quarta-feira, 22 de junho de 2016

Episódio 3: Meia Estrela

EPISÓDIO 3: CADÊ A ÁGUA QUE TAVA AQUI?



CENA 1:  STOCK SHOTS. DIA. EXT. ICARAÍ, NITERÓI.
Imagens externas da orla da praia de Icaraí, em Niterói (RJ). O sol começa a se por e várias pessoas estão pelas ruas. Muitos carros passam pela avenida principal e vários ambulantes vendem água no sinal.
SONOPLASTIA: Bang – Anitta
Corta para:

CENA 2: APARTAMENTO 1003, EDIFÍCIO SANTA FÁTIMA. DIA. INT.
Márcia está próxima à janela. Ela observa a rua e os ambulantes vendendo água.
MÁRCIA: Ah, Bozena, esses favelados agora resolveram invadir até a rua. Antigamente eles invadiam só a praia.
BOZENA: Qual o problema deles venderem a água ali, dona Márcia?
MÁRCIA: Não somos obrigados a ter essa vista horrorosa de pobres.
O telefone fixo toca.
BOZENA: O telefone tá tocando, dona Márcia. Não vai atender não?
MÁRCIA: Você que tem que atender.
BOZENA: Eu não. A casa é sua. (sai da sala)
Márcia aproxima-se do telefone e atende.
MÁRCIA (tel.): Alô?
MULHER (tel.): Alô? Poderia falar com a senhora Márcia?
MÁRCIA (tel.): Eu mesma.
MULHER (tel.): Então, senhora, eu sou da empresa de água da cidade e gostaríamos de avisar que a água do edifício será cortada por alguns dias.
MÁRCIA (tel.): Mas por quê?
MULHER (tel.): Houve um gasto excessivo. Posso ser até mais específica. Foi o apartamento 1003 que mais utilizou a água, principalmente por longos períodos.
MÁRCIA (tel.): Ah, o 1003?
MULHER (tel.): Sim.
MÁRCIA (tel.): Vou conversar com os proprietários. Mas isso será por muito tempo?
MULHER (tel.): Relativamente sim, mas caso o prédio queira água o mais rápido possível é só pagar uma taxa extra de cinco mil reais que iniciamos o serviço normalmente a partir de amanhã.
MÁRCIA (tel.): Entendi. Obrigada.
MULHER (tel.): De nada. Tenha um bom dia.
Márcia desliga.
MÁRCIA: Ah, droga. Aquelas baratas me custaram mais caro que mil reais. A água deve ter acabado pelo tempo que a mangueira ficou ligada pra tirar o cheiro e a imundice daquelas baratinhas. Mas o que eu vou fazer agora? (pensando) Já sei! Vou falar que precisamos de uma taxa extra para pagar algumas reformas no prédio.
Márcia senta-se na mesa, liga seu notebook e começa a mexer nele.
Corta para:
CENA 3: APARTAMENTO 301, EDIFÍCIO SANTA FÁTIMA. DIA. INT.
Hortênsia observando, da janela, a praia. Atrás dela está Lúcio. Ela fecha a cortina.
HORTÊNSIA: Depois que eu falo, ninguém acredita. Mas pode ver: só dá favelado.
LÚCIO: E o que é que a senhora tem com gente da favela, mãe?
HORTÊNSIA: Eu não tenha nada com favelado, graças a Deus. O problema tá justamente neles! Não em mim! Você não vê? Essa gente destoa nosso ambiente, ridiculariza nossa paisagem!
LÚCIO: Seu discurso até seria sensato se nós não estivéssemos morando num prédio caindo aos pedaços. Nós que somos a quebra de paisagem aqui, mamãe!
HORTÊNSIA: Mas isso é outro assunto. Daí já é tudo culpa da pouca sombra da síndica, cujo nome não quero nem falar. Quantas vezes eu já não tentei combinar com essa cambada toda pra gente descer o pau na miniatura? Várias! Você que nunca deixou.
LÚCIO: Mamãe, essa baixinha é toda marrenta. Depois ela te processa e a gente vai ficar ferrado.
HORTÊNSIA: Pelo menos ficarei melhor, por ter metido porrada nela.
LÚCIO: Seja mais calma, mãe. Nada de violência.
HORTÊNSIA: Ah, esse seu discursinho de paz me irrita, Lúcio. Vou beber um pouco.
LÚCIO: Mas já?
HORTÊNSIA: Já nada, eu diria: ‘‘só agora?’’. Hoje tô comportada, filho. Ainda nem encostei na cachaça.
LÚCIO: Que bom!
Hortênsia pega a garrafa de cachaça.
Corta para:

CENA 4: APARTAMENTO 706, EDIFÍCIO SANTA FÁTIMA. DIA. INT.
Vivy e Patrick estão dentro do box do banheiro tomando banho. Os dois trocam beijos. A CAM mostra os dois, de forma distante, sem que eles apareçam nus.
VIVY: Ah, que banho gostoso, hein, Patrick!
PATRICK: Nem te falo!
A água do chuveiro começa a cair mais devagar, e aos poucos, para de cair.
PATRICK: Você desligou o chuveiro, Vivy?
VIVY: Eu não, Patrick. Não foi você não?
PATRICK: Não.
VIVY: Será que a água acabou?
PATRICK: Esse Genival deve ter quebrado nosso chuveiro. Sempre achei ele com uma cara de trambiqueiro.
VIVY: Acho que não, Patrick. Pode ser algum problema no condomínio.
PATRICK: É, pode ser. Vamos ver.
Patrick pega a toalha que está pendurada, se enrola nela e sai do banheiro.
Corta para:

CENA 5: APARTAMENTO 102, EDIFÍCIO SANTA FÁTIMA. DIA. INT.
Sarah e Pedro na sala do apartamento.
SARAH: Filho, já fez sua tarefa de casa?
PEDRO: Já. Mamãe, a água da pia do banheiro acabou?
SARAH: Como assim, meu amor?
PEDRO: Não tá saindo água de lá.
SARAH: Ah, será que é o cano?
Eles vão ao banheiro.
NO BANHEIRO...
Sarah gira a torneira da pia. Não sai água.
SARAH: Ih, é mesmo. Não tá saindo água. Vamos ver no chuveiro.
Sarah abre a torneira do chuveiro e não sai água.
SARAH: Ah, meu Deus! Será que o Rio tá em outra crise hídrica?
PEDRO: Liga pra síndica, mamãe, e pergunta.
SARAH: Ótimo, filhote.
Sarah pega seu telefone.
Dividir tela com:

CENA 6: APARTAMENTO 1003, EDIFÍCIO SANTA FÁTIMA. DIA. INT.
De um lado está Sarah, e do outro, é o apartamento 1003, de Márcia. Márcia está sentada numa poltrona da sala.
MÁRCIA (tel.): Oi. Quem é?
SARAH (tel.): Oi, Márcia. Sou eu, Sarah, do 102.
MÁRCIA (tel.): O que aconteceu?
SARAH (tel.): A água do condomínio acabou?
MÁRCIA (tel.): Não tô sabendo de nada não.
SARAH (tel.): Então abre sua torneira e veja.
MÁRCIA (tel.): Está normal. Deve ser algum problema no seu apartamento. Isso que dá ser mão de vaca e não trocar os canos. Ah, querida, enviei um email agora pouco solicitando o pagamento da taxa extra.
SARAH (tel.): Referente a...
MÁRCIA (tel.): Reformas no prédio.
SARAH (tel.): Você vai pagar um serviço de reforma? Sempre disse que não tínhamos motivo pra fazer isso.
MÁRCIA (tel.): Mas mudei de ideia.
SARAH (tel.): Até quando temos que pagar?
MÁRCIA (tel.): Entre no email e verá. Agora tenho mais coisa pra fazer. Tchau.
Márcia desliga.
Volta para:

CENA 7: APARTAMENTO 102, EDIFÍCIO SANTA FÁTIMA. DIA. INT.
Sarah mexe em seu telefone.
SARAH (surpresa): Aquela pintora de rodapé acha que pode colocar a gente pra pagar mil reais em menos de dois dias? Ah, tá muito enganada.
PEDRO: O que aconteceu, mamãe?
SARAH: A Márcia, aquela meia porção, obrigou todos moradores a pagarem até depois de amanhã mil reais pra reforma do prédio. Cretina! Vou lá na dona Hortênsia, do 301. Ela é barraqueira e não deve estar sabendo disso. Fica quietinho aqui, filho.
PEDRO: Tá bom, mamãe.
Sarah dá um beijo na testa de Pedro, e sai.
Corta para:

CENA 8: APARTAMENTO 202, EDIFÍCIO SANTA FÁTIMA. DIA. INT.
Genival, Dirce e Nelsinho estão na sala da casa, no sofá. Nelsinho levanta-se.
NELSINHO: Mãe, acabei minha nova música.
DIRCE: Que legal, filho. Canta aí!
GENIVAL: Por favor, não canta, Nelsinho. Não faz a gente passar por isso agora. Tô mega cansado.
DIRCE: Para de bobeira, Genival! Seu irmão tá trabalhando e quer mostrar o resultado. Mostra aí, filhote.
NELSINHO: Tá bom. Se preparem! O nome da música é ‘‘Chuva de Chandom’’.
GENIVAL: Ah, senhor!
NELSINHO (cantando): Vai
Chama o Nelsinho
Bem devagarzinho
Ele é tudo de bom
Vai
Morro do Cavalão

Nelsinho tava numa boa
Batendo um lero com a coroa
Foi quando chegou uma novinha
Toda assanhadinha
Querendo chuva de chandom
Vai
Pras novinhas, sem caô
Nelsinho botando terror
Vai
Vem que é chuva de chandom
Vai
Que tu gama no meu som
Vai

Novinha no fluxo, querendo uma farra
Vou pegar o chandom, então tu te prepara
Porque
Na chuva de chandom
Fazendo um amor bom
Vai
Aqui tu vai gamar
Sei que tu vai gostar
Vai
Vai
Chuva de chandom
DIRCE (aplaudindo de pé): Ah, adorei, filho.
GENIVAL: Que porcaria!
DIRCE: Genival, se continuar, vou te expulsar daqui. Não liga pra ele não, Nelsinho. Essa música é um hit. Vai ganhar até o Oscar.
GENIVAL: (rindo) Que Oscar, mãe? Oscar é pra cinema!
NELSINHO: O prêmio da música é o Grammy, mãe.
DIRCE: Ah, isso mesmo. Vai ganhar um dia. Tô tão orgulhosa.
GENIVAL: Orgulhosa de o seu filho ser um funkeiro de quinta?
DIRCE: Não. Orgulhoso de ele não ser um encostado, que ganha uma merreca como encanador.
NELSINHO: Ui, doeu em mim essa.
GENIVAL: Vou lá na casa da dona Vivy terminar a obra. Tchau.
Genival sai.
NELSINHO: (rindo) Ih, Genival ficou irritadinho.
DIRCE: Obra essa hora? Esse Genival tá muito tarado com essa Vivy...
Corta para:

CENA 9: APARTAMENTO 301, EDIFÍCIO SANTA FÁTIMA. DIA. INT.
Hortênsia e Lúcio no apartamento. Ele come um sanduíche, enquanto ela lê uma revista de fofoca. A campainha toca.
HORTÊNSIA: Deixa que eu atendo.
Hortênsia levanta-se e abre a porta. Lá está Sarah.
HORTÊNSIA: Oi. Você é a...
SARAH: Sarah.
HORTÊNSIA: Oi, querida. O que aconteceu? Apertou a campainha errada?
SARAH: Não. Eu vim falar com a senhora. Posso?
HORTÊNSIA: Claro. Entre.
Sarah entra, e Hortênsia fecha a porta.
LÚCIO: Oi, prazer, Lúcio.
SARAH: Oi, Sarah.
HORTÊNSIA: Então, querida, diga.
SARAH: Bem, não sei se vocês sabem, mas a Márcia está cobrando uma taxa de mil reais até depois de amanhã para uma reforma no prédio.
HORTÊNSIA: Mil reais? Essa metade de espermatozóide tá achando que dinheiro cai do céu? Se quiser, ela até pode jogar dinheiro da cobertura dela que vai cair aqui na nossa varanda.
LÚCIO: Que reforma é essa?
SARAH: Eu também não tava sabendo de nada. Eu liguei pra ela porque no meu apartamento estamos sem água, e ela disse que deve ser só no meu, porque no dela tá normal. Aí, aproveitando, ela avisou que tinha mandado esse email de cobrança.
Lúcio abre a torneira da pia. Não sai água.
LÚCIO: Ih, estamos sem água também.
HORTÊNSIA: Vamos no apartamento dela agora! Só saio de lá quando ela explicar direitinho isso. Essa taxa deve ser pra água e ela está nos enganando.
SARAH: Verdade. Ela deve estar fazendo isso mesmo.
HORTÊNSIA: Vamos lá! Lúcio, pega o taco de baseball.
LÚCIO: Pra quê, mãe?
HORTÊNSIA: Vai que a gente precise usar...
LÚCIO: Você quer bater na Márcia, mãe?
HORTÊNSIA: Se for necessário...
LÚCIO: Então nem vou pegar.
HORTÊNSIA: Tudo bem. Vou levar isso aqui então.
Hortênsia pega um facão em cima da pia.
HORTÊNSIA: Bora, Sarah.
LÚCIO: Volta aqui com isso aí, mamãe.
Hortênsia e Sarah correm e saem do apartamento. Lúcio vai atrás.
Corta para:

CENA 10: APARTAMENTO 706, EDIFÍCIO SANTA FÁTIMA. NOITE. INT.
A campainha toca. Patrick vai abrir a porta. É Genival, do outro lado. Ele abre a porta.
PATRICK: Oi, Genival. Como vai?
GENIVAL: Oi, eu vim saber como ficou o serviço.
PATRICK: Bem, Genival, íamos te ligar agora mesmo.
GENIVAL: Por quê?
PATRICK: Não tá saindo água do chuveiro. Vê se você sabe o que é o problema.
Genival entra no apartamento, e Patrick fecha a porta. Vivy está em cima da cama de lingerir.
VIVY: Oi, Genival. Tudo bom?
GENIVAL: Sim, dona Vivy.
Os três vão ao banheiro.
NO BANHEIRO...
Genival abre a torneira do chuveiro e não sai água.
GENIVAL: Ih. Deixa eu ver a pia.
Genival gira a torneira da pia e não sai água.
GENIVAL: Ih. Então o problema é falta d’água.
VIVY: Ah, estamos sem água. Socorro! Patrick, liga pra Cruz Vermelha, pro Médico sem fronteiras ou pro Papa, porque a gente precisa de água. Amanhã eu tenho aquela festa.
PATRICK: Fique calma, Vivy. Vamos lá no apartamento da síndica ver isso com ela.
GENIVAL: Por que vocês não ligam?
PATRICK: A operadora já cortou o nosso plano e a Márcia tirou nosso interfone porque não pagamos.
GENIVAL: Ah, então eu vou com vocês.
VIVY: Ah, vou me vestir então.
PATRICK: Não, Vivy. Só coloca um sobretudo. Você demora muito.
VIVY: Tá bom.
Vivy veste seu sobretudo preto. Os três saem do apartamento.
Corta para:

CENA 11: APARTAMENTO 510, EDIFÍCIO SANTA FÁTIMA. NOITE. INT.
Neide está no apartamento com Guta e Léo.
NEIDE: Crianças, venham jantar!
GUTA: Tem batata frita, vó?
NEIDE: Não. Batata frita não faz bem pra saúde. Hoje temos sopa de aspargos com espinafre.
LÉO: A mamãe vai demorar muito, vó?
NEIDE: A mãe de vocês teve que ficar um tempo a mais no trabalho. Vamos jantar sem ela. Depois ela come alguma coisa.
GUTA: Vó, eu não gosto de sopa de aspargo e espinafre.
NEIDE: Que pena! Esse é o jantar de hoje.
Neide, Guta e Léo sentam-se à mesa de jantar. Neide serve os netos.
Corta para:

CENA 12: APARTAMENTO 1003, EDIFÍCIO SANTA FÁTIMA. NOITE. INT.
Bozena na cozinha, limpando. Márcia na sala, vendo TV.
BOZENA: Dona Márcia!
MÁRCIA: Não está vendo que eu estou ocupada, Bozena?
BOZENA: Ah, dona Márcia, é importante.
MÁRCIA: O que foi?
BOZENA: É que vendo a senhora assim, vendo TV, me lembrou de uma comadre minha lá de Pato Branco. O nome dela era Darcy Maria. Ela era meio gordinha, que nem a senhora, e ela ficava o dia inteiro vendo televisão, aí um dia a bunda dela grudou no sofá.
MÁRCIA: Ah? A bunda colou?
BOZENA: É.
MÁRCIA: Mas a bunda colou por ela ficar vendo TV toda hora?
BOZENA: Não, porque o neto dela colocou cola universal no sofá mesmo.
MÁRCIA: Ah, Bozena, não sei como me prendo aos seus delírios psicóticos. Vai se catar, vai!
BOZENA: Cavala! Não é porque eu sou empregada que tenho que ser mal tratada, viu?
MÁRCIA: Ah, Bozena. Não enche meu saco.
BOZENA: A senhora é trans, dona Márcia?
MÁRCIA: Tchau, Bozena.
Márcia vai ao seu quarto e fecha a porta com força.
BOZENA: Meu Deus, que agressiva!
A campainha toca. Bozena abre a porta. Do lado de fora estão Vivy, Genival e Patrick. Sarah, Lúcio e Hortênsia chegam.
BOZENA: Que isso aqui? Arrastão?
SARAH: Nada disso, Bozena. Mas vamos invadir!
Todos entram no apartamento.
BOZENA: (gritando) Dona Márcia, se prepara!
Todos invadem o quarto de invadem.
NO QUARTO DE MÁRCIA...
Márcia levanta-se da cama.
MÁRCIA: Que palhaçada é essa aqui?
SARAH: Viemos tirar umas satisfações com você, pintora de rodapé.
MÁRCIA: Saiam daqui já!
PATRICK: Só vamos sair quando você esclarecer essa palhaçada.
HORTÊNSIA: Verdade, gostosão! Essa anã de jardim tá achando que pode colocar taxa extra sem avisar a gente e ainda quer que a gente pague em tempo recorde. Muito engrado isso!
VIVY: Cota extra? Não tava sabendo disso.
MÁRCIA: Então o que você tá fazendo aqui, siliconada?
VIVY: Siliconada é sua mãe! Eu vim aqui porque estou sem água e quero uma justificativa plausível.
SARAH: Ah, então não somos as únicas, Hortênsia.
HORTÊNSIA: Não mesmo. E aí, Márcia?
MÁRCIA: E aí o que?
HORTÊNSIA: Qual sua justificativa pra falta de água?
MÁRCIA: Já disse que vocês não trocam seus canos. Eu estou com bastante água.
BOZENA: Mentira! Tá sem água aqui também. Nem pude lavar esse chiqueiro.
MÁRCIA: Bozena!
BOZENA: Que foi? Só falei a verdade.
MÁRCIA: Safada!
BOZENA: Cavala!
HORTÊNSIA: Vamos continuar, por favor?
VIVY: Sim.
MÁRCIA: Não sei o motivo dessa falta de água, Hortênsia.
HORTÊNSIA: Não sabe ou não quer falar? Faço você falar em dois segundos. (tira o facão do bolso e aponta para Márcia)
LÚCIO: Mamãe, controle-se!
MÁRCIA: Larga esse facão, sua louca!
HORTÊNSIA: Não me chama de louca que eu enfio ela no seu peito.
BOZENA: Igual aquele livro, né? Omelete, daquele Shakes.
SARAH: (rindo alto) Bozena, primeiro: o livro que tem a cena da facada é Romeu e Julieta, segundo: o outro que você tentou falar é Hamlet, e terceiro: é Shakespeare.
HORTÊNSIA: Ah, pobres...
PATRICK: Não vamos fugir do assunto não. Nos diga, dona Márcia, o que aconteceu com a água.
Lúcio sai do quarto, discretamente, sem ser percebido.
MÁRCIA: Não sei. Como viram, só fiquei sabendo dessa falta agora.
SARAH: Não é o que o seu histórico de ligações do celular indica. Aqui tá escrito que a companhia de água te ligou hoje. (mostra o celular de Márcia)
MÁRCIA: Passa isso pra cá! Que abuso! (pega seu celular)
HORTÊNSIA: Então, anã, por que eles te ligaram?
MÁRCIA: Avisaram do racionamento de água a partir de amanhã, mas devem ter antecipado.
GENIVAL: Dona Márcia, tu tá se enrolando toda nas mentiras. Fala a verdade logo.
Corta para:

CENA 12: APARTAMENTO 510, EDIFÍCIO SANTA FÁTIMA. NOITE. INT.
Guta e Léo estão sentados nas cadeiras da mesa. Neide está em pé.
NEIDE: Vamos, crianças, comam a sopa!
GUTA: Mas a gente não gosta de aspargo e espinafre.
LÉO: Vovó, não tem biscoito não?
NEIDE: Não!
LÉO: E bolo?
NEIDE: Léo, eu não sou aquele tipo de vó desocupada que só sabe cozinhar e fazer tudo pros netos. Sou uma mulher ocupada.
GUTA: Você fica o dia inteiro deitada, vó.
NEIDE: Que mentira! Coma, Guta!
GUTA: Não quero.
NEIDE: Então tá bom. Vão dormir então.
LÉO: Mas a gente tá com fome.
NEIDE: Comam a sopa, oras! (começa a se estressar)
GUTA: Ah, vó! (se joga no chão, se mexendo)
NEIDE: O que é isso, garota? A dança da lacraia ou é o rabo de uma lagartixa quando cortam?
LÉO: (rindo) É a dança da lacraixa.
NEIDE: Ah, meu Deus. Larissa, minha filha, nunca mais vou aceitar ficar com esses dois aqui!
Corta para:

CENA 13: APARTAMENTO 202, EDIFÍCIO SANTA FÁTIMA. NOITE. INT.
Dirce está sentada no sofá. Nelsinho está sentado no chão.
NELSINHO: Po, Genival tá demorando hein, mãe?
DIRCE: Verdade, filho. Esse seu irmão deve estar se pegando com essa Vivy.
NELSINHO: Mas ela tem um namorado.
DIRCE: Ah, não criei meu filho pra ir pra uma cama que tem outro homem.
NELSINHO: (rindo) Esse Genival...
DIRCE: Nelsinho, o que é isso aqui no meu celular? (mostra o celular para Nelsinho)
NELSINHO: É um email. Clica aí, mãe.
DIRCE: (mexendo no celular) É da Márcia.
NELSINHO: O que foi dessa vez?
DIRCE: Não acredito! Safada!
NELSINHO: O que ela fez?
DIRCE: Colocou taxa extra pra pagarmos até depois de amanhã, para reforma do prédio.
NELSINHO: Vamos lá no apartamento dela, mãe?
DIRCE: Bora!
Eles se levantam e saem do apartamento.
Corta para:

 CENA 14: APARTAMENTO 1003, EDIFÍCIO SANTA FÁTIMA. NOITE. INT.
MÁRCIA: Ô, Genival, seu favelado, essa é a verdade ué.
VIVY: Respeito com o Genival, Márcia.
MÁRCIA: Não tenho mais o que falar sobre isso da água. Agora já podem ir?
SARAH: Não. Queremos por que você resolveu fazer a reforma da área externa da noite pro dia, já que você sempre disse que não precisávamos disso aqui no Meia Estrela.
MÁRCIA: Como falei pelo telefone com você, Sarah, mudei de ideia. Nosso prédio está caindo aos pedaços.
HORTÊNSIA: Só agora que você percebeu isso, Márcia? Ah, me poupe!
VIVY: Mas por que temos que pagar em tão pouco tempo?
MÁRCIA: A construtora exigiu esse período.
SARAH: Ah, isso não tá me cheirando coisa boa não.
BOZENA: Ah, mas não tem nada queimando aqui, dona Sarah. Será que o pano que eu usei pra limpar tava fedido?
HORTÊNSIA: Bozena, fica quieta, por favor. É melhor.
Nelsinho e Dirce entram no quarto de Márcia.
MÁRCIA: Agora chegou o morro de vez.
HORTÊNSIA: Ah, senhor, o que esses favelados tão fazendo aqui?
NELSINHO: Viemos saber sobre essa taxa extra pra reforma.
DIRCE: Explica direito que palhaçada é essa, Márcia.
MÁRCIA: Aff. Já falei, praga! O prédio precisa de uma reforma.
DIRCE: Mas por que temos que pagar até depois de amanhã?
MÁRCIA: Porque eu sou a síndica e mando, caramba!
HORTÊNSIA: Ih, fala direito com a gente, sua indigente! Vou ter que usar esse facão?
MÁRCIA: Abaixo isso, Hortênsia, sua alcoólatra.
HORTÊNSIA: Abaixa você essa sua marra aí, meio metro.
Corta para:

CENA 15: APARTAMENTO 510, EDIFÍCIO SANTA FÁTIMA. NOITE. INT.
Larissa entra no apartamento. Neide está sozinha na sala.
LARISSA: Oi, mãe. Cadê as crianças?
NEIDE: Foram dormir.
LARISSA: O que vocês comeram?
NEIDE: Sopa de aspargo e espinafre.
LARISSA: Eles detestam. Eles ficaram sem comer?
NEIDE: Não. Eu falei que só poderiam comer isso, aí comeram e foram dormir.
Larissa vai ao quarto dos filhos.
NO QUARTO...
Guta e Léo comendo um pacote de biscoito salgado. Larissa entra.
LARISSA: Oi, amores. Vocês não tinham comido a sopa?
GUTA: Aquilo tava péssimo. Botamos pra fora!
LARISSA: Ah, me deem um pouquinho desse biscoito também.
Corta para:

CENA 15: APARTAMENTO 1003, EDIFÍCIO SANTA FÁTIMA. NOITE. INT.
Lúcio volta ao quarto.
LÚCIO: Márcia, sua mentirosa!
MÁRCIA: O que foi, médico falidão?
LÚCIO: Liguei pra companhia de água e eles disseram que ligaram avisando que o apartamento 1003 tinha gastado muita água e, por isso, o prédio estaria sem água.
HORTÊNSIA: Boa, filho! Desmascarou essa pilantra.
SARAH: Safada! Então a taxa extra foi pra gente pagar o que ela gastou com a água a mais.
DIRCE: Que cadela!
BOZENA: Cavala!
Márcia corre.
HORTÊNSIA: Vou tacar a faca se você correr, Márcia.
Márcia tropeça em um chinelo que está no chão e cai. Hortênsia dá um tapa na cara dela.
HORTÊNSIA: Isso é pelo Meia Estrela todo, sua engraçadinha!
Todos saem do apartamento, inclusive Bozena. Márcia fica sozinha, caída no chão.

FIM DO EPISÓDIO

Episódio escrito por:
Vitor Abou

Colaboração:

Vinicius Borges

Nenhum comentário:

Postar um comentário