quarta-feira, 11 de maio de 2016

Episódio 2: Meia Estrela

EPISÓDIO 2: VISITAS (IN)DESEJADAS

CENA 1: STOCK SHOTS. DIA. EXT. PRAIA DE ICARAÍ, NITERÓI.
Imagens externas da praia de Icaraí, em Niterói (RJ). O sol está nascendo e algumas pessoas já estão na praia, com suas barracas ou praticando atividades na areia.   
SONOPLASTIA: O Farol – Ivete Sangalo
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CENA 2: APARTAMENTO 510, EDIFÍCIO SANTA FÁTIMA. DIA. INT.
Larissa está sentada no sofá do apartamento. Neide, sua mãe, entra na sala.
LARISSA: Caiu da cama?
NEIDE: Se eu tivesse caído, já estaria no caixão.
LARISSA: Cruzes, mãe. Que coisa horrível!
NEIDE: Filha, quando o Flávio volta?
LARISSA: Daqui a alguns dias. Por que, mãe?
NEIDE: Nada não.
LARISSA: Está com saudades dele?
NEIDE: (IRÔNICA) Ah, claro. Estou até chorando aqui.
LARISSA: Mãe, quando podemos marcar com esse seu médico para entender a sua doença?
NEIDE: Não sei. Vou pedir pra ele vir aqui.
LARISSA: Ok. Não me enrole, hein, dona Neide.
NEIDE: Eu não faço isso, minha filha.
LARISSA: Sei...
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CENA 3: APARTAMENTO 202, EDIFÍCIO SANTA FÁTIMA. DIA. INT.
Dirce está assistindo a um programa de TV. Nelsinho entra na sala.
NELSINHO: E aí, mãe? Tudo beleza?
DIRCE: Sim. Bora fazer um churrascão aqui hoje?!
NELSINHO: Ótima ideia mãe, mas te prepara que aquela Hortênsia do 301 vai reclamar demais.
DIRCE: Tô nem aí praquela velha mamada.
NELSINHO: Quem você vai chamar pro churrasco?
DIRCE: Uns amigos nossos lá da comunidade, mas você pode chamar outros amigos seus também.
NELSINHO: Oba. Mas cadê Genival?
DIRCE: Parece que ele tá mexendo lá no cano da perua do 706.
NELSINHO: Ah, sei muito bem...
DIRCE: Esse Genival não presta mesmo.
NELSINHO: Vou buscar o aparelho de som então pra colocarmos umas músicas bem legais aqui hoje.
DIRCE: Eba! Mas não esquece de colocar uns sambas bons.
NELSINHO: Você tá pensando que comigo é bagunça, mãe? Não é não.
Dirce abraça seu filho, que sai do apartamento para buscar seu equipamento de som.
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CENA 4: APARTAMENTO 1003, EDIFÍCIO SANTA FÁTIMA. DIA. INT.
Márcia está sentada numa cadeira da sala de jantar de seu apartamento. Bozena aproxima-se.
BOZENA: Quer alguma coisa, dona Márcia?
MÁRCIA: Então foi você que espalhou pra esse povão que eu ia vender o prédio né, sua indigente?
BOZENA: O que é indigente?
MÁRCIA: Não interessa, Bozena. Só não te demito porque sei que você sabe muita coisa minha. Se eu ver você ligando pra alguém pra ficar de fofoca, você vai se ver comigo.
BOZENA: Falando nisso, você viu meu celular?
MÁRCIA: (segurando o celular de Bozena) Serve esse?
BOZENA: Esse mesmo.
MÁRCIA: Não vou te devolver ele hoje não. (guarda o celular de Bozena no bolso)
BOZENA: Sua cavala!
MÁRCIA: Vá trabalhar, Bozena!
BOZENA: Dona Márcia, sabia que lá em Pato Branco eu tive uma patroa bem parecida com a senhora? Ela era uma bandida, das piores, e eu sabia tudo da vida dela/
MÁRCIA: Não me interessa. Agora vá pegar uma água pra mim.
BOZENA: Como se fala?
MÁRCIA: (gritando) Vá agora, inútil.
BOZENA: (indo pegar a água) Cavala!
Bozena chega à cozinha. Ela pega um copo e o enche com água da torneira. Ela volta para a sala de jantar e entrega o copo para Márcia.
MÁRCIA: (bebendo a água) Essa água tá com um gosto estranho, Bozena.
BOZENA: É a água de sempre, dona Márcia.
MÁRCIA: Então eu vou reclamar na empresa do filtro, já que ele não está filtrando bem a água.
BOZENA: Mas essa água não é do filtro!
MÁRCIA: (para) É da onde?
BOZENA: Da torneira ué. Ouvi dizer num programa que faz um bem danado/
MÁRCIA: Sai da minha frente, Bozena, sua estúpida.
Bozena sai da sala de jantar novamente. Márcia pega seu celular, no bolso. A CAM foca no celular de Márcia. Ela liga para um contato chamado ‘‘Rui das Baratas’’.
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CENA 5: PRAIA DE ICARAÍ. DIA. EXT.
De um lado está Márcia, e do outro, Rui, um homem mais velho, com cabelo e barba grande e preta.
MÁRCIA (tel.): Oi Rui. Tudo bem.
RUI (tel.): Márcia?
MÁRCIA (tel.): Eu mesma, querido.
RUI (tel.): A que devo a honra da sua ligação?
MÁRCIA (tel.): Bem, eu queria comprar umas baratas com você.
RUI (tel.): Pra que você quer? Você comprou uma cobra e tá alimentando ela com barata?
MÁRCIA (tel.): Não, nada de cobra. É que eu preciso esvaziar o meu prédio e um dos únicos jeitos é colocar as baratas, e aproveitar o momento em que essa gentalha estiver fora para implodir tudo.
A CAM mostra Bozena em um corredor do apartamento, ouvindo a conversa.
RUI (tel.): Não sabia que você tinha chegado a esse ponto, Márcia. Mas, enfim, quantas você quer?
MÁRCIA (tel.): Umas mil logo, Rui. Quero que essa gentalha fique com medo e saia correndo.
RUI (tel.): Ok, então, Márcia. Eu vou levar aí pra você mais tarde.
MÁRCIA (tel.): Obrigada, amado. Até mais. Te espero aqui. (desliga)
A tela volta ao normal.
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CENA 6: APARTAMENTO 706, EDIFÍCIO SANTA FÁTIMA. DIA. INT.
Vivy está de lingerie, em cima da sua cama, em seu quarto. Genival está no banheiro, mexendo no encanamento.
VIVY: E aí, Genival? Já conseguiu arrumar isso aí?
GENIVAL: Ainda não, dona Vivy.
VIVY: Me chama só de Vivy. Tenho sua idade. (ri)
GENIVAL: Cadê aquele seu namorado saradão?
VIVY: Ah, o Patrick?! Ele tá na academia.
GENIVAL: Podemos aproveitar que ele não tá aqui, né?
VIVY: Ah, que bom que você tomou a iniciativa. Achei que você fosse gay. (ri)
GENIVAL: Não, não. Ah, só uma coisa antes: quando que eu vou receber o meu salário?
VIVY: Que tal se eu te pagar com isso?!
Vivy levanta-se da sua cama, vai até o banheiro, puxa Genival pela blusa e o leva ao quarto. Lá, ele tira sua roupa, fica somente de cueca e se joga na cama. A CAM se afasta dos dois, porém mostra os dois se agarrando.
SONOPLASTIA: Paredão Metralhadora – Vingadora
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CENA 7: APARTAMENTO 102, EDIFÍCIO SANTA FÁTIMA. DIA. INT.
Sarah está na cozinha do apartamento. Pedro, seu filho, aparece na cozinha.
SARAH: Bom dia, filho. Dormiu bem?
PEDRO: Sim, mamãe. O papai volta quando mesmo?
SARAH: Ainda essa semana, Pedro. Toda hora você pergunta isso.
Flávio entra, pela porta principal, no apartamento. Flávio carrega duas sacolas e uma mala. Pedro corre em direção ao pai.
PEDRO: (EUFÓRICO) Papai!
SARAH: (beija Flávio) Tudo bem, amor? Chegou cedo. Nem avisou.
FLÁVIO: Vim fazer uma surpresa. Tava com saudades, filhão?
PEDRO: Muita.
FLÁVIO: Eu trouxe um presente pra você.
Flávio entrega uma blusa da seleção da Espanha de futebol para o filho.
PEDRO: (olhando a blusa) Pai, essa blusa é falsificada. Aqui na etiqueta tá escrito ‘‘made in China’’.
FLÁVIO: Japa safado! Eu comprei de um japonês e ele disse que era a legítima.
SARAH: Mas o importante, filho, é que seu pai lembrou de você.
FLÁVIO: Impossível eu não lembrar de vocês. Pra você, Sarah, também tem presente.
Flávio dá uma sacola para Sarah. Ela abre. É um creme para rugas.
SARAH: (irritada) Flávio, você tá me achando acabada?
FLÁVIO: Por quê? Não gostou do creme?
SARAH: É anti rugas. Aposto que você nem leu o rótulo antes de comprar.
FLÁVIO: Desculpa, Sarah. Achei que fosse para deixar a pele macia.
SARAH: Você acha a minha pele áspera? Fica quieto que é melhor, Flávio, por favor.
FLÁVIO: Desculpa. Então, vou fazer minhas panquecas.
PEDRO: Eba!
Flávio vai à cozinha. Ele pega uma frigideira e alguns ingredientes na geladeira.
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CENA 8: APARTAMENTO 301, EDIFÍCIO SANTA FÁTIMA. DIA. INT.
Hortênsia está deitada no sofá do apartamento, na sala. Várias garrafas de uísque estão caídas ao lado do sofá, no chão. Lúcio chega à sala do apartamento.
LÚCIO: O que é isso, mamãe? A senhora encheu a cara de novo?
HORTÊNSIA: Não viaja, Lúcio.
LÚCIO: A senhora já chegou totalmente maluca na reunião ontem e ainda bebeu aqui em casa, mamãe?! Quando eu cheguei, a senhora estava no seu quarto. O que aconteceu?
HORTÊNSIA: Eu acordei no meio da noite e senti uma vontade enorme de beber. Não consegui me controlar.
LÚCIO: Mamãe, eu vou ter que chamar o psiquiatra?
HORTÊNSIA: Se você chamar aquele maluco, eu me jogo da janela pra não ter que ouvir as baboseiras que ele fala.
LÚCIO: Eu estou de folga hoje/
HORTÊNSIA: Aleluia, né?
LÚCIO: Eu vou resolver uns problemas do meu carro e volto mais tarde/
HORTÊNSIA: Ah, claro. Já tava desconfiando quando você disse que tava de folga.
LÚCIO: Ah, aquela sua prima, a Magda, me mandou uma mensagem falando que ia vim te visitar hoje.
HORTÊNSIA: Aquela chata da Magda?! O que eu fiz pra merecer essa mala?
LÚCIO: Sim, a Magda do Caco, lá de São Paulo.
HORTÊNSIA: O que ela vem fazer aqui?
LÚCIO: Disse que quer conversar com a senhora.
HORTÊNSIA: Aff. Ela deve pedir dinheiro.
LÚCIO: Olha, preciso ir, mãe. Tchau.
Lúcio sai do apartamento.
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CENA 9: STOCK SHOTS. DIA. EXT. NITERÓI.
Imagens externas de Niterói. A CAM mostra rapidamente o Museu de Arte Contemporânea da cidade (MAC) e algumas praias, onde muitas pessoas aproveitam o dia para pegar uma onda.
SONOPLASTIA: Cool for the Summer – Demi Lovato
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CENA 10: APARTAMENTO 202, EDIFÍCIO SANTA FÁTIMA. DIA. INT.
Dirce arruma o apartamento para o churrasco. Nelsinho, na cozinha, cuida das carnes.
DIRCE: Já montou a sua aparelhagem de som, filho?
NELSINHO: Já sim.
DIRCE: Daqui a pouco o pessoal tá chegando, Nelsinho. Agiliza isso aí.
NELSINHO: Já tá tudo quase pronto. Mas não vão ligar pra avisar quando o pessoal tiver chegado na portaria?
DIRCE: Se esqueceu que essa joça está sem porteiro?!
NELSINHO: Ih, é mesmo. Ah, mãe, o Genival ainda tá trabalhando na casa da dondoca?
DIRCE: Deve estar fazendo outro tipo de servicinho lá.
NELSINHO: (rindo) Verdade.
A campainha toca. Dirce vai até a porta e a abre. Vários amigos de Dirce e Nelsinho entram. A maioria está com trajes de banho, alguns homens estão sem camisa e carregam algumas sacolas.
DIRCE: Que bom que vocês vieram!
MULHER 1: Eu trouxe aquela farofinha!
HOMEM 1: E aí, Nelsinho? Tudo certo com as carnes?
NELSINHO: Sim. Bora fazer?
HOMEM 1: Claro. Partiu!
Nelsinho pega uma churrasqueira pequena de ferro e a monta na varanda do apartamento. Ele coloca carvão, acende-a e começa a colocar algumas carnes.
DIRCE: E aí, cumadre, como vai lá na comunidade?
MULHER 2: Tudo certo, Dirce. Tá meio violento, mas tamos levantando.
MULHER 1: Dirce, cadê Genival?
DIRCE: Ah, menina, Genival foi trabalhar cedo na casa de uma perua aqui no prédio, mas não voltou até agora.
MULHER 1: Ele foi fazer o que lá?
DIRCE: Ele falou pra mulher que era encanador, mas essa hora ela que deve estar mexendo com cano. (ri)
O cheiro das carnes começa a ficar mais forte e vai saindo da varanda do apartamento e se espalhando pelo ar.
SONOPLASTIA: Água no feijão – Jorginho do Império
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CENA 11: APARTAMENTO 510, EDIFÍCIO SANTA FÁTIMA. DIA. INT.
Guta e Léo estão na sala de estar vendo televisão. Neide sai de seu quarto e vai à sala de estar.
NEIDE: Passe esse controle pra cá!
GUTA: Mas a gente tá vendo o desenho, vovó.
NEIDE: Depois vocês veem isso. Quero ver o meu programa de culinária.
Larissa, que está na cozinha, ouve a pequena discussão.
LARISSA: Mamãe, por que você não vê seu programa no seu quarto?
NEIDE: (chorando) Ah, minha filha, eu tô cansada daquele quarto, dessa minha vida de doente. O médico disse que eu só vou viver por mais uns meses. Eu só quero aproveitar.
LARISSA: Crianças, vão ver TV lá no meu quarto!
LÉO: Mas lá não tem esse canal.
LARISSA: Vão ver outro!
GUTA: Mas, mãe/
LARISSA: Parem de reclamar. Não estão vendo que a vó de vocês está doente?! Vocês precisam ceder um pouco.
Guta e Léo saem da sala, cabisbaixos. Larissa volta à cozinha e Neide assiste ao programa de culinária.
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CENA 12: APARTAMENTO 301, EDIFÍCIO SANTA FÁTIMA. DIA. INT.
Hortênsia está lendo a Bíblia, até que o cheiro do churrasco de Nelsinho e Dirce entra pelas janelas do seu apartamento.
HORTÊNSIA: Aff. Esses favelados estão fazendo mais churrasco. Parece que eles só comem isso.
Irritada com o cheiro, Hortênsia se levanta. Ela vai até o telefone fixo, que fica próximo à televisão, e liga para o apartamento de Márcia.
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CENA 13: APARTAMENTO 1003, EDIFÍCIO SANTA FÁTIMA. DIA. INT.
A tela fica dividida entre Hortênsia e o apartamento de Márcia. Márcia atende o telefone.
MÁRCIA (tel.): Alô?
HORTÊNSIA (tel.): Oi Márcia. É Hortênsia, do 301.
MÁRCIA (tel.): Oi querida. O que houve?
HORTÊNSIA (tel.): Esses favelados do 202 resolveram fazer mais um churrascão, só que, como aqui eles não têm laje, eles fazem na varanda mesmo. E esse cheiro horrível impregna na minha casa.
MÁRCIA (tel.): O que você quer que eu faça?
HORTÊNSIA (tel.): Pelo que eu saiba, a síndica que toma as decisões. Então tome a sua.
MÁRCIA (tel.): Vou ligar e conversar com a Dirce.
HORTÊNSIA (tel.): Ok. Você pode perguntar pra Bozena quando ela vem aqui?
MÁRCIA (tel.): Ela tá trabalhando e não pode ser interrompida. Até mais, Hortênsia.
HORTÊNSIA (tel.): Até mais, pintora de rodapé.
Hortênsia desliga o telefone. A tela volta ao normal.

CENA 14: APARTAMENTO 1003, EDIFÍCIO SANTA FÁTIMA. DIA. INT.
Márcia está sentada em uma mesa e mexe em seu notebook. Ela se levanta e liga para o apartamento 202, pelo interfone.
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CENA 15: APARTAMENTO 202, EDIFÍCIO SANTA FÁTIMA. DIA. INT.
De um lado está Márcia, e do outro, é o apartamento 202, que está com vários convidados. Dirce atende.
MÁRCIA (tel.): Oi. É do 202?
DIRCE (tel.): Oi. Quem é?
MÁRCIA (tel.): É Márcia, a síndica. Dirce, recebi uma queixa que o churrasco na sua casa está incomodando outros moradores.
DIRCE (tel.): É aquela velha loucona, né?
MÁRCIA (tel.): Se você tá falando da Hortênsia, ela mesma que reclamou.
DIRCE (tel.): E...
MÁRCIA (tel.): Bem, não sei o que ela queria que eu fizesse, mas pra evitar essas perturbações, da próxima vez só me chamar.
DIRCE (tel.): Por que você não vem aqui?
MÁRCIA (tel.): Mais tarde eu apareço.
DIRCE (tel.): Ah sim. Então tchau.
MÁRCIA (tel.): Tchau. (desliga o telefone)
A tela volta ao normal. Bozena aproxima-se de Márcia.
BOZENA: Dona Márcia, eu posso ir lá nesse churrasco? O cheiro tá chegando aqui.
MÁRCIA: Você não vai sair hoje, Bozena.
BOZENA: Mas isso é cadáver privado. Eu tenho uma amiga que também passou por isso, aí ela processou a patroa e tudo/
MÁRCIA: Primeiro: é cárcere privado. Segundo: não quero saber dessas suas histórias. Agora vai limpar meu quarto que eu vou receber uma visita.
Bozena vai ao quarto de Márcia. A campainha toca. Márcia vai até a porta e a abre. Rui entra carregando duas grandes caixas de metal.
MÁRCIA: Veio rápido, hein, Rui?!
RUI: Uma encomenda sua é uma honra.
MÁRCIA: Ah, não exagera.
RUI: Mas agora eu quero saber direitinho por que você quer tanta barata.
MÁRCIA: Então, Rui, eu sou a síndica dessa bagaça aqui, e recebi uma proposta de uma empresária francesa para construir um shopping no lugar dessa espelunca. Nós íamos demolir o prédio e construir o shopping, mas a inútil da empregada contou pros moradores, e eles se revoltaram na reunião. Aí, a Lorraine, a francesa, desistiu do projeto, e para eu conquistar a confiança dela de novo eu preciso mostrar que consigo esvaziar esse lugar facilmente.
RUI: Então você vai espalhar baratas pelo prédio pro pessoal sair?
MÁRCIA: Exatamente. Com isso, eu vou colocar uns implosivos e a Lorraine vai ter o tão desejado espaço pro shopping dela.
RUI: Entendi. Então tudo sai por mil reais.
MÁRCIA: Mil reais?
RUI: Sim, cada uma custa um real.
MÁRCIA: Ok. Aqui está. (entrega um maço de dinheiro para Rui)
RUI: (contando o dinheiro) Tudo certo! Tenho que ir.
MÁRCIA: Obrigada Rui. Foi bom te ver.
Rui sai do apartamento e deixa as caixas ao lado da mesa de Márcia. Ao fechar a porta para ele, ela volta para a mesa.
MÁRCIA: (grita) Bozena, vem aqui!
Bozena sai do quarto de Márcia e chega à sala.
BOZENA: O que foi?
MÁRCIA: O que tem pro almoço? Estou morrendo de fome.
BOZENA: Nada ué. A senhora não falou pra eu cozinhar.
MÁRCIA: Aff. Então vou aproveitar e dar uma passada no churrasco dos favelados.
BOZENA: Então eu vou junto.
MÁRCIA: Claro que não.
Márcia recolhe todos os telefones da casa e chaves e os coloca em uma sacola.
MÁRCIA: Vou sair. Como você não vai sair daqui, aproveita e faz uma faxina que presta.
BOZENA: Tá bom.
Márcia sai do apartamento levando a bolsa, porém deixa as caixas com as baratas.
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CENA 16: APARTAMENTO 301, EDIFÍCIO SANTA FÁTIMA. DIA. INT.
Hortênsia está sentada no sofá lendo a Bíblia. A campainha toca. Ela abre a porta. É Magda (alta, na faixa dos trinta anos, cabelo longo e castanho claro), sua prima de São Paulo. Magda entra e Hortênsia fecha a porta.
HORTÊNSIA: Oi querida. Como você está jovem!
MAGDA: Ah, você que está muito bem, Hortênsia. Há quanto tempo que a gente não se via, né?
HORTÊNSIA: Verdade. Como está lá em São Paulo?
MAGDA: Tudo ótimo. Decidi aparecer aqui porque estou de saco cheio de Caco.
HORTÊNSIA: Mas o que ele te fez?
MAGDA: Esse que é o problema. Ele não faz nada.
HORTÊNSIA: Mas vocês ainda estão casados?
MAGDA: Sim, mas eu tô pensando em pedir o trivórcio.
HORTÊNSIA: Mas não é divórcio?
MAGDA: Não, divórcio é muito pouco.
HORTÊNSIA: Ele tá trabalhando com o que agora?
MAGDA: Ele vive de bicos com o tio Vavá.
HORTÊNSIA: Ah, achei que seu tio já tinha empacotado.
MAGDA: Empacotado? Quem ia querer embrulhar o tio Vavá?
HORTÊNSIA: Ah, percebi que o seu cérebro continua funcionando da mesma forma. Esquece isso, e a tia Cassandra?
MAGDA: Mami tá bem. Mas ela só sabe gastar o dinheiro do tio Vavá. Ele teve que tomar uma atitude gástrica.
HORTÊNSIA: (rindo) Que atitude?
MAGDA: Ele colocou ela pra trabalhar em casa.
HORTÊNSIA: Ah, sim.
MAGDA: Mas já que é isso que Deus quis pra ela, ela teve que aceitar. Deus escreve esperto por limpas portas.
HORTÊNSIA: Não seria ‘‘Deus escreve certo por linhas tortas’’?
MAGDA: Não. Como que ele vai escrever uma torta? Deve ser um bolo no máximo.
HORTÊNSIA: (segurando o riso) Deve ser né?
MAGDA: E o Lúcio?
HORTÊNSIA: Aquele ali vive com uma desculpa pra ficar fora de casa. Trabalha o dia inteiro e nas folgas sai. Hoje mesmo ele foi no mecânico.
MAGDA: Ele pega o mecânico?
HORTÊNSIA: Claro que não. Isso não é de Deus.
MAGDA: Caco mandou um beijo pra você, tia.
HORTÊNSIA: Ele ia adorar estar aqui agora.
MAGDA: Por quê?
HORTÊNSIA: Tá sentindo esse cheiro insuportável de churrasco?
MAGDA: Sim, estou vendo esse cheiro.
HORTÊNSIA: Então, são uns favelados que vivem fazendo churrasco agora. Daqui a pouco começa a tocar uma música alta e é das piores.
MAGDA: Caco adora falar de pobre.
HORTÊNSIA: Ele tem uma doença igual a mim.
MAGDA: Qual? Preguiça?
HORTÊNSIA: Não. Pobrite. Não suportamos pobre.
MAGDA: Atah.
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CENA 17: APARTAMENTO 706, EDIFÍCIO SANTA FÁTIMA. DIA. INT.
A CAM mostra Vivy e Genival deitados na cama dela. Ela se levanta.
VIVY: Agora vaza, Genival. O Patrick já deve estar chegando.
GENIVAL: Tá bem. Mas depois eu volto.
VIVY: Tô morrendo de fome. Você não sabe cozinhar nada rápido não?
GENIVAL: Eu faço uma farofinha daquelas!
VIVY: O que é farofa?
GENIVAL: Você nunca comeu farofa?
VIVY: Não. Sou rica, querido. Então vá embora que eu me viro.
GENIVAL: Tá.
Genival dá um beijo em Vivy e sai do apartamento.
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CENA 18: APARTAMENTO 202, EDIFÍCIO SANTA FÁTIMA. DIA. INT.
A porta do apartamento está aberta. Márcia e Genival entram ao mesmo tempo.
DIRCE: (vê Márcia entrando) Márcia, fique à vontade!
MÁRCIA: Obrigada, Dirce. O cheiro está ótimo.
DIRCE: Você quer uma farofinha ou uma maionese?
MÁRCIA: Não, obrigada. Quero só uma carninha.
DIRCE: Então vem comigo.
Dirce vai até a varanda e Márcia a segue. Nelsinho cuida das carnes. Genival aproxima-se do irmão.
NELSINHO: Tava trabalhando até agora, Genival?
GENIVAL: Sim. Sabe como é vida de trabalhador né? Ah, desculpa, você não sabe.
NELSINHO: Po, muito engraçado você hein.
O churrasco continua a todo vapor. Nelsinho dá uma pausa.
NELSINHO: Galera, agora queria que vocês prestassem atenção num pedaço da minha nova música.
Nelsinho pega o microfone e liga o aparelho de som.
DIRCE: Oba!
NELSINHO: (cantando no microfone) Vem com o Nelsinho
Ele é gostosinho
Tá te esperando na cama
Todo limpinho
Vem com o Nelsinho
Ele é gostosinho
Ele vai te pegar melhor que seu vizinho
DIRCE: (aplaude) Uhul! Adorei.
GENIVAL: Ah, Nelsinho, a qualidade das suas músicas me impressiona.
MÁRCIA: Que... Criativo!
MULHER 1: Adorei, Nelsinho. Você é mesmo um gostosinho.
NELSINHO: Valeu, gente.
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CENA 19: APARTAMENTO 102, EDIFÍCIO SANTA FÁTIMA. DIA. INT.
Flávio, Sarah e Pedro terminam de almoçar. Os três continuam sentados na mesa.
FLÁVIO: Eu não vou poder ficar por muito tempo aqui em casa.
PEDRO: Por que, pai? Você vive saindo.
FLÁVIO: É o meu emprego, filho.
SARAH: Mas quando você vai voltar, Flávio?
FLÁVIO: Não sei ao certo.
PEDRO: Papai, por que a gente não brinca de futebol?
FLÁVIO: Aqui dentro não dá.
PEDRO: Mas tem a quadra do prédio.
FLÁVIO: Ah, filho, é que/
PEDRO: Só hoje, pai.
FLÁVIO: Eu não gosto muito desse pessoal do prédio. Que tal irmos à praia?! Nós três.
PEDRO: Eba!
SARAH: Vamos então!
FLÁVIO: Vou me arrumar.
Flávio, Sarah e Pedro se levantam e vão aos seus quartos. A imagem acelera e logo depois a CAM mostra eles saindo do apartamento, carregando cadeiras de praia e uma bola.
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CENA 20: APARTAMENTO 1003, EDIFÍCIO SANTA FÁTIMA. DIA. INT.
Bozena está sozinha no apartamento de Márcia. Ela faz uma faxina, e percebe as caixas. A CAM foca nas caixas e um papel colado em cima delas escrito ‘‘Baratas’’.
BOZENA: (para si mesma) Ah, então essas devem ser as baratas pra dona Márcia esvaziar o prédio. Já sei! Eu vou jogar essas baratas aqui e vou meter o pé. Que bom que ela não levou a minha chave extra.
Bozena retira uma chave do seu avental. Ela pega uma das caixas, a abre no quarto de Márcia, e sai do quarto, fechando a sala. Várias baratas saem da caixa e tomam o quarto. Bozena pega sua bolsa, abre a segunda caixa, na sala, sai do apartamento e o tranca pelo lado de fora. Na sala, muitas baratas se espalham pelo cômodo e vão a outros cômodos do apartamento.
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CENA 21: APARTAMENTO 301, EDIFÍCIO SANTA FÁTIMA. DIA. INT.
Hortênsia e sua prima Magda estão sentadas no sofá da sala. Elas assistem a um filme.
HORTÊNSIA: Esse filme é ótimo.
MAGDA: Ah, odeio filme suspensório.
HORTÊNSIA: Suspensório?
MAGDA: É, de estéril.
HORTÊNSIA: Magda, é filme de suspense ou mistério!
MAGDA: Tudo a mesma coisa com o que eu disse, Hortênsia.
HORTÊNSIA: (IRÔNICA) Claro.
A porta se abre. Bozena entra.
BOZENA: Oi dona Hortênsia. Vim fazer a faxina.
HORTÊNSIA: Oi Bozena. Por que só veio essa hora?
BOZENA: Eu nem ia aparecer aqui hoje, mas aí vim pra cá pra não ter que ficar com as baratas.
HORTÊNSIA: A Márcia virou lésbica? Sempre soube que ela não era de Deus/
BOZENA: Não. Ela comprou umas baratas porque ela ia soltar tudo no prédio. Ela queria deixar o prédio vazio praquela francesa construir o shopping, mas ela foi pro churrasco do 202 e eu soltei as baratas e meti o pé.
HORTÊNSIA: Ah, que bom, Bozena. Aquela pouca sombra merece isso e muito mais. Mas quer dizer que ela tá no churrasco dos favelados?
BOZENA: Sim.
HORTÊNSIA: Ah, safada.
MAGDA: (para Hortênsia) Quem é essa?
HORTÊNSIA: Ah, Bozena faz umas faxinas aqui de vez em quando.
MAGDA: Atah.
HORTÊNSIA: Essa Márcia fica dando liberdade pra esses favelados. Ninguém merece ter esses vizinhos.
MAGDA: Como diz aquela frase, melhor um bom vizinho que um amigo com implante.
BOZENA: A frase não é essa não. É ‘‘Melhor um bom vizinho que um amigo distante’’.
MAGDA: Deve ser né?
BOZENA: Lá em Pato Branco eu tive uma vizinha que também trocava as frases e as palavras, mas o problema é que ela era a prefeita da cidade, aí quiseram tirar ela do cargo.
HORTÊNSIA: Iam tirar ela do cargo só por ela falar errado?
BOZENA: Não, isso não tinha nada a ver. É que ela roubava o dinheiro do povo.
HORTÊNSIA: Ah sim.
MAGDA: Hortênsia, preciso ir. Só vim dar uma passadinha aqui. Ainda vou resolver umas coisinhas no Rio, depois tenho que voltar pra São Paulo. Caco daqui a pouco tá me ligando.
HORTÊNSIA: Ah, foi ótimo ter você aqui, Magda. Volte sempre.
MAGDA: Vou voltar sim. Tchau.
Magda levanta-se, abraça Hortênsia e sai do apartamento.
BOZENA: Dona Hortênsia, essa mulher é bem burra, né?
HORTÊNSIA: Verdade, Bozena. Por isso que o Caco, o marido dela, vive falando ‘‘Cala a boca, Magda’’.
Bozena ri e vai ao quarto de Lúcio, com uma vassoura na mão.
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CENA 22:  STOCK SHOTS. ENTARDECER. EXT. ICARAÍ, NITERÓI.
Imagens externas do bairro de Icaraí, em Niterói (RJ). O sol está se pondo e várias pessoas estão pelas ruas, algumas saindo da praia, e outras já em bares e restaurantes.  
SONOPLASTIA: Safe and Sound – Capital Cities
Corta para:

CENA 23: APARTAMENTO 202, EDIFÍCIO SANTA FÁTIMA. NOITE. INT.
O apartamento já está mais vazio. Muitos convidados vão saindo do ambiente. Márcia aproxima-se de Dirce, que está na cozinha.
MÁRCIA: Foi ótimo o churrasco, Dirce. Obrigada por me receber tão bem.
DIRCE: Ah, que bom que gostou. Volte sempre.
MÁRCIA: Tchau. Até qualquer hora.
Márcia sai do apartamento.
Corta para:

CENA 24: APARTAMENTO 1003, EDIFÍCIO SANTA FÁTIMA. NOITE. INT.
Márcia abre a porta de seu apartamento. Ele está repleto de baratas, que estão por todo o lado. Algumas baratas voam e uma pousa no cabelo de Márcia.
MÁRCIA: (gritando) Ahhhhh! Bozenaaaaaa! Você me paga, sua inútil!

FIM DO EPISÓDIO


PARTICIPAÇÕES ESPECIAIS DO EPISÓDIO:

Marisa Orth como Magda
Michel Melamed como Rui

Episódio escrito por:
Vitor Abou


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