Paralisado por causa da presença
de Ângela, Augusto não consegue falar, distrai-se e deixa algumas uvas caírem
no chão. Ao ver a cena, Jonas irrita-se:
– Para de ficar viajando, novato. Está querendo perder seu
emprego?
– Jonas! – repreende Aurora, envergonhada com a fala do
marido.
– Jonas, você perdeu a noção? Presta atenção como você fala
com os companheiros de emprego. – diz Pedro.
– Você não pode falar assim com ele. Se alguém tiver que ser
demitido, será você, Jonas. – fala Regina, irritada com a atitude de Jonas.
– Desculpe-me. – comenta Jonas, de cabeça baixa.
– Você precisa tratar bem os outros. – complementa Regina.
– Obrigado, dona Regina e seu Pedro. – agradece Augusto a
Pedro e Regina.
– Agora vamos voltar ao trabalho. Desculpe, dona Regina,
porém preciso ver algo com a senhora. Pode ser? – pergunta Pedro.
– Claro.
Jonas e Aurora voltam ao trabalho, enquanto Pedro e Regina
afastam-se dos demais. Ângela aproxima-se de Augusto e fala com ele num tom
baixo de voz:
– Podemos conversar?
– Eu fiz algo de errado?
– Não, não. Quero só conversar. Podemos?
– Sim.
Augusto e Ângela caminham pela vinícola.
***
Já Mary Leh e Jenny saem de casa. As duas vestem roupas
simples: Mary, um vestido azul curto e Jenny, uma calça jeans e uma blusa
amarela.
– Cê ainda não disse onde a gente vai. E nem se a tal
entidade se comunicou com você de madrugada. – reclama Jenny.
– Ela não se comunicou, e nós vamos ao lugar mais obvio que
poderíamos ir pra achar um porco, horas. – fala Mary, irritada.
– Uma lanchonete? – pergunta Jenny, de forma ingênua e
inocente.
– Não, sua quadrúpede. Nós vamos a uma fazenda. Aliás, eu
disse isso ontem, vamos ao Leite de Porca. Eles têm vários porcos lá.
– E o corvo?
– Eles têm também, não me pergunte o porquê. Vamos logo.
Após tanto andarem, as irmãs chegam a uma porteira de uma
fazenda, com uma placa de madeira antiga escrita ''Leite de Porca''. Elas
ignoram as porteiras e entram. A fazenda não é muito grande. Há alguns animais
espalhados pelas gramas, que estão secas. Elas aproximam-se de uma senhora
vestida de modo bem ''caipiresco'', com um vestido florido e velho, e sandálias
rasgadas. A mulher, que aparenta estar na faixa dos 50 anos e possui cabelo
loiro escuro, joga milho para várias galinhas magras.
– Senhora? – fala Jenny, chamando a mulher.
– Que cês tão fazendo aqui? Quem deixou cês entrar? –
pergunta a mulher, resmungando.
– Mary, ela fala igual uma caipira. – comenta Jenny.
– Calada! Ela é uma caipira. – responde Mary.
– Sou caipira porcaria nenhuma. Mas diz logo que cês tão
fazendo aqui, antes que eu chame a polícia. – irrita-se a mulher.
– Polícia não! Polícia não pode. – fala Jenny.
– A gente veio comprar, dona...?
– Meu nome é Rumina. E cês veio comprar o que? – pergunta
Rumina.
– Dois porcos e um corvo. E não é tão estranho quanto
parece. – responde Mary Leh.
– É sim. Mas cês não vão levar nada. Eu não posso vender
nada procêis. Passar bem.
– Como a senhora é insensível! Nunca ouviu aquele ditado? Ou
humilhados serão assaltados! – diz Jenny.
– Eu sou caipira, mas a burra é ocê. Os humilhados serão
exaltados!
– Minha filha, a gente tá no Brasil, nessa terra os
humilhados serão assaltados, torturados, espancados e até assassinados, se
deixarem. – responde a irmã de Mary, rindo.
– Mas não vim aqui falar dos humilhados. Quero dois porcos e
um corvo, anda, eu vou pagar. – fala Mary, com autoridade.
– Se ocêis não sai daqui, eu vou joga ocêis no chiqueiro!
– Chiqueiro? Eu me recuso! – fala Jenny.
– Ará! Cês são desaforada, né? Eu vou ensinar procêis que
ninguém se mete com Rumina Sete Palmos!
A caipira prepara-se para bater nas duas. Um homem se
aproxima, com uma espingarda levantada.
– Rumina! Que é que cê tá fazendo aí, mulher? – grita o
homem.
– Tô botando essas bandida pra correr!
– E quem deu autorização? Quem manda aqui sou eu! Vá já pra
dentro de casa, mulher. Vá fazer minha comida que eu tô zonzo de fome. –
responde o homem, que se aproxima, vestindo uma calça justa, uma blusa quadriculada
apertada e botas velhas, além de um chapéu de vaqueiro.
– Mas... – tenta Rumina.
– Nem mas, nem meio. Vá já pra casa, Rumina!
– Ocê é um frouxo, Eufrásio. – fala Rumina, voltando para a
casa, provocando risos de Jenny e Mary.
– As madames vieram aqui por qual motivo? – pergunta
Eufrásio.
– Negócios, seu Eufrásio, negócios.
– Nós queremos dois porcos e um corvo.
– E tem como pagar?
– Claro que temos. Nos arranje o que pedimos, e terá seu
pagamento em mãos. – propõe Mary.
Eufrásio vai até um galpão e volta com um carrinho de mão
com dois porcos filhotes e uma gaiola contendo um corvo.
– Isso dá a bagatela de cinco mil reais. – avisa o
fazendeiro.
– Mary, paga o moço. – ordena Jenny.
– Mas é claro. Um só momento. – fala Mary, que pega sua
bolsa e tira de lá um spray, espirrando-o na cara do homem, que berra e depois
é empurrado no chiqueiro pelas irmãs.
– Corre, Jenny! – grita Mary.
As duas pegam o carrinho com os animais e correm em
disparada, desesperadas. Eufrásio continua berrando, mas ainda caído no
chiqueiro.
***
Não muito longe de Pitenópolis, na cidade de Mirolis, Carmen
e Max andam pelas ruas da cidade, montados em uma moto. As ruas da cidade são
de paralelepípedo e são bem vazias. Em busca de Sofia, Max aborda um homem que
passa na rua:
– Você viu essa moça aqui? – perguntou Max, mostrando fotos
de Sofia.
– Não vi não, senhor.
– Obrigado.
Observando uma mulher passando, Carmen aborda a gorda
senhora, que anda com dificuldade.
– Você viu essa garota aqui, senhora? – questiona Carmen,
com a foto de Sofia na mão.
– Vi sim. Ela entrou naquela casa bem ali. – responde a
mulher, apontando para um casa velha e simples.
– Valeu, tia.
Carmen aproxima-se de Max e conta o que a mulher disse. Os
dois caminham até a casa.
***
Mary e Jenny chegam à casa delas. Mary carrega os dois
porcos e Jenny leva consigo o corvo, segurando-o pelas asas, para que ele não
voe, já que as duas abandonaram o carrinho e a gaiola durante o trajeto.
– Jenny, vamos começar o ritual! Estou recebendo as vozes.
– O que devemos fazer?
– Ligar o forno, para começar.
Jenny dirige-se à cozinha e liga o forno, porém a campainha
da casa toca, interrompendo o ritual. Mary vai até a porta e depara-se com
Sofia, vestindo uma vestido belo e novo.
– Bom dia. Você é... – diz Mary Leh, estranhando a jovem.
– Sou Sofia. Sofia Leão. Mudei para Pitenópolis
recentemente.
– Nunca lhe vi aqui.
– Cheguei ontem.
– Então faz sentido. O que deseja? Uma xícara de açúcar? –
pergunta Mary, rindo.
– Não. Você faz consultas amorosas?
– Seja mais específica.
– Tem como você saber onde está uma pessoa.
– Querida, não tenho GPS.
– Não tem nenhuma outra forma de descobrir?
– Na verdade tem, mas não é muito barato.
– Quanto é? Eu pago.
– Custa mais de 5.000.
– Meu Deus. É muito caro mesmo, mas eu irei conseguir essa
grana. Obrigada ...
– Mary. Mary Leh.
– Obrigada, Mary Leh. Até mais. – despede-se Sofia, saindo
da casa das irmãs.
***
Na vinícola Albuquerque, Ângela conversa com Augusto.
– Não liga para o que esse Jonas falou. Você é muito
guerreiro e merece muito esse emprego. Qualquer coisa, pode falar comigo. –
apóia Ângela.
– Tudo bem. Obrigado pelo apoio. – responde Augusto, que
fica feliz com a preocupação de Ângela.
– Não precisa agradecer. Gostaria de conhecer melhor você.
Pode ser?
– Claro. Quando?
– Hoje. Que tal?
– Hoje? Onde?
– Na praça. Venho te buscar quando terminar o seu
expediente.
– Não precis...
– Faço questão.
– Tudo bem.
– Eu achei você muito especial, carinhoso, meigo,
sensato,...
Augusto levanta sua cabeça, Ângela aproxima seu rosto do
rosto de Augusto, eles quase se beijam, porém Regina grita:
– Ângela, vamos logo, filha!
Visivelmente chateada com o grito da mãe, Ângela afasta-se
de Augusto e diz:
– Então venho te buscar. Beijos.
– Tchau.
Após se despedir de todos, Regina e Ângela finalmente saem
da vinícola, prometendo voltar.
***
Em Mirolis, Max e Carmen invadem a pequena casa em que,
segundo uma senhora, Sofia entrou. Max toca a campainha, porém ninguém
responde. Carmen chama por Sofia:
– Sabemos que está aí, Sofia. Abre logo.
Sem respostas, Max arromba a porta. Com a porta aberta, os
dois observam uma moça de costas sentada numa cadeira. Seu cabelo é longo e
escuro e sua pele é morena, assim como a de Sofia. Achando que é Sofia, Max
pega uma outra cadeira e com ela, dá uma pancada na cabeça da jovem, que cai no
chão. Carmen analisa o rosto da moça e conclui:
– Não é a Sofia, Max.
– Não?
– Não, eu tenho certeza.
– Então vamos embora. – diz Max, que depois corre da casa,
junto com Carmen.
***
O sol está forte, e em sua casa, Olga e Pietro tomam o café
da manhã.
– Pietro, quando nós conseguirmos o dinheiro dos Albuquerque
o que vamos fazer?
– Ainda não havia pensado nisso, Olga. Podemos viajar. Meu
sonho é conhecer a Europa.
– Então vamos comprar nossas passagens.
– Não acha que está muito cedo, não?
– É, está mesmo, porém não vou me esquecer.
– Tudo bem.
– Vamos garantir logo esse casamento. Eu não estou vendo a
aproximação entre Gustavo e Ângela que ele nos prometeu.
– Nosso filho vai conseguir, Olga.
– Eu sei disso, mas ele não está demorando muito? E se ela
se apaixonar por outro antes?
– Ela pode até se apaixonar, mas pelo que eu conheço os pais
dela, ela só vai se casar com quem tem condições e status. E Gustavo está na
lista de preferidos deles.
– Que bom.
– Olga, falando nele: Gustavo não vai trabalhar hoje não?
– Ele ainda não saiu?
– Não.
– Vou chamá-lo.
Olga vai ao quarto de Gustavo. Ele está enrolado em sua
colcha, vestindo um short azul e uma camisa branca. Olga chama o filho,
enquanto arruma o quarto dele, que está bem bagunçado:
– Gustavo, você não vai trabalhar? Acorde logo!
Abrindo seus olhos vagarosamente, Gustavo olha para a mãe e
pergunta em tom baixo:
– Que horas são?
– Quase dez.
– Meu Deus! Estou muito atrasado.
Gustavo corre para o banheiro e rapidamente troca de roupa.
Ao voltar do banheiro, pega seu celular no quarto e sai direto.
– Gustavo, bom trabalho! Beijo. – fala Olga.
***
Na loja ‘‘Vinhos Albuquerque’’, Jorge conversa com Leia. A
jovem amiga de Aurora está vestindo seu uniforme e seu rosto demonstra
irritação com algo. Não há outras pessoas na loja, e muitas observam somente as
vitrines com os últimos lançamentos da empresa. Gustavo chega desesperado,
correndo e cansado.
– Chegando só essa hora, Gustavo? Posso saber o motivo?
– Perdi a hora, seu Jorge.
– Ah sim. Espero que isso não se repita.
– Desculpa. Nunca mais se repetirá.
– Espero mesmo.
– Gustavo, hoje receberemos alguns novos produtos, então
esteja aqui para recebê-los.
– Tudo bem.
– Agora tenho que ir. Bom trabalho a vocês.
– Para o senhor também. – deseja Leia.
Após Jorge sair da loja, Gustavo pergunta a Leia:
– Leia, o que o Jorge estava falando com você?
– Nada demais, Gustavo.
– Conte mesmo assim.
– Pare de ser intrometido. Preciso limpar a loja. Com
licença.
Leia pega uma vassoura e varre o chão da loja.
***
Sem interrupções, Mary Leh e Jenny Franc finalmente iniciam
a prática do ritual. Mary começa:
– As entidades estão dizendo que devemos guardar um porco e
o corvo num quarto.
Jenny pega um dos porcos e o corvo e colocam-nos em um
quarto.
– Agora, devemos beijar o outro porco. – continua Mary,
depois, ela e Jenny beijam o animal.
– Que nojo!
Mary dá continuação à cerimônia e pega uma faca e está quase
matando o porco, porém Jenny grita:
– Para, Mary. Que coisa horrível!
– Devemos seguir o que as entidades estão nos dizendo,
Jenny. Caso contrário, elas irão nos perseguir.
– Por que a gente acredita nisso até hoje?
– É tradição, minha irmã. Vamos continuar. Agora temos que
colocar esse porco vivo no forno.
– Vivo?
– Sim.
– Mary, que absurdo! Não posso fazer uma coisa dessas.
– Prefere ser perseguida pelos espíritos ruins?
– Não, não. – responde Jenny, com medo.
Mary Leh coloca o porco vivo no forno.
***
Na pensão de Hanna Curie, ela e Cléo, sua prima, conversam
sobre a situação financeira da pensão:
– Não entendo por que vive reclamando, Hanna. A pensão vive
cheia.
– Esse não é o problema. O problema é que mesmo com ela
cheia não temos muito lucro. Tudo está mais caro.
– Então precisamos de algo para ganhar mais dinheiro.
– Exatamente. Mas não sei o que fazer.
– Que tal se vender alguma comida, doce,...?!
– Não sei se iam aprovar minhas comidas. – fala Hanna,
rindo.
– Também acho.
– E que tal se eu fizer previsões amorosas?!
– Você está maluca, Hanna?!
– Gostei da ideia. Aproveita e ferro com aquelas irmãs
bruxas. Perderão todos os clientes que ainda restaram.
– Mas como você vai fazer isso? Você tem alguma bola de
cristal?
– Claro que não tenho, mas podemos inventar algumas coisas,
ver se existe algum truque de cartas na Internet,...
– Não estou muito confiante, não.
– Então espera para ver, pois será ótimo.
– Já que você diz...
Hanna continua a comentar sua ideia com Cléo, que ainda não
confia muito nela.
***
Já na Praça de Pitenópolis, aproveitando o dia ensolarado,
Tito e Josefina conversam sentados em um banco. Um senhor de idade avançada
aproxima-se de Josefina e pergunta:
– Você é Josefina Silva?
– Sim, sou eu.
– Eu gostaria de uma roupa para meu netinho que vai nascer
no próximo mês. Você ainda faz esse tipo de roupa, não é?
– Sim.
Josefina acerta com o homem os detalhes da roupa e o preço.
Com a saída do homem, Tito fala para a querida esposa:
– Por isso que eu te amo, Josefina. Você nunca para de fazer
algo, não é?
– Nunca mesmo. Adoro estar ativa. – brinca Josefina.
O casal se beija, enquanto outras pessoas passam pela praça
e observam os dois.
***
E na casa de Mary Leh e Jenny, as duas prosseguem o ritual e
o porco morre, no forno. Mary o retira de lá com um pano e continua a narrar os
passos:
– Agora devemos comer algumas partes dele.
– Assim? Com pele e tudo?
– Sim.
– Ai, que nojo!
– Pare de frescura, Jenny.
Mary dá uma mordida no porco e Jenny faz o mesmo, porém com
cara de nojo.
– Eu acho que vou vomitar. – diz Jenny, enjoada.
– Vamos descansar disso. Se continuarmos, vamos acabar
passando mal.
As duas irmãs deitam-se no sofá e descansam.
***
Pelas ruas de Pitenópolis, Carmen e Max passam de moto.
Sofia está comprando itens básicos num pequeno supermercado, carregando uma
bolsa grande. A jovem vê os dois e se esconde atrás de uma estante, com medo do
casal.
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