anos, olhos profundos e pretos, roupas simples e brancas) se aproxima dos dois.
GERMANA     - Andiamo... Andiamo... Temos que entrar no navio! Per favore!
HELENA        - Tenho medo de sofrer no Brasil, padre! Muito medo!
VALTER         - Já sofremos o suficiente aqui em Itália. Temos que evoluir.../
Valter e Germana ficam em silêncio. Helena muda de feição.
HELENA        - Andiamo... O navio já está para partir!
Os três entram abraçados no navio.
Corta para/
CENA 02/ NAVIO/ INT./ DIA.
Tumulto no navio. VICENTE (loiro, barba grande, 30 anos) colocando as malas no chão. Helena se aproxima dele, com a mala nas mãos, suando. Ele se vira e olha para ela. Os dois se entreolham. Closes alternados.
VICENTE       - (a Helena) Quer ajuda?
HELENA        - Non... Grazie! Não precisa!
VICENTE       - Qualquer coisa. Estou às ordens, senhorita!
HELENA        - Grazie!
Os dois se encaram novamente. Valter observa.
A MÚSICA CESSA
Corte descontínuo – Vicente se aproximando de CHIARA (loira, aparência triste, muitas linhas de expressão, 60 anos), que está sentada sobre um caixote e olhando para o mar. Vicente se senta ao lado dela.
VICENTE       - Está preocupada. O que está pensando, madre?
CHIARA         - Em nostro futuro, filho mio! Esta viagem marca uma nova fase em nostra vida!
VICENTE       - As condições no navio são péssimas!
CHIARA         - Temos que enfrentar isto para chegar no Brasil. Tenho esperanza que lá a nostra vida há de melhorar!
VICENTE       - Por que tem tanta fé nisso? Acredita demais, madre!
CHIARA         - Tuo padre... Tuo padre falando dentro de mim... Me dando força! Me dando esperanza! 
Chiara suspira. A CAM os pega de costas. Vicente abraça Chiara.
INSTRUMENTAL DE DRAMA
Corta Para/
OUTRO LADO DO NAVIO – Valter, Helena e Germana sentados em volta de uma mesa de madeira. Helena com uma aparência melhor. Valter olha para ela.
VALTER         - Perdóname! Sei que você não queria/
HELENA        - (corta) Nada me importa mais, padre. Sei que ficarei longe desta maledetta terra que só me trouxe desgraça.
VALTER         - (estranha) O que te fez mudar de opinião?
HELENA        - Sei que em Brasil não irão atentar contra nós, não irão atentar contra nostra família. Eu nunca irei perdoar o que aconteceu conosco em Itália!
VALTER         - Nunca superou a morte de vossos irmãos. Estou certo?
HELENA        - É vero! Mas... Não quero falar de isto agora!
Helena se levanta chateada e se debruça na polpa do navio.
MULHER       - (grita/ O.S) SOCORRO!
Helena se vira e vê uma mulher deitada no chão, agonizando, suada. Ela corre até lá e se ajoelha no chão, ao lado dela.
HELENA        - O que está acontecendo?! Digam-me! O que está acontecendo?
MULHER       - (com dificuldade) Vou morrer... Dio mio! Salve-me! Vou morrer!
HELENA        - Per favore, não diga isto! Me conte... O que aconteceu com você?
MULHER       - Fui picada por um bicho no porão... Está doendo muito... Dói muito! Estou me sentindo muito tonta!
Uma multidão se forma em volta deles. Vicente chega, assustado.
VICENTE       - O que está acontecendo?
HELENA        - Não vê? Essa mulher está morrendo!
Tempo. Vicente observa tudo. Helena firme.
HELENA        - Anda! Me ajude, per favore!
Vicente se ajoelha ao lado de Helena. A mulher ficando vermelha.
VICENTE       - O que está sentindo?
MULHER       - Muita dor... Minha boca está ficando seca!
A mulher vomita. Helena segura a cabeça da mulher, que vai embranquecendo.
VICENTE       - Está indo! Não vai durar por muito tempo!
HELENA        - Esta mulher não pode partir! Não pode!
VICENTE       - Busque água... Alguém busque água, per favore!
A mulher vai fechando os olhos lentamente, e morre nos braços de Helena. Ela se levanta com os olhos carregados de lágrimas. O comandante (senhor de sessenta anos, cabelos grisalhos, roupa formal) se aproxima deles. Vicente se levanta também. Helena fica de frente ao comandante.
HELENA        - (grita) É isto ai! QUANTAS PESSOAS VÃO TER QUE MORRER PARA ESTE COMANDANTE TOMAR UMA MEDIDA?!
COMANDANTE – Se acalme!
HELENA        – Não vou me acalmar! Essa mulher morreu por causa das condições horríveis do seu navio! Disgraziato! A culpa é desse descaso conosco! Entrei há pouco tempo neste navio e já vi a tamanha falta de higiene. Culpa tua, disgraziato!
Helena bate no peito do Comandante. Vicente tentando puxá-la. TODOS assustados, observando a situação.
COMANDANTE – Segurem essa mulher!
Vicente levanta e segura os braços de Helena. Ela se vira e os dois se entreolham, muito próximos. Tempo. Helena tenta se livrar dos braços de Vicente.
HELENA –    Me deixe ir!
VICENTE – Você precisa se controlar.
HELENA – Aquela pobre senhora morreu pela falta de higiene de questo navio. Eu tenho razão em me rebelar. Me deixe ir!
Vicente solta Helena, que enxuga as lágrimas e corre para o outro lado do navio, onde novamente se debruça. Valter se aproxima dela.
VALTER – Filha/
HELENA – (corta) Saia daqui, padre! Me deixe sozinha!
Valter sai. Helena chora.
Vicente se aproxima e põe a mão sobre o ombro de Helena.
VICENTE – Ragazza/
HELENA – (corta) Já disse pra me deixar em paz. Eu não quero falar com ninguém agora. Vá embora... Per favore!
VICENTE – Eu só queria dizer que você foi muito corajosa em enfrentar o comandante. Não é todo dia que vemos alguém com tamanha coragem. Foi guerreira!
HELENA – Grazie, mas só fiz o que devia fazer. É horrível ver esse descaso que têm conosco.
VICENTE – Capisco!
HELENA – Eu não gosto de ver pessoas sofrendo. Já senti muitas dores no passado por conta disso.
VICENTE –   O que quer dizer?
HELENA – Eu não vou dar satisfações da minha vida para você. Nem o tuo nome eu sei.
VICENTE – Meu nome é Vicente, piacere. E tuo nome, como é?
HELENA – Me chamo Helena. Piacere, Vicente.
VICENTE – Agora já pode me contar o que aconteceu?
HELENA – Como você é insistente!
Vicente levanta as sobrancelhas. Helena fica em silêncio por segundos. Olha para ele.
HELENA – Va bene, eu vou lhe contar.
Imagem funde com/
FLASHBACK 1 -  CASA DE VALTER/ EXT./ NOITE./ JARDIM.
EFEITO: Imagem envelhecida.
LEGENDA: Alguns meses atrás...
Várias pessoas dançando e bebendo, felizes. Valter andando pelo local. Helena passando e servindo a todos.
HELENA – (off) Mios três irmãos, nostros amigos e eu estávamos comemorando meu aniversário em nostra casa. Estávamos todos muito felizes.
Os três irmãos ao lado de Helena comemorando. Valter e Germana felizes.
FLASHBACK 2 -  CASA DE VALTER/ EXT./ NOITE/ CAMPOS.

Ambiente escuro. Homens com capas pretas se aproximando dos campos, montados em cavalos, com grandes tochas de fogo em mãos. Eles começam a tacar fogo nas plantações. O fogo começa a ficar cada vez maior. Os homens saem correndo em seus cavalos. Valter vê de longe o fogo. TODOS vão se aproximando do campo, correndo.
VALTER         - (grita) DIO MIO! Me ajudem! Me ajudem!
Os irmãos e Helena vão correndo para o local. Os convidados também. Germana chora junto a Valter. Os irmãos entram no campo com baldes imensos de água. Uma imensa árvore no meio do campo.
HELENA        - Cuidado! Pelo amor de Dio... Cuidado irmãos!
A árvore cai em cima dos irmãos, que gritam. O fogo começa a consumir tudo. Helena gritando desespera, sendo segurada por Valter. Germana gritando no chão.
Corta para/
CENA 03/ NAVIO/ DIA/ INT./ PARTE DE CIMA DA EMBARCAÇÃO.
FIM DO EFEITO. CONTINUAÇÃO DA CENA 02.
Helena chora. Vicente se comove, e a abraça.
VICENTE       - Dio santo! Muito triste tua história! Nunca poderia imaginar!
HELENA        - Mios irmãos não conseguiram se salvar. O fogo alcançou nostra casa tempos depois. Não houve muito o que fazer!
Helena seca as lágrimas. Vicente abaixa a cabeça. Ela olha para ele.
VICENTE       - Perdóname, Helena/
HELENA        - (corta) Já contei o que queria saber. Deve estar feliz! Stupido!
VICENTE       - Já pedi tuo perdono! Eu não sabia que você já tinha enfrentado perdas!

Corta para/
Do outro lado do navio – Valter caminha lentamente, observando o mar. Chiara vem correndo e esbarra nele.
VALTER         - Não olha por onde anda, caspitta!
CHIARA         - Perdono, senhor. Eu não tive/
Chiara olha para o rosto de Valter e ri. Ele a encara também.
CHIARA         - (cont.) Valter Beluzzo?! É você?
VALTER         - Non pode ser! Chiara Fregnani!
CHIARA         - Mio amigo! Valter!
Os dois se abraçam fortemente.
CHIARA         - Há quanto tempo não nos vemos, non?!
VALTER         - (triste) Sim. Desde a tragédia/
CHIARA         - (corta) Perdónamo. Não me lembrava do incêndio. Sinto muito!
VALTER         - Eu também... Como sinto!
Silêncio por tempo. Os dois, cabisbaixos, perto um do outro.
CHIARA         - Bem... Percebo que também irá ao Brasil!
VALTER         - Sim... Não aguento mais viver em questa terra maledetta!
CHIARA         - Não fale assim/
VALTER         - Você perdeu tuo marito de uma forma tão cruel quanto a minha. Sabe o quanto dói dentro de nostro peito!
CHIARA         - Não queria saber, mas infelizmente sei. E como sei!
VALTER         - Pois é!
CHIARA         - Mas enfim, as oportunidades em Brasil parecem ser bem mais fáceis, non?
VALTER         - Tenho esperanza que sim. Mas a vida é uma cartola de surpresas, nunca sabemos o que acontecerá no dia de amanhã, non?!
Os dois começam a rir e se abraçam novamente.
Corta para/
CENA 04/ NAVIO/ INT./ DIA./ CONVÉS.
Algumas pessoas agonizando. Vicente desce as escadas e vê tudo. Ele corre e vê um ferido, sangrando pelo braço. Rasga a sua camisa e enrola no braço do homem.
VICENTE       - Fique calmo! Confie em Dios! Tudo vai dar certo!
Helena vê Vicente e desce as escadas correndo. Ela o ajuda.
HELENA        - Quando este inferno vai acabar?
VICENTE       - Não sei!
HELENA        - Fico contente em ver você ajudando nostro povo. Sempre foi assim?
VICENTE       - A morte de mio padre me ajudou bastante!
HELENA        - Sinto muito. Não sabia que tu padre já és morto!
VICENTE       - Sim... Foi morto de uma forma muito cruel! Você me contou tua história, agora é hora de contar a mia história!
FLASHBACK 3. CASA DE VICENTE/ INT./ NOITE./ COZINHA.
Casa humilde. Matteo (aproximadamente sessenta anos, cabelos grisalhos, olhos fundos e azuis, simples) sentado na ponta da mesa junto a Vicente e Chiara.
MATTEO        - Estamos ficando cada vez mais ricos, filho mio!
VICENTE       - Sabe bem que non gosto muito dessa ideia de ficar rico, padre!
CHIARA         - Deixa tuo padre sonhar, filho! Um dia iremos vencer na vida!
BATIDAS NA PORTA.
MATTEO        - Io atendo!
Matteo vai em direção à porta. Um homem encapuzado aponta um revólver para ele. FOCA no revólver. Vários tiros disparados. Matteo cai, já morto, no chão. O homem vai embora. Escuta-se apenas os relinchos do cavalo em OFF. Vicente e Chiara vão desesperados na sala. Se jogam sobre o corpo de Matteo.
VICENTE       - (grita) PADREEE!
Corta para/
CENA 05/ NAVIO/ DIA/ INT./ PARTE DE CIMA DO NAVIO.
CONTINUAÇÃO DA CENA 04.
Vicente limpa as lágrimas do olho. Helena abismada.
VICENTE       - E foi isso!
HELENA        - Temos histórias bem parecidas... Sinto muito!
VICENTE       - Sim temos. Eu perdi mio padre, e tu perdestes tuos irmãos! Gosto de você! Me traz energia, capite?!
HELENA        - Sinto o mesmo!
SONOPLASTIA: No Soy El Aire – Thalia
Helena e Vicente vão se aproximando lentamente. Suas bocas ficam quase coladas. Eles se entregam ao momento, mas Helena recua, e se levanta.
HELENA        - Preciso subir! Preciso dar o apoio a mio padre e mia madre!
Helena sobe as escadas rapidamente. Vicente pensativo.
Corta para/
CENA 06/ NAVIO/ INT./ DIA/ PARTE DE CIMA DA EMBARCAÇÃO.
Germana e Valter sentados em volta da mesa de madeira, com um baralho em mãos. Algumas pessoas dançando em volta da mesa.
GERMANA     - Lá no Brasil precisamos casar nostra filha com algum homem rico.
VALTER         - Caspitta! Caspitta! Só pensa em dinheiro, Germana!
GERMANA     - Vi os olhares de nostra filha com aquele ragazzo... Filho de falecido Matteo!
VALTER         - E isto te importa?
GERMANA     - Me importo com o futuro de nostra filha, Valter. Non importa de qual forma! Tenho medo de que ela tenha um futuro parecido com o nostro!
VALTER         - Temos um longo caminho pela frente... Serão trinta dias de viagem segundo o Comandante. Non podemos ficar nos precipitando. Quando chegar em Brasil iremos decidir o que fazer. Capitte?!
GERMANA     - Capisco!
Corta para/
Do outro lado do navio – LORENZO (cabelos encaracolados e castanhos, olhos castanhos, roupa simples, olhar fundo) sentado em um barril, observando os outros dançando. O comandante se aproxima dele.
COMANDANTE – Sabe que só está aqui por conta de tuo primo, capitte?
LORENZO     - Não sou burro, comandante! Mio primo manda naquele país. Se eu quisesse mandaria ele colocar todos desse maledetto navio em baixo deste grande oceano! Non duvide de mim!
COMANDANTE – Non duvido nada. Conheço de longe gente mau caráter como você!
Lorenzo se levanta do barril, e aperta o pescoço do Comandante.
LORENZO     - Você non sabe com que está mexendo, maledetto! Sou um Leroy, um legítimo Leroy... Non importa se estou dentro desse navio, o que importa é que devo ser tratado como um nobre que sou... Capite?
Lorenzo solta o Comandante e vai dançar junto aos outros. O Comandante se estressa.
COMANDANTE – Disgraziato!
Corta para/
CENA 07/ NAVIO/ INT./ EXT./ PORÃO.
Escuridão. ROGÉRIO (negro, cabelos crespos, alto, bom físico) encolhido no canto do navio, tremendo. Vicente abre a porta do porão. Rogério se assusta. Vicente vai se aproximando, e vê Rogério.
ROGÉRIO     - Per favore, non faça nada comigo! Eu imploro!
VICENTE       - Quem é você? O que faz aqui?
Rogério fica em silêncio. Vicente se aproxima dele.
ROGÉRIO     - Vim escondido para cá. Non posso entrar neste navio. Sou negro, e como deve saber, negros non podem entrar neste maledetto navio!
VICENTE       - Mas você pretende ficar aí até morrer? Por que é isso que vai acontecer se continuar aí. Independente de cor, você é de nostra terra, é de nostro povo. É nostro irmão! Non merece ficar aí.../
ROGÉRIO     - (corta) Você não me entende, porque é branco. É italiano de raiz. Non posso ser hipócrita!
Eles se encaram. Closes alternados.
Corta para/
CENA 08/ NAVIO/ INT./ DIA./ PARTE DE CIMA DO NAVIO.
Vicente olhando o mar. O Comandante se aproxima dele.
COMANDANTE – Hoje foi um dia complicado pra você.
VICENTE       - Sim. Larguei esta terra mia. Estou partindo para outro continente, outro lado do mundo, e nem sei se vai dar certo a minha vida lá. Tudo muito incerto...
COMANDANTE – É vero! Sabe... Comandei muitas embarcações, e nunca fico satisfeito com essas coisas que acontecem, capitte?! Nunca mesmo... Já vi pessoas se dando bem, outros não. Prefiro continuar em nostra Itália, mia Itália!
VICENTE       - Você non é o primeiro a dizer isso a mim. Tentamos fugir dos problemas, tentamos de todas as formas. Não conseguiremos nunca.
COMANDANTE – Não é uma maneira correta fugir dos problemas. Ninguém consegue fugir fisicamente, de um problema que está no interior da gente, capitte?
VICENTE       - Caspico! Dói... Dói dentro da gente, dentro de nostro peito, mas é preciso enfrentar, por mais nos sangre, nos machuque! Non tenho medo de enfrentar. Sabe... Uma vez mio padre seguiu até o Brasil, e lá ouviu uma coisa inteligente... Ele disse que os brasileiros sempre repetiam uma frase. Usavam esta frase sempre quando perdiam uma batalha, tanto física, quanto emocional, capitte?!
COMANDANTE – E que frase é essa?
VICENTE       - Sou brasileiro e non desisto nunca! Eu não sou brasileiro, mas levo comigo a partir de agora o meu eu brasileiro!
O comandante e Vicente se abraçam, emocionados. Se solta, e se dispersam.
TODOS dançando e cantando felizes. Germana e Valter se levantam e dançam juntos. P.V de Helena subindo as escadas do porão para a parte de cima do navio. A CAM se afasta. Gira em torno dela, que respira ferozmente.
HELENA        - (grita) O QUE ESTÁ ACONTECENDO NESTE MALEDETTO NAVIOOO?! PAREEM!
A música para. Todos encaram Helena. Closes alternados. Helena chora de raiva. Ela se aproxima da mesa de madeira e joga tudo no chão. Ritmo. O comandante aparece rapidamente e segura os braços dela.
HELENA        - ME SOLTA! ME SOLTA, DISGRAZIATO! É isso?! Isso que vocês querem para nostra vida? Querem destruir o que ainda há dentro de nós?! (grita) HIPÓCRITAS! Querem comemorar... Vão comemorar! Longe de mim... Non vou ficar aqui tendo que ver pessoas morrerem a cada dia, sem nenhuma piedade. E o que vocês fazem?! Dançam, cantam, gritam! Se não conseguem lutar por nostro povo... Como vão lutar por nostras terras?! Como?! Se é para seguir até esta maledetta terra, iremos seguir, mas não iremos perder os habitantes de nostra terra... Itália!
O comandante solta o braço de Helena. Ela sai do local. Vicente vê tudo de longe.
Corta para/
Do outro lado do navio – Helena chorando sentada em uma das pontas do navio. Vicente se aproxima dela.
VICENTE       - Non vale a pena... Non vale a pena lutar por este povo que non se une, Helena. Não chore por eles... Ei/
Helena levanta a cabeça e olha para Vicente.
SONOPLASTIA: No Soy Aire – Thalia.
Vicente acaricia os cabelos de Helena. Os dois vão se aproximando. Suas bocas vão se aproximando. Germana chega ao local.
GERMANA     - (a Helena) Vamos... Temos muito o que conversar, filha mia!
VICENTE       - Vai... Vai com tu madre...
HELENA        - (sorri) É vero!
Helena se levanta e vai andando com Germana. Vicente fica olhando-a.
Corta para/
CENA 09/ NAVIO/ INT./ QUARTO.
Germana com uma foto de seus três filhos na mão, olhando emocionada. A CAM gira nela. CAM foca no retrato. Cai uma lágrima sobre ele. BATIDAS NA PORTA. Valter entra.
VALTER         - Eu estava te procurando por todo lugar, caspitta.../
Valter observa Germana olhando o retrato, em silêncio.
VALTER         - (cont.) Eram lindos... Fortes, non?!
GERMANA     - (limpa a lágrima) Mios... Nostros filhos eram seduttori, Valter. Todas as mulheres de Florença queriam ter algum deles como marido. Antes eu tivesse os entregue para alguma delas, só assim não estaria sofrendo com a perda deles!
VALTER         - Não se culpe pela morte deles... Era o momento da partida, não poderíamos fazer mais nada. Capite?!
GERMANA     - Capisco, marito... Mas io queria eles aqui comigo!
VALTER         - Não podemos mais nos fechar a vida, mia donna! Precisamos lutar para sobreviver. Temos Helena viva.../
GERMANA     - (cont.) Non quero saber... Entregarei Helena solo para aquele que tiver dinheiro... Que puder nos sustentar...
VALTER         - (grita) Quis fazer o mesmo com nostros filhos, e acabou os perdendo. Queres o mesmo fim para Helena?
Germana fica em silêncio por um tempo, a andar pelo local. Valter esperando resposta.
GERMANA     - Lembra do que disse, marito?
VALTER         - Quando?!
GERMANA     - Se algo de errado acontecer com Helena será o momento da partida... Seja o que Dio quiser! Licenza!
Germana sai do local. Valter olhando desconfiado.
Corta para/
CENA 10/ NAVIO/ INT./ DIA/ CENTRO DE COMANDO.
Lorenzo sentado em um sofá rasgado, com uma taça e uma garrafa de vinho na mão. O comandante entra, se assusta.
COMANDANTE – O que significa isso aqui?!
LORENZO     - Oi amico... Vem... Vamos tomar um vinho juntos?!
COMANDANTE – O Barão deve ter te mando para atormentar a mim... Maledetto!
LORENZO     - Olha bem como fala do mio primo.../
COMANDANTE – Aliás... Muito estranho... O Barão non entregou nenhuma carta avisando que você partiria.
LORENZO     - Caspita... Vamos parar de falar de mio primo e vamos tomar um vinho!
Corta para/
CENA 11/ STOCK-SHOTS/ DIA./ EXT.
LEGENDA:           Monte Velho - BRASIL
SONOPLASTIA: Todo Azul do Mar – Flávio Venturinni.
Imagens aéreas da cidade de Monte Velho. Igrejas lindas e decoradas. Pessoas indo e vindo de suas casas, felizes. A CAM vai indo até um grande sítio. A MÚSICA CESSA.
Corta para/
CENA 12/ MANSÃO DE AFONSO/ DIA./ INT./ SALA DE ESTAR.
Um homem, humilde com roupa de trabalhador, entra na sala. MARIA TEREZA (cabelos cacheados, olhos pretos e profundos, uma pinta ao lado da boca, 40 anos, bonita, vestido preto) o vê e o para.
M. TEREZA    - Onde você pensa que vai?
HOMEM         - Vou ir até o Barão, dona Maria Tereza.
M. TEREZA    - E por acaso você veio até a mim pedir permissão?
HOMEM         - Pensei que não precisava. Me desculpa!
M. TEREZA    - Quem governa toda essa mansão sou eu. Então tente da próxima vez não errar, ou senão os seus filhos não terão o que comer com um pai desempregado, não é mesmo?
HOMEM         - Sim, senhora. Com licença!
O homem sobe as escadas da mansão rapidamente. FOCA em Maria Tereza, rindo.
Corta para/
CENA 13/ MANSÃO DE AFONSO/ INT./ DIA./ QUARTO DE AFONSO.
Local escuro. BARÃO AFONSO (cabelos grisalhos, longa barba, olhos escuros, 65 anos) sentado em uma cadeira imensa de costas a porta. BATIDAS NA PORTA.
AFONSO       - (OFF) Entre!
O homem entra, coloca o chapéu na barriga. CAM focada apenas no homem.
AFONSO       - (OFF) O que quer aqui?
HOMEM         - Eu vim trazer uma notícia pro senhor. Uma notícia que me pediram pra avisar ao senhor!
AFONSO       - (OFF) Pois então fale... Não tenho muito tempo!
HOMEM         - Os italianos.../
AFONSO       - (OFF/ corta) O que tem os italianos? Resolveram exterminar toda aquela raça maledetta?!
HOMEM         - Não... Os italianos estão chegando ao Brasil. Me parece que em uma embarcação lotada deles. Existem camponeses, mercadores... Eles estão em busca de terras livres, senhor.
Afonso vira a cadeira, fica de frente ao homem, com uma expressão carregada, e o encara. FOCA em Afonso, espumando de ódio.
Corta para/
CENA 14/ STOCK-SHOTS/ EXT.
Anoitece. TAKES do navio por fora. Movimentação por dentro. ÚLTIMO TAKE em Vicente, segurando uma grande sacola.
Corte rápido para/
CENA 15/ NAVIO/ NOITE/ INT./ PARTE DE CIMA DA EMBARCAÇÃO.
Vicente soando, pegando uma sacola imensa, pesada. Helena se aproxima dele, preocupada.
HELENA        - Dio santo. Quando vai parar de trabalhar tanto?
VICENTE       - Quando io morrer.
HELENA        - É orgulhoso mesmo... Non tem jeito!
VICENTE       - Non fui acostumado a ficar a toa. Capitte?!
HELENA        - Capisco! Mas pelo menos me deixe te ajudar.../
Vicente se levanta, olha fixamente nos olhos de Helena. Sorriso no rosto.
VICENTE       - Pronto... Serviço feito!
A CAM aproxima-se da porta que leva até o porão. Um REVÓLVER apontado. A porta entreaberta. PV MISTERIOSO olhando Vicente e Helena conversando, em off, sem ouvir o som.
SONOPLASTIA: Purgação.
FOCA no revólver, sem ver o restante do navio. DISPARO DE UM TIRO. A porta entreaberta se fecha. GRITO.
EFEITO FINAL: Congela na porta FECHADA.

 ESCRITA POR JOÃO CARVALHO
COLABORAÇÃO DE RENNAN LOPES

AGRADECIMENTOS A:
RAMON FERNANDES
JP

(C) 2016
Direitos Reservados Ao TVN

"Essa é uma obra de ficção. Qualquer semelhança com a realidade terá sido mera coincidência"






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