segunda-feira, 12 de setembro de 2016

Episódio 7: Meia Estrela

EPISÓDIO 7: QUARENTENA – PARTE 1

CENA 01: STOCK SHOTS. DIA. EXT. PRAIA DE COPACABANA / ICARAÍ.
O sol está forte. A CAM sobrevoa a praia de Copacabana (Rio de Janeiro) até a praia de Icaraí (Niterói), separadas apenas pela Baía de Guanabara. Em Icaraí, há várias pessoas, se banhando e praticando esportes na areia.
SONOPLASTIA: Cheap Thrills – Sia
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CENA 02: APARTAMENTO 102, EDIFÍCIO SANTA FÁTIMA. DIA. INT.
Pedro assistindo televisão na sala. Sarah tomando café da manhã, Flávio espirrando.
Sonoplastia cessa.
SARAH – Mas você tem mesmo que viajar agora, meu amor? Logo hoje que você amanheceu com essa gripe horrorosa!
FLÁVIO – É uma viagem inadiável, meu bem, não dá pra deixar de ir. E eu só tô resfriado, não é nada importante.
SARAH – Pois eu não gosto nada da ideia de você sair por aí desse jeito. Mas tudo bem, você é mesmo cabeça dura!
 Flávio espirra. Vai beijar Sarah, que afasta.
SARAH– Nada pessoal. Mantenha seus vírus longe de mim, benzinho.
 Flávio ri. Manda um beijo pra ela, com as mãos. Vai até o filho, na sala.
PEDRO – Você vai embora de novo, papai?
FLÁVIO – Hey! Eu não vou embora, só vou dar uma volta. Trabalhando, entende? Mas eu volto logo. Bate aqui, filhão!
 Eles se cumprimentam. Flávio sai do apartamento. Sarah meio preocupada.
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CENA 03: APARTAMENTO 1003, EDIFÍCIO SANTA FÁTIMA. DIA. INT.
SONOPLASTIA: Tim Tim – Wesley Safadão
Bozena animada, limpando a sala. O som alto, toca Wesley Safadão. Márcia sai do quarto, semblante fechado, vai até a estante e desliga o aparelho.
Sonoplastia cessa.
BOZENA– Mas é mesmo uma cavala! Não vê que eu tava ouvindo a música, daí?
Márcia começa a falar, mas voz nenhuma sai de sua boca. Ela põe a mão na garganta, tenta dizer algo, mas não consegue.
BOZENA– Que foi? É brincadeira do silêncio, é?
Márcia vai até Bozena. Gesticula, aponta para a garganta e faz sinal de negativo.
BOZENA – A senhora tá sem voz? É isso?
Márcia assente. Ambas vão até o sofá. Márcia espirra.
BOZENA– Ih, dona Márcia, já vi que a senhora voltou com um daqueles resfriados bravos. E dessa vez a coisa é séria, ficou até sem voz, daí!
Márcia concorda, abatida. Começa a tentar murmurar algo, mas não diz nada.
BOZENA – E agora, como é que a senhora vai fazer pra se comunicar com os outros moradores?
Ambas refletem por um momento.
BOZENA – Já sei! A senhora podia escrever cartas, daí!
Márcia concorda. Pega um papel e uma caneta do armário da sala e começa a escrever. No fim entrega pra Bozena.
BOZENA – (lendo) Telefone para o médico, sua imbecil. Mas nem doente a senhora deixa de ser uma cavala, dona Márcia?
Márcia ameaça berrar, mas não consegue. Bozena ri e pega o telefone.
BOZENA – (tel.) Alô? Doutor Pacheco Prado? É a Bozena, escrava... Funcionaria da Márcia. É, a anã.
Márcia fulmina Bozena com o olhar, mas a mesma ignora.
BOZENA– (tel.) Nós precisamos do senhor aqui no Santa Fátima, com urgência. Sim senhor. Obrigado.
Bozena desliga o aparelho.
BOZENA – Doutor Pacheco Prado está a caminho, dona Marcia!
Márcia sorri.
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CENA 04: APARTAMENTO 510, EDIFÍCIO SANTA FÁTIMA. DIA, INT.
Neide deitava no sofá, assistindo. Larissa varrendo o chão, Guta e Leo correndo pelo ambiente. Eles passam em frente a televisão.
NEIDE – Será que vocês não podem deixar essa velha cansada pelo menos um minuto em paz, cacete?
LARISSA - Mãe! Olha a boca perto das crianças, por favor.
NEIDE - Eu preciso de sossego e tranquilidade, minha filha! Ou a minha doença vai me consumir como um palito de fósforo aceso.
LARISSA - No drama a senhora já é campeã.
Neide faz careta. Começa a aumentar o volume da televisão. Foco no aparelho: um repórter com máscara sanitária fala em frente à um hospital.
REPÓRTER - (v.o.) E quando os cientistas do mundo todo se tranquilizavam pela trégua da epidemia do vírus ebola, uma triste noticia volta a preocupar: a doença voltou a tona, dessa vez em todo o território africano, e já tem alguns novos casos registrados em países como Estados Unidos, Alemanha e México. A recomendação da Organização Mundial da Saúde é de que pessoas vindas desses lugares, principalmente da África, sejam postas imediatamente em quarentena, evitando contato com familiares e qualquer tipo de multidão.
Larissa derruba a vassoura, desesperada. Neide estranha.
NEIDE - Que foi, minha filha? Algum problema?
LARISSA - Todo problema, mamãe! O Flávio vem hoje da África, já tá chegando! E se ele pegou essa doença? Ai, meu Deus do céu!
Neide ri.
NEIDE - Não esquenta, Larissa, teu marido tem saúde de ferro. Nada acontece com ele!
Flávio entra, espirrando muito.
FLÁVIO - Surpresa!
GUTA - Papai!
As crianças vão abraçar Flávio, mas Larissa grita e impede. Flávio assustado.
LARISSA - Você tá espirrando, Flávio!
FLÁVIO - Ah, isso é só uma gripe, meu amor.
LARISSA - Você veio da África, Flávio! Tá tendo epidemia de ebola lá! E se você contagiar a gente?
Neide levanta rápido, fica atrás de Larissa.
NEIDE - Isso mesmo! É melhor prevenir do que remediar. Venham, crianças!
As crianças obedecem, cabisbaixas.
FLÁVIO - Mas isso é totalmente desnecessário! É impossível que eu esteja com ebola.
LARISSA - Você não estava na África, meu amor?
FLÁVIO - Eu... Eu tava, claro que eu tava. Eu tava sim. Na África.
NEIDE - Então, oras. O continente tá numa baita epidemia da doença! Passou na TV agorinha. Você vai ter que ficar em quarentena!
Larissa começa a chorar.
LARISSA - Eu não quero ficar viúva!
Flávio vai até ela, a abraça.
FLÁVIO - Você não vai ficar viúva, meu amor. Eu tô ótimo.
Larissa amolecendo. Percebe que está nos braços dele, grita e corre pro outro lado da sala. Neide e as crianças seguem.
LARISSA - Não chega perto de ninguém! Eu vou falar com a dona Márcia, ela vai dar um jeito.
Larissa começa a discar.
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CENA 05: APARTAMENTO 1003, EDIFÍCIO SANTA FÁTIMA. DIA, INT.
Márcia sentada no sofá, sendo examinada pelo médico. Bozena de pé, acompanhando tudo. O telefone toca, ela vai atender.
BOZENA - (tel.) Alô? É a Bozena, daí. A dona Márcia não pode falar no momento. Ela tá gripada, daí. O seu marido também? Entendi. Olha, eu vou ver aqui o que ela quer que eu faça, e depois eu retorno pra senhora, pode ser? Tudo bem, daí, até mais.
Bozena desliga.
BOZENA - E aí, doutor? Ela vai poder voltar a falar?
DOUTOR PACHECO– Jamais, Bozena, jamais!
Márciae Bozena reagem, chocadas. O médico ri.
DOUTOR - Quer dizer, ela vai, mas vai demorar.
BOZENA - Demorar quanto, daí?
DOUTOR PACHECO - Demorar bastante. Dona Márcia, ouça bem: se a senhora fizer qualquer esforço em suas cordas vocais, elas vão explodir como um saco de carne moída podre!
Márcia com os olhos arregalados, aterrorizada. Põe a mão na garganta.
DOUTOR PACHECO - (grita) Não, não encosta!
Ela tira a mão, desesperada.
DOUTOR PACHECO - Pra sua completa recuperação é bom que você fique imóvel. Não mexa sequer um músculo, estamos entendidos?
Márcia assente.
BOZENA - Mas doutor, e as questões do prédio? A dona Márcia precisa/
O médico se aproxima de Bozena. Põe o dedo em seus lábios, pedindo silêncio. Bozena com os olhos arregalados.
DOUTOR PACHECO - Um saco de carne moída podre explodindo. Vai ser assim se ela falar.
BOZENA - Isso me lembra um causo lá de Pato Branco, daí.
DOUTOR PACHECO - Pato Branco? Que diabo é isso?
BOZENA - Uma cidade, ignorante!
Márcia faz cara feia. Bozena continua.
BOZENA - Tinha em Pato Branco uma dona muito faladeira, de nome Sarita Blablabla. A mulher falava pelos cotovelos, daí! Tinha reputação de mulher mais conversadeira da cidade. Até que um dia a pobrezinha sofreu um assalto e reagiu. O assaltante, muito irritado e não aguentando mais a voz de Sarita, enganou a infeliz.
DOUTOR PACHECO - Nossa! Coitada.
Bozena ri.
BOZENA - Coitada nada. Ela bem que merecia. Enfim, o assaltante era tão forte que deixou Sarita sem voz. Arrebentou as cordas vocais da pobre. Ela, que tanto gostava de falar, havia ficado muda!
DOUTOR PACHECO - Que fatalidade.
BOZENA - E ela passou os dias triste e infeliz, se lamentando pelos cantos de Pato Branco. Ela até criou um ditado popular pra isso, daí.
DOUTOR PACHECO - E qual é?
BOZENA - Eu não sei, ela nunca falou.
Márcia levanta, furiosa, e começa a esbravejar (muda).
BOZENA – Sua bruta! Deixa eu contar minha história, daí.
DOUTOR PACHECO - Eu acho melhor não, Bozena. Eu tenho mais pacientes pra atender.
BOZENA – Mas e a dona Márcia? E o prédio?
DOUTOR PACHECO - Bozena, até a recuperação da dona Márcia você está responsável pelo edifício Santa Fátima.
Márcia vai protestar, mas desiste. Bozena surpresa.
BOZENA - Eu sou tipo a sindica substituta, doutor?
DOUTOR PACHECO - Exatamente.
BOZENA - Bem, então eu acho bom a gente ir rápido no apartamento da dona Larissa. O senhor me acompanha? Parece que o esposo dela tá bem doente, daí.
DOUTOR PACHECO - Claro, claro.
 Os dois saem, deixando Márcia sozinha, com o olhar triste.
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CENA 06: APARTAMENTO 301, EDIFÍCIO SANTA FÁTIMA. DIA. INT.
Hortênsia orando na sala. Lúcio entra com umas sacolas.
HORTÊNSIA - Lúcio, meu bebê!
LÚCIO - Já acordada, mãe?
HORTÊNSIA - Mas é claro. Uma mulher devota acorda cedo pra louvar a Deus.
LÚCIO - Claro. Vejo que a senhora tá num dia bom. Nada de bebidas, certo?
HORTÊNSIA - Tá amarrado. Mas e aí, filhote, conseguiu alguma coisa?
LÚCIO - Eu marquei uma entrevista num postinho ali no Cavalão daqui a pouco, mãe. Se tudo der certo, eu arrumo um emprego.
Hortênsia descontente. Lúcio nota.
LÚCIO - Que foi? Não tá feliz por mim?
HORTÊNSIA - Postinho no Morro do Cavalão, meu filho? Você merece mais que isso.
LÚCIO - Eu vou agradecer se conseguir esse emprego, mãe. Pra quem não tem nada tá ótimo.
HORTÊNSIA - É. Mas eu não me contento ao ver meu lorde tratando criança catarrenta em troco de migalhas.
Lúcio ri. Beija ela na testa.
LÚCIO - Bem, eu já tô indo, mãe. Vê se se comporta, ok?
HORTÊNSIA - Sou uma mulher santa.
Lúcio sai. Hortênsia vai até a estante, tira uns livros de lá, e atrás está uma garrafa de vodka. Hortênsia sorri.
HORTÊNSIA - Essa é pra comemorar. Só hoje!
Vai beber, mas antes espirra.
HORTÊNSIA - Acho que vai me dar gripe. Que se dane!
Hortênsia começa a beber.
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CENA 07: APARTAMENTO 510, EDIFÍCIO SANTA FÁTIMA. DIA, INT.
Larissa, Neide, Léo e Guta de um lado do apartamento. Flávio do outro, irritado.
FLÁVIO - Isso é loucura.
LARISSA - Precaução, bebê. Não dá pra saber que você não tá infectado.
FLÁVIO - Eu não tô!
LARISSA - Meu amor, você esteve na África! É claro que existe a chance de você estar infectado.
NEIDE - Santo Deus. Perder um genro pra uma doença tão nefasta.
Larissa começa a chorar. Neide consola.
NEIDE - Calma, minha filha. Você é jovem. Arruma outro.
FLÁVIO - Ei! Eu ainda tô vivo!
Flávio espirra.
NEIDE - Por enquanto, né?
Neide vai rir, mas também espirra. Larissa agarra Guta e Léo e sai de perto.
LARISSA - Infectou a mamãe! Eu tô viúva e órfã!
NEIDE - Calma lá! É só um espirro.
LARISSA - Primeiro um espirro. Depois todos os outros sintomas, e quando você vê tem sangue saindo pelas suas extremidades.
NEIDE - Sangue?
FLÁVIO - Extremidades?
LARISSA - Meu Deus! É uma tragédia! Mamãe, vá com o Flávio. Você está do lado dos infectados.
NEIDE - Isso é um insulto, Larissa! Eu tô saudável!
LARISSA - Saudável? A senhora vive doente pelos cantos. Isso é só mais um agravante.
Neide sem graça. Concorda, vai com Flávio. Bozena e doutor Pacheco entram. Larissa abraça a empregada.
LARISSA - Bozena, graças a Deus!
BOZENA - A senhora tá doida, dona Larissa?
LARISSA - Tô não. Mas vai, cadê a dona Márcia? Preciso dela com urgência.
BOZENA - Dona Márcia tá com uma gripe fortíssima, tá sem voz. Eu tô no lugar dela.
LARISSA - Meu Deus! A doença chegou na pintora de rodapé. É uma calamidade pública.
DOUTOR PACHECO - Doença? Que doença?
LARISSA - O senhor é médico?
BOZENA - Doutor Pacheco, veio pra tratar do seu Flávio.
LARISSA - Graças a Deus. Doutor Pacheco, o caso é gravíssimo!
FLÁVIO - Não exagera, Larissa. A gente nem tem certeza.
DOUTOR PACHECO - Quais são as suspeitas?
LARISSA - Ebola, doutor! Ebola!
Doutor Pacheco recua, assustado.
DOUTOR PACHECO - Ebola?
LARISSA - Sim. Flávio veio da África hoje com essa gripe estranha. Tá contagiando todo mundo! Mamãe já virou vítima. A anã também.
DOUTOR PACHECO - Então há uma epidemia no Santa Fátima. Isso é gravíssimo!
NEIDE - Grave quanto, doutor?
DOUTOR PACHECO - Tão grave que a senhora vai soltar sangue e fluidos por qualquer extremidade que tiver. As dores serão horríveis.
NEIDE - Sangue e fluído?
Neide desmaia. Larissa vai acudir, o doutor não deixa.
DOUTOR PACHECO - Sinto muito, Larissa. Não pode chegar perto dela. Ela está morta!
Todos chocados, recuam. Larissa começa a chorar. Bozena também.
BOZENA - Isso é muito triste, daí. Lembra do dia que minha avozinha partiu.
FLÁVIO - Ela morreu?
BOZENA - Não, ela fugiu pra Curitiba com um atleta especializado em nudismo.
DOUTOR PACHECO - Temos que sair daqui. O ambiente é altamente contagioso.
FLÁVIO - Mas e eu?
DOUTOR PACHECO - Fique. Você tem pouquíssimas horas de vida. O prédio precisará entrar em quarentena!
Larissa não para de chorar. O doutor ampara ela. Eles saem. Bozena leva as crianças. Flávio fica ali, tenso, olhando pra Neide, desacordada.
FLÁVIO - Droga!
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CENA 08: STOCK SHOTS. EDIFÍCIO SANTA FÁTIMA. DIA, EXT.
Imagens aéreas do Santa Fátima. O prédio isolado, carros de reportagem e ambulâncias do lado de fora. Homens armados e com roupa de proteção fazem a guarda. Grande confusão.
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CENA 09: APARTAMENTO 202, EDIFÍCIO SANTA FÁTIMA. DIA, INT.
Dirce sentada no sofá vendo a televisão. Nela, uma repórter em frente ao Santa Fátima.
REPÓRTER - (V.O) Sim, Renato, ao que parece nós temos o primeiro caso registrado do vírus ebola em território brasileiro. As autoridades estão em pânico, e por isso um prédio todo, aqui na praia de Icaraí, Niterói, teve que ser isolado. Os moradores todos estão em quarentena após um deles chegar do continente africano com uma gripe estranha e contagiar outros. A equipe procurou a secretaria de saúde e eles não quiseram se pronunciar. Mais informações na hora da notícia, eu sou Aline Melo.
Dirce desliga a televisão, apavorada. Nelsinho entra, nota o pânico dela.
NELSINHO - Mãe? Tá suave?
DIRCE - Não tô suave não, meu filho. Não tô suave! Tô tudo, menos suave.
Ele senta ao lado dela.
NELSINHO - E o que pega?
DIRCE - Menino, em que mundo você vive? Olha lá fora. Vai na janela.
 Ele vai. Volta assustado.
NELSINHO - Eita! Pra que tanta gente lá fora? Tem uns caras armados!
DIRCE - Parece que um morador tá com suspeita de ebola, meu filho. E daí o prédio vai ficar em quarentena!
NELSINHO - Meu Deus. Que loucura.
DIRCE - E agora? E se a gente morrer aqui?
Ele abraça a mãe.
NELSINHO - Fica fria, coroa. A gente tá sussa.
Genival entra, espirrando. Dirce e Nelsinho se afastam abruptamente.
GENIVAL - Ei, por que tem tanto carro lá fora? E por que vocês tão me olhando estranho?
DIRCE - Meu filho lindo! Não é nada demais, não.
GENIVAL - Então me dá um abraço de bom dia/
Ele vai se aproximar, ela berra e sai de perto.
NELSINHO - Leva a mal não, Genival, leva a mal não. A gente só tá se prevenindo.
Genival vai se aproximar. Nelsinho e Dirce saem correndo, deixam ele sozinho no apartamento, confuso.
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CENA 10: APARTAMENTO 706, EDIFÍCIO SANTA FÁTIMA. DIA, INT.
Vivy fazendo as unhas no sofá. Patrick levantando pesos ao lado. A campainha toca.
VIVY - Vai abrir, Patrick.
PATRICK - Ih, nem vem. Tô ocupado.
VIVY - Eu mais ainda. Você pode deixar essa porcaria de lado e ir lá. Vai logo!
Ele bufa, deixa os pesos no chão e vai até a porta. Abre, Genival entra.
VIVY - Genivaldo?
PATRICK - Não é o encanador?
GENIVAL - Meu nome é Genival.
VIVY - Muito relevante. E daí?
GENIVAL - Tá acontecendo alguma coisa estranha.
PATRICK - Tipo o encanador invadir o apartamento da patroa sem maiores explicações?
Genival vai até a janela. Olha lá pra baixo.
GENIVAL - Vejam vocês mesmos. O prédio tá cercado. Tem jornalista, polícia, militares, tudo lá fora. Nesse exato momento.
Patrick e Vivy vão até a janela.
VIVY - Gente! Será que aconteceu alguma coisa?
PATRICK - Claro que aconteceu. A gente só precisa saber o que foi!
VIVY - Que se dane o que tá acontecendo! Eu acabo de ter uma ideia genial.
PATRICK - Ideia?
VIVY - A imprensa tá lá fora. É minha chance de entrar nos holofotes, baby.
GENIVAL - Entrar nos holofotes? Mas será que você cabe lá dentro? Quer dizer, com esses peitões/
PATRICK - Epa! Olha o respeito.
GENIVAL - O peito eu tô olhando.
Patrick vai pra cima de Genival, Vivy não deixa.
VIVY - Deixem de ser idiotas. Vocês precisam me ajudar no meu plano!
GENIVAL - E a gente precisa fazer o que?
VIVY - Primeiro descobrir o motivo de tanta bagunça. E daí pensar em algo!
Genival espirra.
GENIVAL - Eu posso ir lá ver.
VIVY - Seja rápido.
Ele concorda. Sai. Vivy sorri, Patrick intrigado.
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CENA 11: APARTAMENTO 1003, EDIFÍCIO SANTA FÁTIMA. DIA, INT.
Márcia andando pelo ambiente, aflita. Larissa chorando no sofá, as crianças correndo na sala. Bozena e doutor Pacheco entram com Dirce e Nelsinho.
BOZENA - Então o Genival tá infectado, daí? Que tristeza.
DIRCE - É só desconfiança, Bozena. Ele nem teve contato com algum outro infectado! A gente só saiu de perto por precaução.
Doutor Pacheco coloca os dedos nos lábios de Dirce, e ela fica quieta. Ele se aproxima.
DOUTOR PACHECO - Seu filho em breve será um saco de sangue e miséria ambulante. As dores serão tão horríveis que ele irá perder a voz de tanto gritar. Ficará branco, verde, roxo, e depois cairá no sono eterno.
Ele sai de perto, rindo.
DOUTOR PACHECO - Ainda bem que o filho não é meu.
Dirce começa a chorar, apavorada. Vai ao lado de Larissa, elas choram juntas.
NELSINHO - Pô, doutor! Assim tu só piora a situação!
DOUTOR PACHECO - Eu trabalho com a verdade nua e crua, meu jovem.
BOZENA - Lá em Pato Branco/
Marcia vai falar. Doutor Pacheco berra.
DOUTOR PACHECO - Cale-se, dona Márcia! Ou em breve a senhora será mais uma defunta no Santa Fátima.
Márcia fecha a boca, triste.
BOZENA - Lá em Pato Branco tinha um senhor muito conhecido, de nome Jailson Urubu. Ele era dono de uma das mais famosas funerárias da cidade, a FUDECA.
NELSINHO - Fudeca?
BOZENA - Sigla pra Funerária do Capeta. Nome bem sugestivo, daí. Jailson tinha fama de estar presente quase todas as semanas nos hospitais, conversando com parentes de pessoas gravemente doentes, daí.
DOUTOR PACHECO - Certamente visando que elas fechassem negócio com sua funerária. Certo?
BOZENA - Exatamente, doutor Pacheco. Acontece que Jailson Urubu era um bruto, assustava todo mundo por onde andava. Agourava e ria da tragédia das pessoas! Dizia sempre sua famosa frase: 'as lágrimas da sua família são um drink para a minha'. Todo mundo ficava muito bravo, daí, mas como ele era muito bom, entregavam seus mortos pro cara.
NELSINHO - E?
BOZENA - E nada, oras. Tô contando por contar.
DOUTOR PACHECO - Cale a boca, Bozena. Feche a matraca.
Bozena dá um berro. Todos espantados.
BOZENA - Cavalo! Não pense que só porque o senhor é médico pode chegar e dar ordens pra mim, daí. Empregada também é gente!
Doutor Pacheco vai se aproximando de Bozena.
DOUTOR PACHECO - Pois então eu lhe infecto com a doença, sua polaca dos infernos! Lhe faço ficar como os outros doentes. Quer?
Bozena nega com a cabeça.
DOUTOR PACHECO - Ótimo. Então temos que ir aos apartamentos e resgatar os que estão saudáveis. Os doentes ficarão isolados.
DIRCE - Doutor... E meu filho?
DOUTOR PACHECO - Se nada der certo, a gente procura uma funerária.
Ele ri. Dirce chorando, os outros espantados.
LARISSA - Calma, dona Dirce. Pelo menos seu filho ainda tá vivo. E minha mãe? Ela já tá morta!
Larissa volta a chorar.
GUTA - Eu não quero que o papai morra!
Doutor Pacheco se aproxima de Guta. Pega em suas mãos.
DOUTOR PACHECO - Você é uma garota muito bonita, sabia?
GUTA - Obrigada.
DOUTOR PACHECO - Larissa, vai preferir cremar ou enterrar a menina?
Doutor Pacheco se acaba na risada. Larissa pega os filhos pelas mãos.
LARISSA - Eu não vou ficar aqui com esse doutor sinistro, mas nem por um cacete!
DIRCE - Concordo! Esse homem é muito frio.
DOUTOR PACHECO - Sou o único médico daqui. Ou eu fico, ou vocês se ferram.
BOZENA - O filho da dona Hortênsia é médico! Alguém pode ir ver se ele está em casa, daí.
NELSINHO - Eu! Eu vou.
DIRCE - Toma cuidado, meu filho. Não chega perto de ninguém espirrando!
Nelsinho concorda e sai.
DOUTOR PACHECO - Se me trocarem vão se arrepender. Tô dizendo.
LARISSA - Cala a boca, doutor sinistro!
Ele sai de perto. CAM foca no rosto do doutor Pacheco, rindo sadicamente.

CENA 11: APARTAMENTO 301, EDIFÍCIO SANTA FÁTIMA. DIA. INT.
Hortênsia sentada no chão, segurando uma garrafa de vodka e bebendo um pouco. A campainha toca.
HORTÊNSIA – Já vai!
A campainha toca mais duas vezes.
HORTÊNSIA – Tá com fogo na bunda? Tá morrendo alguém por um acaso?
Hortênsia abre a porta. É Nelsinho, bufando.
NELSINHO – Tem sim, dona Hortênsia.
HORTÊNSIA – Sim o que, amor? Quer entrar? Minha cama tá vazia.
Hortênsia agarra Nelsinho e tasca um beijo em sua boca. Nelsinho desvia, saindo.
NELSINHO – Que isso, dona Hortênsia?
HORTÊNSIA – Gostou, chuchu?
NELSINHO – Ah, minha mãe me chama de chuchu, mas, enfim, eu não vim aqui pra isso. Seu filho tá?
HORTÊNSIA – Não. Foi numa entrevista de emprego na sua terra, o Cavalão.
NELSINHO – Então tchau.
HORTÊNSIA – Calma. O que você quer com ele? Não acredito! Você gosta da outra fruta? Meu filho é macho!
NELSINHO – Não, claro que não. É que com esse surto de gripe e Ebola aqui no prédio/
HORTÊNSIA – Surto de Ebola? Não sabia disso.
NELSINHO – Deve ser porque a senhora só fica aqui dentro bebendo.
HORTÊNSIA – Mas o que você queria com meu filho? Ele não sabe quase nada de Ebola.
NELSINHO – Pelo menos acho que ele sabe mais que aquele doutor Pacheco. O cara tá assombrando todo mundo, falando que os nossos familiares já estão mortos, que não tem mais volta e tal.
HORTÊNSIA – Ah, que insensível. Cadê Bozena?
NELSINHO – Tá lá nesse tumulto todo. Ela tá no lugar da dona Márcia.
HORTÊNSIA – A anã bateu as botas? (ajoelha) Ah, senhor, muito obrigada. Sonhei tanto com esse dia/
NELSINHO – Não é isso. Ela tá sem voz, então Bozena tá tomando as decisões.
HORTÊNSIA – Ah, então ela não morreu? Droga!
NELSINHO – Não. Agora eu vou indo.
HORTÊNSIA – Pera. Meu filho conhece um médico que tá estudando sobre Ebola lá nos Estados Unidos. Eu tenho o contato dele no meu quarto.
NELSINHO – Sério?
HORTÊNSIA – Sim. Vamos lá.
Nelsinho e Hortênsia vão até o quarto dela.
Corta para:

CENA 12: APARTAMENTO 102, EDIFÍCIO SANTA FÁTIMA. DIA. INT.
Sarah sentada no sofá da sala, bebendo um suco de cor verde.
PEDRO – Mãe, é suco de quê isso aí?
SARAH – Suco detox, filho. Dizem que previne gripe também. Quer provar?
PEDRO – Eu não. Vou tomar um refri.
SARAH – Não vai não. Bebe um suco.
PEDRO – Por quê?
SARAH – Seu pai encostou nas latas de refrigerante. Vou jogar tudo fora. Ele tá com gripe.
PEDRO – Mas eu posso passar um pano.
SARAH – Nada disso. Já disse que não é pra pegar nelas. As bactérias do seu pai são muito resistentes.
PEDRO – Como você sabe, mamãe?
SARAH – Sei lá. Chutei mesmo.
Pedro abre a geladeira e pega uma jarra com suco de laranja.
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CENA 13: PORTARIA DO EDIFÍCIO SANTA FÁTIMA. DIA. INT.
Vários policiais, repórteres e fotógrafos na portaria. Genival, Vivy e Patrick chegam. Um policial (alto, magro, aproximadamente 40 anos, bigode) aproxima-se dos três.
POLICIAL – Senhores, não podem ficar aqui. O prédio está em quarentena, então voltem para seus apartamentos.
VIVY – Querido, eu vim aqui para brilhar e irei!
Vivy aproxima-se dos jornalistas.
POLICIAL – Senhora, por favor, afaste-se.
Vivy faz várias poses para as câmeras. Vivy puxa Genival e Patrick. Ela coloca cada um de um lado dela e agarra os dois.
POLICIAL – Senhora/
VIVY – Não ferra, meu querido. Vá trabalhar!
O policial aproxima-se de Vivy com uma algema na mão. Ela dá uma joelhada nos órgãos genitais dele, que cai no chão. Vivy aproxima-se dos jornalistas novamente.
VIVY – Então, caso alguém queira me contratar para uma novela, série ou filme, só falar com meu assessor, o Patrick.
HOMEM – Com esses melões, só se for filme pornô.
Vivy dá uma bofetada no rosto do homem.
VIVY – Então, queridos, alguma pergunta?
REPÓRTER – Vivy, como estão os outros moradores nesse momento?
VIVY – Ah, um caos. Nem te conto. Ouvi dizer que a síndica, a Márcia anã, está entre a vida e a morte.
Corta para:

CENA 14: APARTAMENTO 102, EDIFÍCIO SANTA FÁTIMA. DIA. INT.
Hortênsia e Nelsinho no quarto dela.
NELSINHO – Cadê esse contato do médico, dona Hortênsia?
Hortênsia empurra Nelsinho na cama e se joga em cima dele. Ele tenta fugir, mas ela o algema à cama. Ela sai da cama e fica de frente para ele, em pé.
NELSINHO – Me tira daqui, sua louca. Todo mundo morrendo e você fazendo isso...
HORTÊNSIA – Agora vai começar o show!
Hortênsia tira sua jaqueta, sensualmente, e a joga para Nelsinho.
Corta para:

CENA 15: APARTAMENTO 510, EDIFÍCIO SANTA FÁTIMA. DIA. INT.
Neide caída no chão. Flávio sentado no chão.
FLÁVIO – (para si mesmo) Caramba! Como eu vou sair daqui agora? Maldita hora que eu fui espirrar. Tudo culpa daquele perfume forte da Shirlene.
Flávio pensativo. CAM foca nele.

CONTINUA...

FIM DO EPISÓDIO

Episódio com argumento e escrito por:
Vinicius Borges

Colaboração e supervisão de:
Vitor Abou

Participação Especial:
Diogo Vilela como Doutor Pacheco





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